segunda-feira, 26 de junho de 2017

LINGUAGEM E EXISTÊNCIA

É no plano da linguagem e das estratégias discursivas que as escolhas individuais podem se realizar. É também através dela que o mundo existe como significado e processo teleologicamente orientado.  Podemos mesmo falar de uma estética da percepção definida pelo ato linguístico. Pois a condição humana é, em grande medida, um modo de percepção das coisas através de uma consciência radicalmente diferenciada do inconsciente. Deste modo, existe uma relação radical entre consciência e linguagem que condiciona a percepção. A própria vivência de uma experiência só adquire um conteúdo, um significado, quando esta experiência adquire uma realidade como um conjunto de  enunciados e preposições.


A DECADÊNCIA DA OBJETIVIDADE

A objetividade tornou-se uma caricatura da possibilidade de significação do mundo vivido. Transcendemos o factual através da economia de imagens, impressões virtuais e fragmentação de nossas experiências cognitivas. Contra qualquer tendência totalizante e racional da simples impressão da realidade, afirmamos a descontrução do sujeito através da decomposição do objeto.

Lembrando Baudrillard,

“É isso que chamo de ironia objetiva:  existe uma forte probabilidade, quase uma certeza,  de que sistemas  serão desfeitos  por meio de sua própria sistematicidade. Isto é verdadeiro  não apenas para estruturas técnicas mas também para estruturas humanas. Quanto mais estes sistemas  políticos, sociais e econômicos avançam em direção a sua própria perfeição, mais eles se desconstroem.  Isto é muito claro no campo da mídia e da multimídia, onde, por causa de um excesso de informação, perdemos o acesso  a informação real e aos acontecimentos históricos reais.”
 Jean Baudrillard . A ilusão vital. RJ: Civilização Brasileira: 2001, p. 85

A História foi superada pela imaginação virtual, pela virtualização das épocas,  estilos de vida e pela afirmação constante da economia simbólica de nossas  simulações de existência. Isso vale para todas as dinâmicas da reprodução social da  vida.


sexta-feira, 23 de junho de 2017

NOTA SOBRE O PENSAR E O DIZER

Escrever não é uma comunicação, um compartilhar conhecimentos ou experiências, mas  inventar-se como discurso, perder-se através de um labirinto de enunciados. 

A boa escrita não segue roteiros, é a aventura de um espanto, de uma inquietude, um desassossego, personificado por um discurso que materializa um duplo de nós mesmos.  Todo aquele que sabe o que vai dizer,   cessou de pensar cada palavra que se apresenta a escrita.

A MÁSCARA DO AUTOR E A AUTONOMIA DO DISCURSO

O autor é a persona delineada por um conjunto de signos e símbolos que estruturam um padrão de enunciados e configuração de  narrativas.

 Já uma obra autoral é uma singularidade. Singularidade que se define pela auto identidade de um discurso, pela sua forma especifica de dizer alguma coisa.

 Por isso  um autor não  pode ser um individuo concreto, mas um modo de dizer o mundo.


É assim que a escrita transcende quem escreve: Ela se impõem como jogo objetivo de significados em constante construção e reconstrução simbólica.

PALAVRAS E COTIDIANO

As palavras não são um instrumento  para expressão de nossos estados psicológicos  ou registros de consciência. Elas são a personificação do que somos no plano humano da existência. Elas são um objeto em si mesmo e o dizer não passa da vivencia de seu jogo simbólico/cognitivo.

Nossas vidas acontecem através de palavras.  Quanto mais densos e complexos nossos enunciados, mais articulada é nossa própria existência. A pesar disso, a vida cotidiana não é moldada por nossos discursos mais profundos sobre a realidade, mas pelo mais tacanho e superficial dizer das coisas concretas

quarta-feira, 21 de junho de 2017

IMAGINAÇÃO E EXISTÊNCIA

É cada vez menos possível a descrição de nós mesmos como lugar do acontecer da vida. Somos cada vez menos, através da introjeção de certos papeis sociais configurados por determinada época e formatação cultural, promotores de ações e transformações cotidianas da existência comum. Consequentemente, nos descredenciamos como sujeitos produtores de nós mesmos e nos reduzimos a consumidores de imagens impessoais que se replicam em variadas formatações  na circulação de ideias, emoções e angustias, através de todas as formas de mídia e narrativas. Nos tornamos receptores e reprodutores de imagens-sentido. 

UM LIVRO

Um livro é um objeto que quase nunca se resume aos seus próprios enunciados. Ostenta o nome do autor, a relevância do tema e as inquietudes do leitor. Muitas vezes diz menos do que  promete e se esconde em suas próprias paginas.

Um livro nunca é apenas um livro quando prova o sabor de diversas edições. Ganha, assim, sua própria historia, inventando memorias nas estantes e enfeitando nossas imaginações.

Mas um livro só vale a pena quando mais do que uma boa leitura acorda novas palavras na cabeça da gente, perpetuando-se como um texto .

Um livro, entretanto, também pode ser um objeto mudo.


terça-feira, 20 de junho de 2017

BOA LEMBRANÇA

Do ontem ficou um pouco,
Um gosto de sonho perdido
Que me inquieta
As margens do agora e sempre.

Fui preenchido por um bom momento,
Por um sopro, um movimento,
De existência intensa
Que não cabe no abismo
Da simples rotina.
Estar vivo é surpreender-se.


NOTA SOBRE O TEMPO PRESENTE

O tempo de agora é puro devir em sua enganosa regularidade. Posso senti-lo escapando, se transmutando em constantes variações de si mesmo. Paradoxalmente ele é constante, através do passado e do futuro.

Talvez o presente não passe de um tempo verbal, do ato e do fato em estado bruto, sempre se perdendo ou nos escapando na dissolução do absoluto de cada instante.


domingo, 18 de junho de 2017

NA CONTRA MÃO DA MULTIDÃO

" Um dos traços do Escravo é seu desejo de conformidade, sua vontade de estar ao lado do numeroso, da massa e dos grupos. Sozinho, ele está perdido. Ele quer o calor animal dos discípulos, os vapores da concentração e do espírito gregário. O mimetismo, eis sua qualidade essencial. Quando o hiperboriano evolui na mais franca das altitudes, o homem das multidões apodrece nos buracos da unidimensionalidade."

Michel Onfray in A sabedoria Trágica: Sobre o bom uso de Nietzsche

Aquele que anda sempre entre muitos não sabe distinguir a própria voz do coro da multidão. Nem mesmo conhece seu destino e as vontades do próprio coração.

Aquele que anda sempre entre muitos é puro  mimetismo.  Esta entre todos porque é ninguém. Vive significando o mundo sem tocar o não sentido da sua própria existência.

Apenas no abrigo da solidão pode alguém, dialogando com a própria sombra, vislumbrar o abismo de seus dias e a plenitude da ilusão de sua existência.