UMA VIDA SEM ESPERANÇAS

 Sigo de um dia ao outro 

Sobrevivendo 

 de pequenas  rotinas

em minha quase invisível existência

sem nenhuma grandeza

ou dignidade.

Não esperem, portanto, 

de mim 

qualquer heroísmo.

Nem tentem me fazer crer

 em  ilusões de redenção,

progresso ou sucesso.

O futuro é a morte

 em um mundo 

onde a vida  não vale  a pena.

Onde nossos problemas não terão solução.

Todas as infâncias morrem precocemente.

Nunca terminamos de nascer.

Nunca começaremos a viver.

Existimos, todos,

de maneira muito duvidosa.

NIILISMO & LIBERDADE

Liberdade é não estar preso a nada,

nem mesmo ao efeito da palavra liberdade.

É desconstruir toda línguagem

construindo distâncias.

Seja em relação a si mesmo, 

aos outros, a vida, ao tempo, 

a verdade, aos aplausos,

 aos silêncios,

ao momento e a todos os lugares 

que  um dia provaram 

a incerteza

dos meus pés descalços e desaparecimentos.

Liberdade é não acreditar em nada,

é desmobilizar -se,

desmoralizar -se,

desterritoriarizar-se,

desconfiar de tudo,

desvelando a arte como uma arcana

forma de nada, ilusão e morte.

É nunca ter sorte.

Liberdade é acontecer na preguiça,

no sono,  na ausência absoluta.

Surpreender-se em solitário e anônimo protesto contra tudo que existe,

que não existe, 

até desaparecer 

 na imanente metafísica do informe,

do esquizóide, do nada de qualquer fim de tarde 

A REALIDADE É O QUE FOGE DE NÓS

A realidade está sempre

em outra parte,

além do pensamento, 

da palavra e do ato,

como um impreciso constrangimento.

Ela é o silêncio depois do discurso.

O vazio de um livro fechado

e o cheiro agradável de um prato de boa comida.

A realidade é o que foge de nós

em todos os lugares.

É o além do objeto.

É o quase do acaso

de um acidente subjetivo...

A VIDA COMO PATOLOGIA

A vida irreal de todos os dias,

nossa teatral existência vazia,

Aquém de toda representação, 

além dos atos de linguagem,

 dos jogos de imaginação e disciplina,

é o que nos define,

mas não nos explica.

A vida despida de si mesma,

 simulada, produtiva,

 desfigurada, violentada

e prostituída por toda forma de fé e poder,

é tudo o que somos, ou que nos tornamos,

contra nós mesmos.

Fizemos de nossas vidas a quase morte

de uma existência apodrecida.

Assim procedemos para o triunfo da razão e da boa ordem das coisas vivas.

O NADA DA EXISTÊNCIA

A existência é um  delicado estado de continuado delírio 

ou, simplesmente, um raso aprendizado do fato abstrato de em nada ser.

Ela é um estar sempre mudando,

se desfazendo e se perdendo,

aos pouquinhos,

através do corpo, 

da percepção e da memória,

que nos afoga na ilusão da realidade,

na lucidez do nada que desfaz

todo significado, convicção e verdade

que nos move contra o tempo e o espaço.

Existo através de tudo onde não sou,

onde me descubro como processo, natureza, matéria e meta linguagem.

Existo em indeterminação e imanência,

em devir e silêncio,

Buscando desesperadamente qualquer forma de liberdade que ultrapasse toda noção possível e incerta de realidade.

Afinal, a existência é aquilo que me diz que em nada eu sou,

que é sempre um outro que me surpreende

na experiência de viver através da consciência

a inconstância deste momento que me consome e mata.

PESSOAS & COISAS

O mundo é feito de coisas.

Não de pessoas.

Pessoas são corpos vivos,

quase coisas,

que existem para uso das coisas.

Mas pessoas morrem,

As coisas ficam,

e sustentam o mundo

que através das coisas

persiste.

Já pessoas quase não existem.

São quase coisas,

em um mundo feito de coisas

que se multiplicam 

e inventam outras coisas.

Só as coisas existem.

CANSAÇO

Estamos todos cansados.

Seja de acreditar, de querer,

de esperar, de trabalhar,

pensar, amar ou sonhar .

Estamos cansados 

até mesmo de ficarmos cansados.

Cansados da vida, da morte, do mundo

do lazer, do sono, do trabalho,

e de acordar novamente para o dia seguinte

na espectativa de um colapso.

Estamos todos cansados,

quase esgotados,

sem saber direito o que fazer sobre isso.

SOBRE A EXTERIORIDADE DO SER

Do lado de fora da minha vida

aprendo o lado de dentro de nossa existência.

Sou, ao mesmo tempo,

eu, o mundo e ninguém.

Sou todas as coisas que desejo,

Invento e percebo em movimento

através dos outros e delo além de mim e do tempo.

Todas as fronteiras, realidades e corpos são moventes.

Nada define a existência.

Tudo foge e escapa no intenso devir da vida.

A matéria é  a inconstância

entre o dentro e o fora de mim, do mundo e de toda mudança.

MEMÓRIA MORTA

Chega um tempo

em que a vida já não é vivida,

mas ruminada, 

desfigurada e quase esquecida.

Pois tudo se reduz a ontem.

 O pensamento , então, acontece intensamente no passado,

que sobrevive a si mesmo,

como um eco, 

no fundo do poço do presente

onde a gente afoga sem tempo e em silêncio.

APENAS O CÉU

O céu é apenas o céu. 

Sempre distante e incerto

 dentro dos olhos 

Como um outro mundo 

Que nos observa em silêncio. 

 O céu é apenas o céu, 

Indiferente ao  chão que nos oprime,

a ilusão que define

o  lugar onde vivemos, sofremos, 

e morremos 

a espera 

de qualquer coisa 

que nunca será. 

 O céu é apenas o céu,

além das vertigens dos deuses,

da intuição dos sonhos,

dos  determinismos  astrologicos

e caprichos humanos.

O céu é apenas o céu.

Nada mais cabe dizer sobre isso.