terça-feira, 22 de setembro de 2009

O MITO DE CARLITOS, O VAGABUNDO....

Apesar de todas as inovações tecnológicas sofridas pela estética cinematográfica ao longo das últimas décadas, o celebre vagabundo de Charles Chaplin permanece como uma imagem contemporânea e viva no imaginário coletivo.
Mesmo limitado ao preto e branco de seu admirável mundo mudo, ele ainda é capaz de nos comunicar algo, acordar imaginações e afirmar-se ainda como um dos mais populares e mágicos personagens do cinema de todos os tempos.
Lidamos aqui, obviamente, com uma imagem mítica. Humberto Braga em uma conferência sobre quatro mitos definidores da condição humana, coloca o velho Carlitos ao lado de Prometeu, Don Quixote e Fausto enquanto símbolo do ideário de liberdade em variações peculiares do da imagem arquetípica do herói civilizador.
Considero particularmente pertinente aqui a seguinte passagem desta conferência:

“Carlitos, o Vagabundo, é sobretudo um símbolo da liberdade, como bem definiu Otávio de Farias. O vagabundo afirma e preserva sua individualidade ante uma sociedade massificadora, uniformizada, destrutora da individualidade. Ele manifesta insólita e ostensivamente a sua diferença num meio que não tolera os diferentes. Tal como Dom Quixote, é um otimista ingênuo, mas irredutível. Nada o abate, vicissitude ou malogro algum o deprime. Sua luta não se apresenta como beliciosidade ou agressividade, mas numa instintiva e obstinada resistência da qual não tem família consciente, pois não a racionaliza, não a justifica, nem mesmo a verbaliza. Carlitos não tem família, não tem casa, não tem trabalho fixo, não pertence a qualquer classe social, não tem planos, não tem planos, não tem objetivos, não tem ideais, não tem ambições, não tem religião, não tem passado e não tem futuro, mas ama alegremente a vida e, se não quer mudar o mundo, tampouco se deixa subjugar por ele, apesar de sua aparente fragilidade. Como os mitos anteriores, também não está limitado pela visão da “possibilidade”



(Humberto Braga. Quatro grandes mitos humanos. In Mitos e Arquétipos do homem contemporâneo. Walter Boechat (org.) Petrópolis: Vozes, 1995, pg.16-17)


INTENTIONS OF NIGHT...

Devora-me a urgência

Dos compromissos diários...
Enquanto imaginações
Freqüentam o sol poente.

Bastaria -me agora
A paz de um jardim inglês
Em manhã de branda chuva
E serena esperança.


Não quero mais que a calma
Do silêncio que me fala
No passar e passear do vento
Encantando ruas, luas
E sonhos....

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

A INTIMIDADE DE UMA PRÉ-MANHÃ...

Deito sobre o silêncio

Que antecede o amanhecer
Sem expectativas
Para o dia que se anuncia.
Apenas me contemplo,
Em segredo de mim mesmo,
Disperso na paisagem
Do acontecer humano.
Deixo-me abandonado
Aos fatos,
Calado e abstrato,
No lugar nenhum
De reflexões e pensamentos
Íntimos...

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

SOBRE O INDETERMINADO DO TEMPO PRESENTE


O tempo presente é, em indeterminados sentidos e sentimentos, algo que não cabe em qualquer conceito possível, um aprendizado da indeterminação do real. Talvez, o melhor modo de dizê-lo é a afirmação de que, em relação a ele, não cabem definições, apenas descrições do imediato e instantâneo ato de viver em palavras e imagens em dialéticas confusões...

O contemporâneo pressupõe uma identidade tão profunda entre pensamento e vida que a esvazia de todo sentido abstrato ou metafísico...

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

KISS


Olho nos olhos

Da noite
Procurando no escuro
O brilho de um rosto
Que se perdeu em meu disperso olhar.

Talvez eu nunca o reencontre.
Talvez ele nem tenha de fato
Existido...
Mas guardo nítido seu gosto
E a vontade de me fazer parte
De sua paisagem
Através do mundo contido
Na aventura de um beijo....

UM FRAGMENTO DE LUDWIG WITGENSTEIN...

“ A arbitrariedade das expressões lingüísticas.Seria possível dizer: uma criança tem naturalmente de aprender a falar uma língua particular mas não tem de aprender a pensar, isto é, ela pensaria espontaneamente, mesmo sem aprender nenhuma língua?
Mas, a meu ver, se ela pensar, então ela forma para si figurações e, em certo sentido, estas são arbitrárias, isto é, na medida em que outras figurações poderiam ter desempenhado o mesmo papel. Por outro lado, a linguagem sem duvida surgiu naturalmente, ou seja, é de presumir que tenha havido um primeiro homem que, pela primeira vez, exprimiu em pensamento definido em palavras faladas. E, além disso, toda essa questão tem caráter arbitrário, porque uma criança, ao aprender uma língua, só a aprende ao começar a pensar por meio dessa língua. Começa repentinamente; quero dizer: não há nenhuma etapa preliminar na qual uma criança já usa uma língua, usa-a, por assim dizer, para a comunicação, mas ainda não pensa por meio dela.
O processo de pensamento do homem comum trabalha certamente com uma m,istura de símbolos, dos quais os símbolos propriamente lingüísticos constituem talvez apenas uma pequena parte.”
( Ludwig Witgenstein. Observações Filosóficas. Selecionadas entre seus escritos póstumos por: Rush Rhees. Tradução: Adail Sobral e Maria Stela Gonçalves. SP: Edições Loyola, 2005, p.39 )

