Eudaimonia
significava para os gregos “ser habitado por um bom daimon”. A expressão descreve um estado de bem estar ou felicidade
bem personificado pela máxima estoica de “viver de acordo com a natureza”. É
neste mesmo sentido que ela figura na Ética de Nicômaco de Aristóteles para o
qual o caminho da felicidade é a virtude. Pensada como
eudaimonia a felicidade não é um mero estado de consciência associado à
experiência egóica. É um viver bem através dos preceitos da razão.
Espinosa
redimensionou o conceito de eudaimonia em sua Ética ao incorporar às paixões e
os afetos a reflexão ética. O gnosiológico e o afetivo se complementam na
teoria dos afetos exposta na terceira parte de sua Ética. Mas foi Foucault que,
em seu retorno aos gregos, redescobriu a ética como uma estética da existência, como a construção de formas ou modos de vida. Nesta nova perspectiva a ética não é a
conformação a razão e a verdade, mas a disciplina inerente a criação e a expressão plena de nossos corpos, um afetar e ser afetado, através de técnicas de cuidado de si e dos outros. A ética, nesta perspectiva, é antes
de tudo o exercício da amizade no plano da vida pública e cotidiana a margem da busca por qualquer experiencia logocentrica e exterior de verdade.
Inspirando-me nas pesquisas do "último Foucault", o que aqui me parece pertinente questionar é até que ponto a ética é uma busca abstrata pela
felicidade através do bom exercício da razão, tal como afirma a tradição filosófica. Talvez em nossos dias ela possa ser pensada como um modo de inventar a si
mesmo, uma forma de ser criativo, ou um prazer ou vivência estética de si. Em outras palavras, a ética hoje esta associada a produção da subjetividade como criação social de formas de vida coletivas e singularidades. Não se confunde com a meta abstrata de uma felicidade incorpórea que realiza um ethos, mas a própria plenitude do corpo e da vida,ou, a possibilidade de um voltar-se para si, um tomar a si mesmo como obra de arte além do bem, do mal, e do assujeitamento de um ideal impessoal de felicidade.
É este voltar-se para si que Foucault resgatou entre os antigos gregos através do cuidado de si que torna hoje a ética uma questão tão essencial em nossos dias enquanto estrategia de reinvenção de nós mesmos.
Diante dos limites do tempo presente é sempre pertinente questionar o que podemos ainda nos tornar no devir da existência... E esta, ao meu ver, é o novo horizonte de uma reflexão ética ainda possível.