segunda-feira, 2 de abril de 2012

DESENRAIZAMENTO E NOMADISMO NA CULTURA CONTEMPORÂNEA

A cultura contemporânea tem como um de seus mais acentuados traços certa tendência ao “nomadismo”, expressão que aqui nada tem a ver com a pratica arcaica de sociedades primitivas europeias de coletores-caçadores, cuja busca de alimento condicionava a um deslocamento constante . Entendo por nomadismo uma condição cultural que se confunde com aquilo que Hannah Harendt em suas ORIGENS DO TOTALISMO e na CONDIÇÃO HUMANA definiu como um desenraizamento ou alienação dos homens com relação ao mundo vivido.

Desconsiderando as reflexões da autora sobre o significado de tal desenraizamento na esfera pública, quero chamar atenção para suas implicações sobre a vida privada, sobre o micro universo da experiência individual.

É justamente por isso que proponho aqui uma livre utilização do conceito de “nômade”. Sua pertinência reside no fato de que, em certas tendências do ethos que define a contemporaneidade, já não habitamos confortavelmente personas, nem se mostra muito eficiente o artificio social de qualquer identidade coletiva ou papel social. As próprias paisagens cotidianamente vividas já não nos habitam ou nos conferem uma satisfatório abrigo a existência.

Estamos todos hoje cada vez menos comprometidos com qualquer suposta “objetividade” do real, cada vez mais mergulhados no hibridismo de conceitos, mundos e experiências. O que Harendt percebia como “desenraizamento” , como um deslocamento ou alienação do mundo do campo da experiência cotidiana, revela-se a luz do nosso mais imediato agora, como um novo modo de se “estar no mundo”, um “mundo” que já não tem limites, que é cada vez mais virtualmente definido pelas metáforas e metamorfoses de seus símbolos e signos, pela inflação dos significados... Um mundo onde “desenraizar-se” é pertencer a tudo e a nada como efêmera presença.

sexta-feira, 30 de março de 2012

VIRTUAL FUTURO


Habitarei palavras
Ao sabor
De cada instante
Que me consome
Em ansiedades
E pensamentos
De futuros
Que jamais se farão
Presentes.

Sei que viver é um ato
Virtual e provisório
Que nos transcende
No acontecer das coisas
Através da gente...

quinta-feira, 29 de março de 2012

PUER AETERNUS


Estamos  todos
Um pouco
Cada vez
 Mais velhos,
Cada vez mais outros
De nós mesmos.
Entretanto,
Se nos transforma o corpo,
Cada vez mais jovem
E inquieto
Me transforma o pensamento...

quarta-feira, 28 de março de 2012

PARA ALÉM DOS ANOS E DIAS DO CALENDÁRIO

Estamos todos
Exatamente agora
Compartilhando
Um mesmo horário
E dia de calendário...
Mas quão diversa é a experiência
Das horas pessoalmente vividas
Dentro de cada um de nós!

No mais domestico plano
Dos acontecimentos cotidianos
Cada um  vive seu próprio
E biográfico tempo
Contrariando o calendário
E a métrica dos anos.

O dia de hoje
Não foi ,
Em poucas palavras,
o mesmo
Para qualquer um de nós...

ALIENAÇÃO REDENTORA


Tudo que me acontece agora
Aqui dentro da sala
Pouco iluminada
Em janela fechada
É escutar o suave som da chuva
Caindo lá fora
Como se a noite simplesmente
Não existisse nos atos gratuitos
Das coisas
Em que o mais concreto e elementar da vida
Fere a realidade no radical da matéria
Vestindo de sonho
O mais elementar dos atos...

IMPESSOALIDADE

As pessoas seguem



Aleatoriamente


Em todas as direções


No fosco da multidão.






