quinta-feira, 5 de março de 2020

DIVERSIDADE E DEVIR


"Nada é permanente, salvo a mudança."
Heráclito

A composição e decomposição dos corpos define a inconstância do existente, sua indeterminação. A mudança aqui, entretanto, não intenta um outro, o novo, mas o movimento cego como premissa da própria condição do existente além da ilusão da identidade e da duração.

Mudança aqui não serve a qualquer propósito teleológico, mas a paradoxal identidade daquilo que não é, que se afirma pela negação e pela imprecisão, levando ao limite qualquer relação ou dialogo entre as coisas que se apresentam a como fixas e estáveis em uma espacialidade orgânica (cosmos).

A mudança, como inconstância e indeterminação, é aquilo que nos diz que nada é no sentido de nossa percepção. Aquilo que é difere de si mesmo e se realiza como criação de si mesmo através da diferença, não como negação, mas afirmação do diverso.

MEMÓRIA


Tempo não é memória,
mas perda e esquecimento.
Memória é corpo,
reconhecimento,
afeto,
que desafia o tempo.

Através da memória
nos reconhecemos
uns nos outros
na experiência do quase nada
de qualquer identidade temporária.



quarta-feira, 4 de março de 2020

SIMPLICIDADE


Não serei apêndice de qualquer discurso,
de nenhum dizer verdadeiro
com fome de realidade.
Escutarei os silêncios
que me invadem o corpo
nos gestos pequenos
de simples e cotidiana sobrevivência.

terça-feira, 3 de março de 2020

CAMINHO


O caminho me atravessa,
me transforma,
muito além da meta
de qualquer destino.

Minha própria existência
é o caminho
na inconstância de todas as coisas
em movimento,
Pois eu caminho onde não existe caminho....








domingo, 1 de março de 2020

SOBRE O MUNDO QUE É ATRAVÉS DE NÓS

Nascer é  um existir para o mundo, é tornar-se, mesmo que provisoriamente, parte da sua realidade. Cada um de nós é  uma versão  particular do mundo comum que se faz materialidade, corporeidade, através do nós do um. Assim, o mundo nos contém,  ele é  através  de nós. Mas nós não  somos o mundo, pois não  podemos em nossa singularidade conceber sua totalidade. Ele nos escapa e, dessa maneira, o arranjo provisório de nossa impessoal individualidade torna-se possível como uma espécie de alienação. O mundo nos antecede e supera. Cada um de nós é nada no criar-se de tudo.

sábado, 29 de fevereiro de 2020

CONHECIMENTO E INFÂNCIA

Quando a memória da infância  substituir a filosofia da História a imaginação se revelará a mãe  de todo saber da vida, de todo dizer possível do mundo.

O assombro da existência,  o caos do múltiplo e do inconstante, há de por em primeiro plano a vertigem do pensamento.

É preciso saber sempre de novo o mundo com a inocência de uma criança, tornando toda experiência de si e do mundo uma  vivência de infância. 

FORA DE CONTROLE

Vivemos em um mundo que escapa a ingênua crença em um controle humano da natureza e dos artifícios coletivos de produção da nossa própria existência.

O homem não é a medida de todas as coisas, assim como os deuses não habitam em uma realidade mais profunda e absoluta.

Tudo é existe fora de qualquer controle ou propósito. A vida é incerteza e espanto e nenhuma razão ou técnica irá nos salvar de nós  mesmos.

O CONHECIMENTO COMO ABISMO

É  justamente a impossibilidade de conhecer, de estar certo de alguma  coisa, que paradoxalmente inspira a experiência do conhecimento.

É  a incerteza quem alimenta o saber como uma vontade de conhecer, como um modo de ser na linguagem que ultrapassa o dizer.

 O conhecimento estabelece a si mesmo através da consciência de sua própria ausência. Ele é sempre uma falta, um vazio a consumir aquele que conhece e desaparece em sua busca.

O conhecimento é a mais sofisticada forma de ignorância. 

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

A VOZ QUE DANÇA



A voz que dança enuncia vida.
Foge ao logos,
não comunica.

Ela é pura expressão, movimento,
cheio de texturas, velocidades e tempos.

A voz que dança é desatino,
poesia e forma
na expressão do corpo irrequieto.

Ela é a experiência de um destino,
de um ponto em transição na paisagem
do grande texto mudo do mundo.

a voz que dança nos transmuta em sopro.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

HÁ MUITOS SILÊNCIOS NO MEU DIZER

Mesmo quando não me calo
Guardo silêncios. 
Digo apenas o necessário 
Contra todas as expectativas .

Deixo palavras ao vento
Para os ouvidos do abismo
Contra o coro das verdades explícitas.

Meu dito busca a intensidade da mudez do mito
Na expressão do  intraduzível 
Do mais imediato e vivido.