A letra e a palavra nunca ocupam o mesmo
lugar. O silencio da leitura nunca será como o texto capturado pelo dizer da
voz.
Escrita e oralidade, individuo e
coletividade, eis o grande dilema das letras ocidentais. Mas, tomando como
referência a cultura letrada que define a época moderna, onde predomina a
leitura silenciosa, não se trata aqui de uma oposição, é o modo como o silêncio
se insurge contra qualquer texto que agora se coloca como questão.
O leitor é sempre um autor quando existem ouvintes.
Mas quando só há o leitor em sua solidão e silêncio, o livro se apresenta como
objeto de experiência. A linguagem já não é expressão de um dizer verdadeiro,
mas simulacro, um outro lugar do humano que ganha corpo através da literatura
(ficção). Esta última invenção moderna que se coloca a margem dos saberes
formais, na fronteira do real, escapa, entretanto, a experiência do livro, como prisão do
discurso. A literatura é devir, fluxo, obra. Sua natureza é o inacabamento, o
indeterminado.
Escrever é um trabalho contra a linguagem e
seus usos, algo que não se esgota em qualquer livro ou discurso. Escrever é uma
forma do corpo exercer sua soberania contra a consciência e o império do eu
existo. Escrever é servir-se das letras contra o uso cotidiano e racional das
palavras.