quinta-feira, 2 de maio de 2019

TERRA


A terra que nos engendra,
Onde nascemos
e aprendemos ser, 
Mudando, criando,
Sendo entre  corpos,
É extensão e imaginação.

Ela é puro movimento,
Diversidade e fecundidade.

A terra sabe a si mesma
Através de mim.
Pois vivo, tal como morro
Dentro da paisagem.

Meu corpo é a terra,
É devir, por vir
E eterno retorno.

quarta-feira, 1 de maio de 2019

FELICIDADE E FICÇÃO


" Em todas as vidas existe qualquer coisa de não vivido, do mesmo modo que em toda palavra há qualquer coisa que fica por exprimir. O caráter é a obscura força que se assume como guardiã dessa vida inticada: vela atentamente por aquilo que nunca foi e, sem que o querias, inscreve no teu rosto a marca disso. Por essa razão, a criança recem-nascida parece já ter semelhanças com o adulto: de fato, não há nada de igual entre esses dois rostos,  a não ser, num como noutro, aquilo que não foi vivido."
Giorgio Agamben in Ideia de Prosa

A felicidade é aquilo que nunca foi ou será, mas permanece como fantasia abstrata de uma vida ideal. Vários tempos, afetos e carências, se misturam na composição desta ficção que eleva o individual ao plano do coletivo, do impessoal.
A felicidade é o desejo personificado por sua plenitude intempestiva. Ela é uma recusa da contingência e da própria realidade, uma teimosia ou inadequação instintiva a vida como ela é.
Há um comércio estranho entre felicidade e literatura que revela a linguagem como um ato de transgressão.

CORPO PENSAMENTO

Um indeterminado desejo sem objeto engendra um pensamento, desenha um sentimento, expressando a vida como um movimento entre o dado e o por vir.


Há muitas possibilidades dentro deste instante. Há intensidades que situam o corpo dentro da paisagem.

O pensamento da forma ao desejo e transforma o tempo em um laboratório de subjetividades.

O pensamento se confunde com um espaço aberto de experiências que através do corpo ganha realidade.

Mas não há sujeito. Apenas a composição de coisas e estados compondo uma frase, produzindo uma intencionalidade onde o meio, o infinito e o íntimo inventam uma consciência.

O pensamento não se encontra em si mesmo. Ele é um saber que é expressão da extensão, ele é no corpo que já não se distingue dele.

terça-feira, 30 de abril de 2019

A MUSICA COMO PAISAGEM EM MOVIMENTO



A música é cinese.
Como tal dá voz ao mundo
Transfigurando o tempo.

A paisagem é musica,
Ritmo, velocidade,
Que situa os corpos,
Que inventa perspectivas.

A música é o intimo das coisas.
É tudo aquilo que nos acontece
E produz movimento.


A AVENTURA DA PALAVRA



Busco a palavra como fissura,
Como uma fuga,
Que leva a transcendência do cotidiano,
A uma outra forma de saber as coisas,
De sentir e apreender a realidade
Como experiência imprecisa e múltipla
De um quase dizer as coisas.

Busco a palavra como exercício de transfiguração e deslocamentos,
Como uma exploração do nada, do insatisfatório e do insuficiente,
Como testemunho do impessoal, do indeterminado,
Do que sempre será rascunho e inacabamento.

Quero a palavra que quase não é palavra,
Que recusa o signo e o significado,
Que extrapola o comunicável
E diz a carne do silêncio.
Uma palavra música, pintura,
Que expressa o fluxo do afeto
E registra encontros.

CORPO MUNDO



O que penso e o que sinto é este corpo,
Do qual sou quase ignorante.

Mas vivo como se soubesse,
Mediante a consciência,
Tudo aquilo que é o corpo.

Como se esse “eu” que pensa existisse
E não fosse uma ilusão do corpo.

Como se o corpo não fosse o mundo,
E o mundo não fosse o corpo.  


sexta-feira, 26 de abril de 2019

A PALAVRA E A LETRA


A letra e a palavra nunca ocupam o mesmo lugar. O silencio da leitura nunca será como o texto capturado pelo dizer da voz.

Escrita e oralidade, individuo e coletividade, eis o grande dilema das letras ocidentais. Mas, tomando como referência a cultura letrada que define a época moderna, onde predomina a leitura silenciosa, não se trata aqui de uma oposição, é o modo como o silêncio se insurge contra qualquer texto que agora se coloca como questão.

O leitor é sempre um autor quando existem ouvintes. Mas quando só há o leitor em sua solidão e silêncio, o livro se apresenta como objeto de experiência. A linguagem já não é expressão de um dizer verdadeiro, mas simulacro, um outro lugar do humano que ganha corpo através da literatura (ficção). Esta última invenção moderna que se coloca a margem dos saberes formais, na fronteira do real,   escapa, entretanto,  a experiência do livro, como prisão do discurso. A literatura é devir, fluxo, obra. Sua natureza é o inacabamento, o indeterminado.

Escrever é um trabalho contra a linguagem e seus usos, algo que não se esgota em qualquer livro ou discurso. Escrever é uma forma do corpo exercer sua soberania contra a consciência e o império do eu existo. Escrever é servir-se das letras contra o uso cotidiano e racional das palavras.

DA FALSIDADE DAS COISAS





quinta-feira, 25 de abril de 2019

O FUTURO É INATINGÍVEL

A intuição de um acaso feliz nos faz progredir para qualquer futuro. Mas o futuro nunca é pessoal. Ele é coletivo, relacional. É a soma do virtual, é a potência do múltiplo que nos define como multidão.


Mas o futuro acontece a margem das projeções. Ele não comporta utopias ou quimeras. O futuro é sempre imprevisível, selvagem. Mesmo assim, cultivamos a expectativa de um acaso feliz. Apostamos na persistência da vida independente das perspectivas de ocasião.

Acreditamos que a soma de tudo que somos é sempre criadora de novas e boas expectativas. Apostamos que há sempre um horizonte se inventando através de todos nós. O futuro é uma promessa, algo que nunca se realiza. Ele é contra o presente, mas nos espera sempre  um passo a frente.