domingo, 26 de setembro de 2010

lapso


Entre a criança e o homem
Fica sempre um hiato,
Um infinito de qualquer coisa
Não identificável.
Um discreto extravio de alma
Que deixa a vida
Quase incompleta. 

GASTON BACHELARD: FRAGMENTO SOBRE O DEVANEIO



“Quando, na solidão, sonhando mais longamente, vamos para longe do presente reviver os tempos da primeira vida, vários rostos de criança vêm ao nosso encontro. Fomos muitos na vida ensaiada, na nossa vida primitiva. Somente pela narração dos outros é que conhecemos nossa unidade. No fio de nossa história contada pelos outros, acabamos, ano após ano, por parecer-nos com nós mesmos. Reunimos todos os nossos seres em torno da unidade de nosso nome.
Mas o devaneio não conta histórias. Ou, pelo menos, há devaneios tão profundos, devaneios que nos ajudam a descer tão profundamente em nós mesmos que nos desembaraçam da nossa história. Libertam-nos do nosso nome. Devolvem-nos, essas solidões de criança, deixam em certas almas marcas indeléveis.”

Gaston Bachelard in Poética do Devaneio

terça-feira, 21 de setembro de 2010

FRAGMENTOS SOBRE O TEMPO E A EXISTÊNCIA


Talvez, a soma de todas as coisas hoje vividas, perpetue-se em alguns míseros segundos de cândida e inútil lembrança.
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Um dia de pura e enfadonha rotina contraria a existência como fato consciente definido pela imprecisa busca de arbitraria e precária felicidade...
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O sempre igual do mero dia a dia pode calar-se através de um simples ato repentino de ousadia e determinada vontade contra os imperativos do rotineiro.
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O conceito de natureza não passa de uma codificação arbitraria daquilo que identificamos como mundo vivido...
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O tempo futuro extrapola sempre as nossas ingênuas imaginações de tempo presente...

EFÊMERA FILOSOFIA DO MERO COTIDIANO


Deitado no colo do tempo, procuro, inerte e provisório, saber o que, afinal, faz  o mundo real, o fundamento do  aqui e agora, imerso em pluralidade de imanências e vagos pensamentos.
Mas nada parece fazer mais sentido  do que a atraente beleza da anônima jovem que caminha  do lado oposto da rua, indiferente a tudo, sem saber se que eu existo. Deixo-a por um momento conduzir o aleatório do meu olhar enquanto me rouba migalhas de imaginação. Tudo, entretanto, se desfaz em um segundo quando ela se perde no além da rua sem deixar significado ou lembrança...
Sinto que nada de diferente acontece com todos os fatos de uma individual e intima existência, o silêncio, talvez, seja a essência de todos os atos vividos...

LET IT BLEED


Perdem-se os dias
No inútil acontecer
De provisórias versões
De mim mesmo.

Em busca de mínima nomeada
Luto contra o mero
Passar do tempo
E contra o peso, cada vez maior,
Do meu rosto
A sangrar nos anos...