Cada um carrega em silêncio


Seu próprio destino


Na trama universal da condição humana,


Sua incomunicabilidade,


Seu mais intimo sentimento das coisas


E do caos


Sem perceber o quanto


Em sua máxima singularidade


Realiza apenas o mais elementar


E comum do humano...

quinta-feira, 22 de março de 2012

NOTA SOBRE MENTE, CORPO E CONDIÇÃO HUMANA

É bastante usual atribuir-se a mente a condição de "essência” da condição humana. Mas o que exatamente entendemos por mente é algo ainda bastante nebuloso.

De um modo geral, poder-se-ia definir a mente como o conjunto de funções superiores do cérebro humano, o que remete a nossa capacidade de reflexão e consciência das coisas. Mente torna-se, assim, quase um sinônimo para pensamento.

Faço questão de frisar que a superposição entre atividade mental e atividade cerebral, contrariando o antigo dualismo de inspiração religiosa que deduzia do conceito de mente a noção abstrata de “alma”, parece-me hoje uma premissa elementar para qualquer debate minimamente relevante sobre a natureza daquilo de nomeamos “mente”.

Deve-se também ser descartada certa exagerada valorização do “subjetivo” ou do papel da consciência do eu na definição dos processos mentais.

Afinal, mesmo que de modo ainda inconclusivo, as descobertas neuro cientificas apontam cada vez mais para a complexa e dinâmica arquitetura cerebral como o lugar da mente; lugar este cujo conhecimento ainda é, de modo muito desconcertante, parcial. O que não invalida o fato de que nada nos indica a possibilidade de buscar a mente em outro lugar (ou em algum descabido não lugar) que contrarie o “bom senso secular”.

O que aqui quero ressaltar, entretanto, são as implicações disso que, se me permitem cunhar a expressão, poderíamos chamar precariamente de uma fundamentação cada vez mais biológica da mente no modo como configuramos a condição humana.

Neste sentido, um processo pouco refletido em si mesmo, mas que bem caracteriza entre outros traços a cultura contemporânea, é a forma como cada vez mais uma consciência da dimensão física, do dinamismo de nossos corpos, influencia a definição de nossa auto imagem, auto consciência e hábitos cotidianos.

A difusão da prática de exercícios físicos e dietas são os sintomas mais superficiais desta tendência cultural que abarca de modo mais amplo um envolvimento maior com nosso corpo integrando-o concreta e simbolicamente a referência do EU de modo radical.



ESTRADA ABERTA

Sei paisagens



Passando por mim


Agora


Enquanto leio


A estrada aberta


Que a lugar algum


Me leva.



Estou em todas


As coisas


De passagem,


Sempre seguindo


Em frente,


Na urgência do sem nome


Do mais intenso sentimento


De vida e liberdade...

terça-feira, 20 de março de 2012

NOTA SOBRE NARRATIVA E INTELECTO

A construção de uma complexa cartografia da “alma” humana, um resgate da experiência em um tempo em que ela se perdeu, ainda é o objetivo de qualquer narrativa possível de mundo. Afinal, mesmo quando a arte de narrar, de articular a existência de um modo significativo, já não ultrapassa a profunda superficialidade do efêmero, a afirmação da Presença, da Imanência humana, pelo seu simples acontecer, ainda ocupa o primeiro plano do pensamento enquanto exercício de autorreflexão do intelecto.


NOTA SOBRE DEVIR E CONTEMPORÂNEIDADE

A contemporaneidade pressupõe uma busca radical da “presencialidade do mundo” através da aposta na intensidade máxima do imediatamente vivido.

Fragmentado e difuso o presente se torna assim o absoluto horizonte “ahistórico” em que agora nos movemos como indivíduos desarticulados na consciência saturada de imagens, em infrações simbólicas, que alimentam ansiedades e inquietações no explorar de todas as variações possíveis de prazer fugaz.

A meta de cada um já não é o outro ou qualquer projeto estável de realização pessoal, mas a mudança pura e simplesmente. Ser contemporâneo de si mesmo é não fixar-se em um “eu constante” de algum modo tendente à rigidez de uma persona social, mas estar aberto a busca aleatória condicionada a uma mudança constante sem ilusões teleológicas.

Em tempos de pós cultura as perguntas só funcionam quando as respostas ficam em silêncio...