domingo, 3 de março de 2024

A MORTE DA LITERATURA E O SUMULACRO DA REALIDADE

Nasce morta hoje em dia
toda forma de escrita,
de criação de sentido
ou invenção semiótica.

Toda literatura está morta,
confinada a prisão do comércio de livros,
ao capricho dos críticos,
a vaidade dos autores
e a indiferença de alguns poucos leitores
prisioneiros de bibliografias.

Hoje nasce longe da vida
toda forma de escrita
ou coleção de palavras.
Não há mais  virtude entre os bem letrados
que redescobriram a realidade
como um modo de ficção
ou sofisticada forma de simulacro
e ilusão
mas intensa do que a própria existência.




terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

NASCIDO CATIVO

Não foi para mim suficiente
o evento do meu  nascimento.
Não ouso dizer 
que me tornei homem feito.
Apenas sobrevivi a mim mesmo.

Afinal, não me foi possível
o prazer de viver
fora da prisão de ser.

Não me foi permitido
ser livre e autônomo,
criar e pensar sem o interdito
de cartilhas, decretos e leis.

Me foi proibido existir contra o Estado.
Romper a grade das regras e princípios,
Rasgar tradições e tratados a beira dos meus mais íntimos precipícios.

Logo, não me bastará sucumbir mansamente ao mundo,
morrer qualquer dia como quem nunca viveu.

Quero provar, mesmo que tarde,
o lado de fora do cativeiro.
Me tornar, finalmente,
homem feito,
despido de tudo que me foi imposto,
ensinado e determinado.

Quero ser único,
absurdo e incompreensível,
além da ilusão de livre arbítrio.





segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

MARGINÁLIA

É preciso desistir de si e do mundo,
resistir a tradição e ao contemporâneo,
recusar tudo que nos tornamos,
o que demasiadamente somos
como ato e memória.
Renunciar a tudo que nos foi ensinado.

É preciso declinar, fracassar.
Morrer mil vezes por dia,
se necessário,
para renascer vagabundo.

Somos os desajustados e marginalizados
que fugiram da escola.
Os improdutivos, os perigosos
e evadidos da realidade.

Somos os que não param de sonhar,
delirar, de correr riscos,
e reivindicar outros valores,
outros mundos e formas de vida.

Somos a marginaria, a boêmia.
Os niilistas que desacreditaram de tudo
e nada esperam de nada.

Somos a aventura de nossa renuncia.
Somos a ausência de futuro.





sábado, 24 de fevereiro de 2024

ENTRE O CHÃO E O SILÊNCIO

Nada que possa ser dito
 ressuscitará meus ouvidos.
Não estamos mais dispostos a acreditar,
a buscar verdades ou discursos para nos conformar ao mundo.


Nenhum poder, moral ou divindade nos imporá limites,
assim como nenhum humanismo nos definirá
Não colonizaremos o outro.
Viveremos nos limites de nós mesmos
como toda planta e animal
que por pura necessidade
inventa seu mundo.

Não queremos ser eternos.
Abominamos a ideia de uma alma imortal,
toda bobagem sobre salvação
ou terra natal.

Nos importa apenas o efêmero,
o desimportante e banal instante
no qual se esgota nossa eternidade.


Tudo que nos importa não tem relevância.
Renunciamos a tradição e a memória,
a qualquer vestígio de nossos pés no mundo.
Nossa vida não cabe nas palavras de um livro.

Viveremos indiferentes a verdade e a razão,
entre dias e noites,
 chão e  silêncio.

Nada que possa ser dito
Ressuscitará meus ouvidos.
Joguem flores ao sol.



FILOSOFIA DA COMUNICAÇÃO

Ninguém mais escuta o que disse
ou sabe o que ouviu.
Há apenas informação circulando
acima dos fatos e opiniões
na racionalidade burra dos algoritmos.

Em breve seremos todos devorados
pelo entusiasmo das convicções.
Pois os fatos não ultrapassam
a banalidade dos enunciados
no fundo do poço de tanta retórica.

 já superamos toda teoria da representação
e sabemos que as palavras não correspondem as coisas
nem dão conta da imaginação.

Há discursos demais,
informações demais.
Palavras demais.
Muita tagarelice.

Ninguém mais escuta o que disse
ou sabe o que ouviu.
Todos falam demais
se fazendo de sábios
 ou sabichões.
 cada um segue preso
a sua pequena bolha de  razão.

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

NASCER & MORRER

Nascer e morrer
são experiências que transcendem
nossa auto consciência.
São limites além de nossa própria existência.

Nascer e morrer 
são as fronteiras do corpo,
os frágeis limites que separam
o eu e o nada,
o silêncio e a palavra,
o ato e o esquecimento.

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

QUASE CEDO

Sei que ainda é cedo 
para arrumar as malas
 e ensaiar despedidas. 

Mas um fim já nos aguarda 
onde começa o resto de nossas vidas.

 Sei que ainda é cedo
 para nossa partida, 
Mas parte de nós Jaz desde já ausente 
e comedida.
 Pois há ponto final,
mas não há saída.

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

SEM NOVIDADES

Não há novidades contra a normalidade,
contra toda modernidade que nos rouba futuros e sonhos.

O mundo não para de morrer
e o amanhã, ainda, está longe de nascer.

Sendo assim, tudo que importa é sobreviver
entre o passado e o futuro
equilibrados no possível
do quase distópico.

Lamento por todos que irão nascer,
 sobreviver, sem novidades,
nos últimos dias das humanidades.
 







quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

PSICOLOGIA DO ALTRUÍSMO

Há algo sombrio
no coração daqueles que reivindicam bondade
ou fazem apologia do altruísmo e da mais desinteressada generosidade.

Há quase sempre
uma motivação  inconfessável
 no coração dos agentes da  solidariedade,
uma obscura necessidade de poder, controle e  superioridade,
que não ousa diagnosticar
a mais profunda psicanálise.

Cuidado com os benfeitores da humanidade
que quase sempre alimentam
a brutal autoridade dos mais cruéis  ditadores
apenas para satisfazer  sua infinita vaidade.

O fato é que quase sempre,
no coração da bondade,
bate algum tipo de insuspeitável  maldade.




sábado, 3 de fevereiro de 2024

A NATUREZA DA PSIQUE

O homem é o cérebro.
O mundo é o cérebro.
O dentro e o fora
são o cérebro.
A alma é o cérebro.
A linguagem é o cérebro.

O Si mesmo está, entretanto,
de alguma forma,
além do cérebro,
do homem e do mundo.
Pois ele é natureza,
o não lugar de todas as coisas,
o simulacro absoluto.