domingo, 24 de março de 2019

O INATUAL


Sigo ao encontro do inatual,
Daquilo que não cabe no momento,
Que recusa o tempo,
Atravessando todas as épocas.
É um misto de corpo e silêncio.
Um pulsar de vida,
Onde a fragilidade da presença
Inventa um mundo sem tempo
E livre de urgências.
Por um instante me surpreendo
Fora de tudo,
Dentro da natureza.
É como se fosse sempre
O primeiro dia do humano.

sexta-feira, 22 de março de 2019

MODESTAS ESPERANÇAS



A vida ainda comporta algumas modestas esperanças. Coisa pequena que pode parecer restrita ao âmbito da chamada vida privada. Falo de uma polidez de gestos e palavras decorrentes de um modo particular de sentir e agir. 

Dizendo de forma bastante simples e direta, a vida deve nos acontecer como uma boa musica. A esperança nasce disso: da possibilidade de comover e ser comovido no jogo cotidiano das pequenas coisas. É cultivar a sensibilidade para perceber que somos, através de tudo aquilo que nos rodeia, um simples pedaço de natureza.


quinta-feira, 21 de março de 2019

NOMADISMO

Sou aquele que não se move,
Que permanece inerte
No meio das coisas.

Sou a paisagem em seu movimento.
Não sei um rosto,
Não tenho casa.

Tudo em mim é acontecimento,
Poesia e afeto
Que não se conforma a palavra.

Existo fugindo do que me define fora da paisagem.
Existo como vivem às pedras,
E, entretanto, nada em mim é inércia.

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quarta-feira, 20 de março de 2019

FORA DO MUNDO



Ignoro a urgência cotidiana das coisas.
Sou indiferente as pressões do trabalho,
Aos assuntos de família,
E aos eventos sociais onde impera sempre o efêmero e o dispensável.
Cultivo a paz de minhas inercias,
O silêncio da minha preguiça
E os afetos que me consomem.
Não estou disponível às dores do mundo.
Aprendi a ser intenso através de ausências.
Não tenho interesse em participar de nada.

quarta-feira, 13 de março de 2019

SOBRE VER E ENXERGAR


GEOGRAFIA FILOSÓFICA


Vida é deslocamento,
Existir é  experimentar espaços,
Lugares de dizer, ver e mover,
Habitando significados.


Estar em trânsito é nosso modo de ser,
De saber o mundo,
Entre as interdições e possibilidades
De um plano vivo de existência.


Existir é geografia,
Viver é cartografia,
Acontecemos na experiência
De paisagens em movimento.

terça-feira, 12 de março de 2019

A VIDA COMO ESPETÁCULO

Sei que a obra viva  da minha existência desafia minha própria consciência. Sou o ator, o autor , o espetáculo e o espectador do teatro da minha existência. Mas não há enredo que defina meus atos, nem espontaneidade em meus improvisos. Tudo é um acontecimento sem sentido, um espetáculo sem qualquer brilho que, surpreendentemente, transcende o grande espanto que define o sublime.

O DESAFIO DAS PALAVRAS


O encanto das palavras está no seu potencial para significar a  vida. Não a vida cotidiana e imediata que silenciosamente nos define concretamente no espaço e no tempo de uma época. Mas a vida que inventamos, que adivinhamos através do pensamento.

As palavras são como um jogo. Não basta apenas conhecer suas regras. É preciso criatividade para jogar com elas, para fazer dizer justamente aquilo que nos deixa mudos. 

Eis o desafio das palavras: fazer a vida ir além do vivido, comunicar aquilo que nos faz ausentes do mais elementar acontecer de nossos corpos.

As palavras inventam a vida para que o nosso viver  se torne suportável.

domingo, 10 de março de 2019

A ANTI FILOSOFIA DO SIMPLES AQUI E AGORA

Não há nada mais complexo do que o simples estar aqui e agora acontecendo como um corpo vivo. Não é possível separar a condição sensitiva, intelectual e vegetativa que nos define como parte de um dado ambiente, como algo que se move e realiza coisas. Somos a soma de vários processos que em sua totalidade escapam ao significado, a armadilha do intelecto.   Se quer temos controle sobre isso. Viver é o acontecer do corpo e , para o corpo, o pensamento e a consciência não passam de um detalhe. Ele existe para locomoção e interações ambientes que visam unicamente sua reprodução. O pensamento procedeu um desvio, uma curva,  que nos inventou "o humano" como um artifício contra natural. Mas, apesar disso, toda a nossa existência ainda gira em torno da imediaticidade do simples aqui e agora.

quinta-feira, 7 de março de 2019

DESCAMINHOS

Todas as noites afundado na bagunça dos meus cacos, faço um inventario das minhas perdas e ganhos ao longo dos anos.

Constato sempre de novo o absurdo da sucessão de cotidianos, épocas, fases e rostos. Não compreendo como cheguei ao aqui e agora. 

Não me reconheço em nada daquilo que me define agora.