terça-feira, 17 de agosto de 2021

A MISÉRIA DO SER

Ser se tornou consumo.
O ego   nos assujeita
na sedução absoluta
do objeto que nos devora a alma.

Ser é o que se come
ou o que define sua fome,
concreta e abstrata,
sua necessidade
ou precariedade,
seu modo de vida
e de morte.

Ser é desver-se no mundo,
desinventar subjetividades,
devir outros mundos,
multiplicar-se nos rostos,
fragmentar-se, 
perder-se,
saber-se um fora
dentro da cidade abismo.

Ousar imaginar imanentes metafísicas
de um corpo que afeta
afetado por um devir inumano.

Ser é saber-se mato, água,
terra e ar,
trair a realidade
antes que ela nos traia
calando a loucura,
transmutando a matéria,
como um insano alquimista.

Ser é viver como coisa,
É consumir,
consumir-se,
misturar-se,
Desaparecer,
gritar,
onde nada existe
além do simulacro
no fluxo das formas,
dos signos e dos limites do sentido e do não sentido.


Ser é o não valor de tudo que existe,
 é dizer o que não pode ser dito
na inconsciência de nossos atos
e na inutililidade de nossas certezas, emoções e conquistas.

Ser é contemplar o próprio cadáver
no anonimato de um crânio
exposto em qualquer vitrine.






MELANCOLIA CLIMÁTICA

As mudanças das estações já não me alteram o Ser.
Dentro de mim está sempre chovendo
e a Terra não me vê.
Apenas gira,
enquanto a agonia do sol
permanece espetacular,
sempre insinuando o fim do mundo, 
esclarecendo a melancolia climática.


domingo, 15 de agosto de 2021

SENTIDO E NÃO SENTIDO

É comum saber em nós mesmos o sentido e o não sentido da vida  como dois impulsos contrários e complementares: enquanto o afeto do não sentido nos dissolve na intuição do vazio da eternidade, o afeto do sentido nos lança a indeterminação e a mudança como forma de criação de si mesmo através do vago infinito  do instante. Ambos os sentimentos são movimento e imanência, modos de  des-subjetivar -se , fragmentar-se, diluir-e na totalidade do sensível, na composição de encontros, onde tudo é corpo composto de corpos na afirmação de uma potência da existência. 
O não sentido é a afirmação da vida levada as suas últimas consequências. Mas o sentido é a própria vida em movimento na realização do multiplo e do singular.  Bem querer a vida, afinal, não nos impede de morrer entre os infinitos do instante e da eternidade.

sexta-feira, 13 de agosto de 2021

NAUFRÁGIOS

A precariedade imaterial de uma consciência ferida pelos enunciados dominantes, pela organização material de uma vida danificada, define nossa herança comum, nossos passados presentes, como um grande naufrágio.
A civilização, este velho mito iluminista, é como um luxuoso transatrântico perdido no mar aberto do silêncio da eternidade. 
Somos todos náufragos em um presente a deriva  que não nos sagrará sobreviventes. Não importa se  a sombra funebre do nosso navio fantasma rememore como funestra paródia, o Titanic, o Príncipe de Austurias,  o Wilhem Gustloff ou um navio negreiro. Estamos todos condenados ao mar como devir inconsciente e ancestralidade de abusmos.


segunda-feira, 9 de agosto de 2021

EMERGÊNCIA GLOBAL

Pode ser que amanhã
nos falte um mundo
para viver
e a natureza
finalmente
se livre da gente
para que um novo dia
possa acontecer.

Afinal, a indiferente poesia do ser,
nunca será humana.


PALAVRA, SILÊNCIO E PENSAMENTO

As palavras nascem
do fundo  das coisas mudas,
onde falam silêncios,
gritam vontades,
morrem verdades,
e os olhos escutam
o sentir que se esgota
na vida de um verso
ou de uma frase.

As palavras sabem o pensamento.
Mas o pensamento não sabe as palavras,
ignoram o mais profundo
do sopro
que lhes serve de corpo.
Os pensamentos não são humanos.







terça-feira, 3 de agosto de 2021

NECRO ÉTICA

Como pensar uma necro ética  de nossas vidas danificadas, precárias e desertificadas?
 O tempo do mundo diz que estamos mortos antes de nascer. Mas a morte é a médica da vida. Ela nos cura de nós mesmos.
 E o que é  a cura além de um sintoma do silêncio e do vazio que não para de crescer sem nenhum remédio ?
A ética é resistência e transformação do pathos estrutural da existência. 

ALÉM DO HUMANO

 

 

O homem não  tem essência,

nem substância.
É uma sombra triste
que nos conforma.
Um acontecimento sem futuro,
condenado ao desaparecimento
no silêncio da natureza.

O homem não é a medida de si mesmo,
não tem alma.
Nos espreita agora 
no relâmpago
o intempestivo do além do humano,
a iminência do múltiplo
e do informe,
da vida e da morte.

no eterno retorno
da potência das forças
em colisão.

quarta-feira, 28 de julho de 2021

O SENTIDO DA ARTE

Para qualquer artista a realidade é  uma prisão, 
uma ilusão verdadeira,
frente a qual a obra é uma estratégia  de fuga, 
uma busca de qualquer coisa mais profunda
além do jogo infantil entre sujeito e objeto.
Arte é  criar qualquer coisa mais real do que o próprio mundo.

terça-feira, 27 de julho de 2021

CERNUNNUS

Tenho a idade dos meus fracassos,
das minhas perdas
e arrependimentos.

Garanto que sou mais velho
do que aparento,
carrego o peso das idades do mundo
na leveza do agora fugidio.

Não sou apenas este eu recente,
limitado e provisório 
que não  resiste aos anos.

A parte mais importante de mim
é aquela que fora do tempo
segue livre entre animais
no coração da floresta.