Apesar de todas as inovações tecnológicas sofridas pela estética cinematográfica ao longo das últimas décadas, o celebre vagabundo de Charles Chaplin permanece como uma imagem contemporânea e viva no imaginário coletivo.
Mesmo limitado ao preto e branco de seu admirável mundo mudo, ele ainda é capaz de nos comunicar algo, acordar imaginações e afirmar-se ainda como um dos mais populares e mágicos personagens do cinema de todos os tempos.
Lidamos aqui, obviamente, com uma imagem mítica. Humberto Braga em uma conferência sobre quatro mitos definidores da condição humana, coloca o velho Carlitos ao lado de Prometeu, Don Quixote e Fausto enquanto símbolo do ideário de liberdade em variações peculiares do da imagem arquetípica do herói civilizador.
Considero particularmente pertinente aqui a seguinte passagem desta conferência:
“Carlitos, o Vagabundo, é sobretudo um símbolo da liberdade, como bem definiu Otávio de Farias. O vagabundo afirma e preserva sua individualidade ante uma sociedade massificadora, uniformizada, destrutora da individualidade. Ele manifesta insólita e ostensivamente a sua diferença num meio que não tolera os diferentes. Tal como Dom Quixote, é um otimista ingênuo, mas irredutível. Nada o abate, vicissitude ou malogro algum o deprime. Sua luta não se apresenta como beliciosidade ou agressividade, mas numa instintiva e obstinada resistência da qual não tem família consciente, pois não a racionaliza, não a justifica, nem mesmo a verbaliza. Carlitos não tem família, não tem casa, não tem trabalho fixo, não pertence a qualquer classe social, não tem planos, não tem planos, não tem objetivos, não tem ideais, não tem ambições, não tem religião, não tem passado e não tem futuro, mas ama alegremente a vida e, se não quer mudar o mundo, tampouco se deixa subjugar por ele, apesar de sua aparente fragilidade. Como os mitos anteriores, também não está limitado pela visão da “possibilidade”
(Humberto Braga. Quatro grandes mitos humanos. In Mitos e Arquétipos do homem contemporâneo. Walter Boechat (org.) Petrópolis: Vozes, 1995, pg.16-17)