sexta-feira, 26 de novembro de 2021

INSTANTE E DISTÂNCIAS

 

Muitas distâncias decoram o instante.

Sejam elas físicas, abstratas,

ou somente imaginadas.



A própria vida parece distante,

ausente de si,

mergulhada em mudanças e

vazia de mundos,

enquanto o tempo,

que muitos dizer que passa,

é sempre o mesmo,

que nos vê morrer lentamente

entre distâncias e saudades.



Agora mesmo,

me aperta o peito

um vazio de infância,

uma morte íntima,

que me conduz ao longe.



quarta-feira, 24 de novembro de 2021

CORPO SEM MUNDO

Falta a cabeça 
um mundo
que proporcione realidade
ao corpo
na expressão viva do inumano.

Falta verdade no agir das mãos,
no gesto de um abraço,
no morder dos dentes,
no silêncio das palavras,
e percepção das bactérias
que me habitam a boca e a pele.

Que a intensidade de qualquer angustia
me conduza a carne da alma
da mãe natureza,
ao transbordamento de todas as ausências que  me preenchem
como uma chama.


domingo, 21 de novembro de 2021

A ARTE DE ESPANTAR

Espantar é nosso modo de esperançar,
de superar o quebranto,
de sonhar um mar,
para perder de vista a terra firme e seca
que hoje nos rouba os pés.

O Espanto é um afeto que nos arranca do agora,
que nos faz fugir,
buscar, qualquer outro lugar ou forma,
de viver e fazer viver.

Existir é constantemente
Espantar, assombrar, afetar, e
afastar, tudo que impaca,
que inventa  inércias,
e regras, 
nos impedindo de criar.

Espantar é o melhor modo de protestar, lutar, tentar avançar
e estranhar o mais intimo de nós nos outros.

Espantar é ser estranho 
ao que é distante
e paradoxalmente familiar.




sexta-feira, 19 de novembro de 2021

DETERMINAÇÃO

Ainda que eu seja finito,
que meus dias sejam de pedra,
e minha vontade fragil e incerta,
quero provar tempestades,
perder o pé na beirada de abismos,
inventar outra realidade.

Quero provar o sabor de uma estrela,
pintar a noite de vermelho,
e correr com lobos pelo labirinto de uma antiga floresta.

Quero ter a saúde dos lunáticos,
o desejo livre dos desatinados.

Ainda que eu morra amanhã
ou que o mundo termine ao ritmo de um tango argentino.

segunda-feira, 15 de novembro de 2021

A PALAVRA COMO TERRITÓRIO EXISTENCIAL

A palavra como acontecimento é inerente ao corpo que percebe, que se movimenta, mesmo estando inerte.

A palavra não  representa o mundo,
ela inventa mundos, 
cria realidades, signifacados,
reconhecimento do fora 
como uma dobra do dentro.
Escrever é um modo de caminhar,
de passear pela imateriaridade de territórios artificiais ao sabor de intensidades e afetos.

quarta-feira, 10 de novembro de 2021

TRANS ANIMAL

Meu segredo é ser 
um organismo vivo
que guarda a memória de diversas naturezas.
Existo entre o orgânico e o inorgânico,
entre o humano e inumano.

Sou um animal estranho
que tenta viver como as árvores
reinventando a terra e o tempo
indiferente a paisagem.

Sou uma fera transfiguada,
indeterminada e inclassificável.
Não tentem me compreender
 pelo abecedário de qualquer saber ou ciência. 

domingo, 7 de novembro de 2021

PALAVRA VIVA

É urgente
Corporificar o texto
até que não haja fronteira 
entre a palavra e a vida,
ficção e realidade,
na contramão de todo falso realismo racional.

O pensamento é um afeto
que transfigura a palavra,
reinventa o som,
absolutizando a musicalidade,
como caminho do eu ao outro.


A palavra é carne,
vida sem espírito,
que transforma a matéria 
em mundo.

Somos sígnos e símbolos
na trama do sentido
que nos transfigura os sentidos,
que nos refaz no indeterminado
da natureza em infinito.

A palavra é corpo,
poesia viva,
ou natureza em ato  físico e metafísico.


sábado, 6 de novembro de 2021

ATEMPORALIDADE E ESPANTO

Da morte da história nasceu o não tempo do espanto, do inumano contra o antropoceno, reafirmando  a morte do homem, a reviravolta das subjetividades, através  dos corpos que germinam da terra, contra as vertigens do céu e da razão luminosa.
Desvelamos a animalidade e seus afetos, as profundezas do caos da existência, a pobreza do progresso, na redescoberta de um mundo, intenso e  arcaico, entre o mito e a imanência.
Nosso passado nunca foi moderno e nosso futuro é a potência do espanto da vida substantiva.
O atemporal da existência nos surpreende antigos e dissassossegados na falência de todas as épocas.

O DIA SATURADO

Saturado de signos,
significados,
saberes e mercadorias,
o dia era quase ilegível
na praça do mercado.

A vida não vivia.
O tédio nos adoecia,
e as horas apodreciam
a céu aberto.

Todos estavam cansados
de tanta informação 
contra os fatos
E era inútil qualquer interpretação 
daquele dia.
Mas nada que sentiámos
deixaria vestígio. 
O mundo era um cadáver
dentro de um livro.

quinta-feira, 4 de novembro de 2021

O ENÍGMA DA LINGUAGEM



O grande esoterismo da linguagem é a invenção da realidade como acontecimento verbal, como devir do corpo, além da confissão de verdade, de toda mimese e representação. 

A linguagem é como um organismo vivo que nos transforma, uma imaginação-máquina, que no inventar-se das palavras, nos lança as intensidades do inumano.