sábado, 27 de março de 2021

A PERDA DO MUNDO

Exploramos o território do vazio,
nossa ausência  de mundo,
desenhando um mapa de angustias,
que se confunde com a sombra
de nossos próprios corpos.

 Aprendemos o tempo dos mortos
através  da geografia do caos primevo 
que ainda nos habita
intempestivo.

Nossos pés  não tem mais alma.
Não encontram chão. 
Escapamos a natureza e a vida
embriagados por tecnologias,
ambições doentias de dominação. 

Agora estamos fora de tudo,
desespacializados e enganados pelo absurdo de uma razão celeste.

Mas se viver se fez nosso lado de fora, 
é  porque buscamos nossa propria ausência,
inventamos em nós
um avesso de natureza,
um vazio de mundo,
um sem futuro dos pés,
através  da utopia do pensar verdade.







terça-feira, 23 de março de 2021

MUDAR O MUNDO

É  certo que escrever não muda o mundo. 

Mas produz acontecimentos que transformam

a vida
 
naquilo que a gente é.
 
Mudar o mundo é  muito pouco
 
quando permanecemos sendo
 
o que ele nos faz ser.
 

segunda-feira, 22 de março de 2021

AMBIÇÕES

 


 

 

Faço planos de desmundar o mundo

e des-ser minha existência

contra a vida cotidiana.


Pois não me basta respirar.

Quero desvivenciar todas as palavras pré ditas,

ser corpo sem tempo através da invenção das coisas.


Faço planos de me tornar água

e pensar como fogo

para me sentir terra e ar.


Faço planos de viver o nada,

no nivelamento da vida e da morte.

Tenho expectativas para minha a-existência.

domingo, 21 de março de 2021

FORA DO EU

Do lado de fora do eu
meu corpo era outro.
um outro animal, inorgânico 
e intenso acontecimento.

Contra o tempo e o mundo
meu sentir era intenso,
impreviso.

O ser em mim era puro movimento
no vivo infinito do instante 
que passa e fica
dentro de tudo
que me faz multiplo
e fugaz.




sexta-feira, 19 de março de 2021

ALMA TERRA

A alma não  é  um atributo dos homens,
mas um modo de ser da materia.
A alma é  o corpo,
a intensidade da experiência. 

A alma é  o mundo como consciência,
é  a natureza que pensa.

No avesso do platonismo
a alma é Terra.



quinta-feira, 18 de março de 2021

PALAVRA ESCRITA

A escrita veste o corpo.
É  uma segunda pele,
um modo  de ser visto,
de acontecer   aos outros, 
como uma presença 
que transcende qualquer distância 
entre a palavra e o ato.

O dizer extrapola o pensamento,
torna-se potência na produção  de um sentido 
que ressignifica o mundo
através  da palavra 



quarta-feira, 17 de março de 2021

DA LETRA AO CORPO

 


Não me acomodo ao raso significado

das palavras arrumadas na brancura da tela.

Não me deixo enganar pela ordem gramatical,

pelas intencionalidades rasas

de consensos argumentativos e formalismos.

Dentro do dito há sempre um abismo

que diz o invisível do corpo negado.

Ele fala, grita, registra-se,

entre as linhas,

contra todo logocentrismo

e tédio de narrativas bem comportadas.

Toda comunicação pragmática

me provoca vertigens.

Cada leitor deveria

Rasgar a si mesmo

no dizer comum do mundo.

Ler no espelho das letras

a nudez de seu próprio corpo.

segunda-feira, 15 de março de 2021

A ARTE DO ESQUECIMENTO

É  minha sina 
viver todos os eus
que já fui na vida
no esboço  contante
de um futuro impossivel.

Sigo passados contra o progresso.
Eles estão cheios de novidades esquecidas,
povoados pelas possibidades  inéditas e inertes
de um amanhã  jamais sonhado.

Quero  realizar em mim o nada
do mais intenso esquecimento
de todos os rostos que vesti no tempo.





domingo, 14 de março de 2021

POESIA

Poesia não  paga aluguel,
não  compra comida,
nem produz poder.

Poesia  é   corpo,
composição  e desejo,
de um dizer inumano
que nos faz  devir
e natureza.

Ela é inimiga da sobrevivência, 
da norma, da História,
e do utilitarismo que define o normal.

Poesia é  um contra dizer,
um acontecer na palavra
no desver do ser.

Poesia é  afeto e anarquia,
saber o alado dos pés
no colo de Gaia.





terça-feira, 9 de março de 2021

VIDA VIRTUAL

 


Entre vitrines e telas

a vida vira outra coisa

que não respira,

que não transpira,

que não pulsa,

e, nem mesmo,

tem extensão.


Viver agora é fazer circular informação,

virtualizar a ação,

reproduzir opinião,

afirmar tendências e binarismos

até o limite dos algoritmos.


Entre vitrines e telas

a vida segue em branco

no vazio dos simulacros

onde o dado inventa o fato.