terça-feira, 30 de abril de 2019

A MUSICA COMO PAISAGEM EM MOVIMENTO



A música é cinese.
Como tal dá voz ao mundo
Transfigurando o tempo.

A paisagem é musica,
Ritmo, velocidade,
Que situa os corpos,
Que inventa perspectivas.

A música é o intimo das coisas.
É tudo aquilo que nos acontece
E produz movimento.


A AVENTURA DA PALAVRA



Busco a palavra como fissura,
Como uma fuga,
Que leva a transcendência do cotidiano,
A uma outra forma de saber as coisas,
De sentir e apreender a realidade
Como experiência imprecisa e múltipla
De um quase dizer as coisas.

Busco a palavra como exercício de transfiguração e deslocamentos,
Como uma exploração do nada, do insatisfatório e do insuficiente,
Como testemunho do impessoal, do indeterminado,
Do que sempre será rascunho e inacabamento.

Quero a palavra que quase não é palavra,
Que recusa o signo e o significado,
Que extrapola o comunicável
E diz a carne do silêncio.
Uma palavra música, pintura,
Que expressa o fluxo do afeto
E registra encontros.

CORPO MUNDO



O que penso e o que sinto é este corpo,
Do qual sou quase ignorante.

Mas vivo como se soubesse,
Mediante a consciência,
Tudo aquilo que é o corpo.

Como se esse “eu” que pensa existisse
E não fosse uma ilusão do corpo.

Como se o corpo não fosse o mundo,
E o mundo não fosse o corpo.  


sexta-feira, 26 de abril de 2019

A PALAVRA E A LETRA


A letra e a palavra nunca ocupam o mesmo lugar. O silencio da leitura nunca será como o texto capturado pelo dizer da voz.

Escrita e oralidade, individuo e coletividade, eis o grande dilema das letras ocidentais. Mas, tomando como referência a cultura letrada que define a época moderna, onde predomina a leitura silenciosa, não se trata aqui de uma oposição, é o modo como o silêncio se insurge contra qualquer texto que agora se coloca como questão.

O leitor é sempre um autor quando existem ouvintes. Mas quando só há o leitor em sua solidão e silêncio, o livro se apresenta como objeto de experiência. A linguagem já não é expressão de um dizer verdadeiro, mas simulacro, um outro lugar do humano que ganha corpo através da literatura (ficção). Esta última invenção moderna que se coloca a margem dos saberes formais, na fronteira do real,   escapa, entretanto,  a experiência do livro, como prisão do discurso. A literatura é devir, fluxo, obra. Sua natureza é o inacabamento, o indeterminado.

Escrever é um trabalho contra a linguagem e seus usos, algo que não se esgota em qualquer livro ou discurso. Escrever é uma forma do corpo exercer sua soberania contra a consciência e o império do eu existo. Escrever é servir-se das letras contra o uso cotidiano e racional das palavras.

DA FALSIDADE DAS COISAS





quinta-feira, 25 de abril de 2019

O FUTURO É INATINGÍVEL

A intuição de um acaso feliz nos faz progredir para qualquer futuro. Mas o futuro nunca é pessoal. Ele é coletivo, relacional. É a soma do virtual, é a potência do múltiplo que nos define como multidão.


Mas o futuro acontece a margem das projeções. Ele não comporta utopias ou quimeras. O futuro é sempre imprevisível, selvagem. Mesmo assim, cultivamos a expectativa de um acaso feliz. Apostamos na persistência da vida independente das perspectivas de ocasião.

Acreditamos que a soma de tudo que somos é sempre criadora de novas e boas expectativas. Apostamos que há sempre um horizonte se inventando através de todos nós. O futuro é uma promessa, algo que nunca se realiza. Ele é contra o presente, mas nos espera sempre  um passo a frente.

quarta-feira, 24 de abril de 2019

SABER E SENTIR


O PRESENTE CONTRA A MEMÓRIA


As urgências do agora desvinculam a memoria e a vida, despotencializam a experiência. O passado se apresenta como entulho de fatos arruinadas, como a lixeira do tempo de agora.

Nossas vivências e seus ecos não ganham forma ou textura em meio à experiência nervosa do momento. Por isso, pouco nos reconhecemos em nossa biografia, em nosso modo de sentir o passar das coisas e conservar lembranças.

No fundo já não sabemos mais o que é o acontecer da vida entre descontinuidades, perdas e transformações.

terça-feira, 23 de abril de 2019

SOBRE OPINIÕES E SILÊNCIOS

Portar uma opinião não é expressar uma identidade, mas replicar qualquer conclusão impessoal que capturou a palavra que nos frequenta.


O que realmente importa, nossas dúvidas e angústias, reservamos ao silêncio. Mas são elas que de fato nos definem como coletividade, como um transitório estado de coisas, como corpos espalhados em uma paisagem.

segunda-feira, 15 de abril de 2019

CORPO E VIDA


A medida da vida é o corpo.
Apenas o corpo.
Ele é o interior e o exterior do meio.

Tudo se resume ao acontecer do corpo.
Diante dele, a consciência é mero detalhe,
Um acontecimento secundário
Nessa estranha incerteza que é a existência.