quarta-feira, 17 de março de 2021

DA LETRA AO CORPO

 


Não me acomodo ao raso significado

das palavras arrumadas na brancura da tela.

Não me deixo enganar pela ordem gramatical,

pelas intencionalidades rasas

de consensos argumentativos e formalismos.

Dentro do dito há sempre um abismo

que diz o invisível do corpo negado.

Ele fala, grita, registra-se,

entre as linhas,

contra todo logocentrismo

e tédio de narrativas bem comportadas.

Toda comunicação pragmática

me provoca vertigens.

Cada leitor deveria

Rasgar a si mesmo

no dizer comum do mundo.

Ler no espelho das letras

a nudez de seu próprio corpo.

segunda-feira, 15 de março de 2021

A ARTE DO ESQUECIMENTO

É  minha sina 
viver todos os eus
que já fui na vida
no esboço  contante
de um futuro impossivel.

Sigo passados contra o progresso.
Eles estão cheios de novidades esquecidas,
povoados pelas possibidades  inéditas e inertes
de um amanhã  jamais sonhado.

Quero  realizar em mim o nada
do mais intenso esquecimento
de todos os rostos que vesti no tempo.





domingo, 14 de março de 2021

POESIA

Poesia não  paga aluguel,
não  compra comida,
nem produz poder.

Poesia  é   corpo,
composição  e desejo,
de um dizer inumano
que nos faz  devir
e natureza.

Ela é inimiga da sobrevivência, 
da norma, da História,
e do utilitarismo que define o normal.

Poesia é  um contra dizer,
um acontecer na palavra
no desver do ser.

Poesia é  afeto e anarquia,
saber o alado dos pés
no colo de Gaia.





terça-feira, 9 de março de 2021

VIDA VIRTUAL

 


Entre vitrines e telas

a vida vira outra coisa

que não respira,

que não transpira,

que não pulsa,

e, nem mesmo,

tem extensão.


Viver agora é fazer circular informação,

virtualizar a ação,

reproduzir opinião,

afirmar tendências e binarismos

até o limite dos algoritmos.


Entre vitrines e telas

a vida segue em branco

no vazio dos simulacros

onde o dado inventa o fato.


segunda-feira, 8 de março de 2021

METAMORFOSE

 

Não nos basta ver e entender.

Tudo é sempre outra coisa.

Mudança, ambiguidade,

releitura.

Toda aparência é profunda.

A realidade é sempre

um caos de possibilidades

além da estagnação do Ser.

quarta-feira, 3 de março de 2021

ZERO

O redondo do zero
é um dizer do nada
dentro do infinito.
Ele define o vazio
como alguma coisa
que nos transborda,
que transforma a linha
numa curva de 360°.

O FUTURO DA REVOLTA

O influxo do mistério do não fundamento do mundo, deveria despertar em nós um espanto absoluto, uma revolta contra a vida e todos os valores estabelecidos, certezas de rebanho, e necessidades  da espécie, que, uma vez inventadas, pela insanidade coletiva, nos foram impostas como duvidosa condição da sobrevivência comum.
Nada é como podemos ou sabemos dizer. Há um caos crescendo dentro de nós como a fagulha de um grande incêndio que um dia será visível contra todas as gramáticas de ser.

TRANSGRESSÃO

É preciso que o familiar nos cause estranhamento,
que a margem se faça caminho,
e que silêncio transcenda o indizível.

É urgente enxergar além do visto,
pensar o impensável.
Experimentar o infinito sem rosto
e os abismos do sem sentido.

É preciso morrer em si mesmo
na experiência do caos profundo
que sustenta a vida inumana
do nosso mais intimo desconhecido.


A ARTE DE DESAPARECER

 

Não vivo da ilusão de futuros possíveis.

Sei que o amanhã pertence aqueles que ainda irão nascer.

Da minha parte, busco o porvir,

o vir a ser impertinente de um eterno retorno

que me ensina a vertigem do desaparecimento constante.

segunda-feira, 1 de março de 2021

AFORMAÇÃO

Já faz muito tempo
que não sei o mundo
de outra forma,
que meu corpo não conhece
outros lugares de saber o viver
como experiência outra de acontecer entre as coisas.

palavras novas não escavam a garganta grávida,
nem os gestos inventam outra dança
na arte de viver contra a roupa rota do mero existente.

Mesmo assim,
nenhuma formação me define .
Sigo inacado,
reinventado no incerto de cada momento,
na criatividade do nada e do devir,
o avesso do espelho de um rosto em permanente desabamento de si .