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

SOBRE A FILOSOFIA DE WITGENSTEIN II


A filosofia do segundo Wittgenstein pressupõe uma definição “complexa”... Segundo o próprio autor ela personifica a luta contra o enfeitiçamento de nosso entendimento pelos meios de nossa linguagem. Não possui, assim, uma função positiva, ou seja, a elaboração de uma concepção própria da existência ou do universo. Também não aspira a uma teoria da lógica ou da linguagem.
A filosofia, tão somente, coloca as coisas tal como são, não explica ou conclui nada. Assim, desempenha tão somente uma função terapêutica, ou seja, a de livrar os filósofos de seus problemas mediante a tomada de consciência dos seus preconceitos gramaticais.
Trata-se aqui, ao mesmo tempo, de uma retomada da filosofia critica de inspiração kantiana e de uma ruptura com o que convencionalmente se entendeu ao longo de toda tradição filosófica ocidental por filosofia...
Através da percepção de “ jogos de linguagem” Witgenstein tornou possível uma superação do método filosófico clássico assentado em definições, hipóteses, teorias e provas.
De certa maneira, sua filosofia é um sintoma da exaustão da tradição filosófica que se identifica, direta ou indiretamente com a tradição da modernidade e suas meta narrativas. A filosofia proposta pelo segundo Wittgenstein mais se aproxima da expressão artística e da experiência imediata da biográfica e socialmente vivida do que da racionalidade moderna configurada pelo modelo cognitivo das ciências naturais...













SOBRE A FILOSOFIA DE WITIGENSTEIN I


O pensamento de Wittgenstein constitui um dos mais representativos exemplos da nova concepção de filosofia emergente a partir da primeira metade do século XX inspirada pelo pragmatismo.
O desenvolvimento de suas reflexões compreendem duas fases distintas: a primeira representada pelo seu Tractatus Lógico- Philosophicus, originalmente publicado em 1921, e a segunda representada por suas Philosophical Investigations, publicada postumamente em 1953.
Em ambas as fases a preocupação central do autor é a compreensão das estruturas e limites do pensamento através da critica filosófica da linguagem. Mas enquanto o Tractatus nos oferece numa filosofia sistemática da linguagem fundada na análise logica do discurso factual, as Investigações, ao contrário, abandonam a posição segundo a qual a filosofia é uma investigação de um sistema objetivo, passando a compreende-la como uma luta contra a fascinação que certas formas de expressão exercem sobre nós. Assim, as palavras só tem significações na corrente diária do pensamento e da vida através das práticas dos jogos de linguagem.
Nas Investigações, portanto,Wittgenstein ocupa-se dos fundamentos do conhecimento factual de um ponto de vista epistemológico/ ontológico em detrimento do ponto de vista lógico/formal adotado no Tractatus.
Através dos jogos de linguagem o significado torna-se indeterminado, transcende a simples análise da expressão lingüística, diluindo-se nos múltiplos contextos de uso da prática concreta e social da linguagem, suas regras de uso cotidiano.


HUMAN CONDITION





Existimos
No pensar das palavras,
Submersos na diversidade
De imagens que traduzem
Em significados
O ilegível do mundo.
Buscamos atônicos
Migalhas de verdade,
Qualquer mínima certeza,
Ou inequívoco sentimento
De nos mesmos
Na fluida experiência
De todas as coisas
Em atos e pensamentos...
Mas nada
É suficientemente real...



domingo, 13 de setembro de 2009

SHAKESPEARE BY F.E. HALLIDAY


A bibliografia sobre Shakespeare é praticamente infinita, sendo impossível a um não especialista construir um satisfatório panorama dos temas e questões que envolvem o estudo de sua obra e biografia.
Aqueles que como eu fascinam-se com seu teatro e buscam mergulhar em seu universo como humildes diletantes, podem contar apenas com a sorte de esbarrar em algum titulo confiável que lhe sirva de guia em tão difícil empreitada.
Pessoalmente acredito que o volume da coleção “Vidas Literárias” sobre o velho bardo, de autoria de F. E. Halliday, é uma das mais competentes introduções ao complexo universo shakespereareano.
A principal característica deste ensaio biográfico é a sobriedade e rigor da narrativa que equilibra com maestria a experiência do mito, da obra e do homem nos oferecendo um convincente retrato do biografado. Neste sentido, certa passagem do aqui comentado ensaio me é particularmente significativa:
“Embora Shakespeare seja tão fugidio, porque tão multiforme, sempre mudando de um personagem para outro, seu espírito permeia as peças, e nós a lemos não só por sua poesia ou pelos personagens que nelas encontramos, mas pelo homem que ele foi. É isso, mais do que qualquer outra coisa, que as torna tão consoladoras. Nós as lemos por sua amável sabedoria, sua avassaladora e meridiana iluminação da vida, sua alegria e seu espírito, sua sanidade essencial: porque ele era o homem idealmente normal, cujas abrangentes faculdades estavam sempre perfeitamente afinadas e sintonizadas. Lemos Shakespeare porque ele é o homem que todos nós gostaríamos de ter como amigo.”
( F.E. Halliday. Shakespeare/tradução de Bárbara Heliodora. RJ: Jorge Zahar Editor, 1990, p. 120 )