LEMBRANÇAS DE LENNON é a publicação, pela primeira vez na integra da longa entrevista concedida por John Lennon e Yoko Ono em dezembro de 1970 a Jeann S. Wernner para a Revista Rolling Stones. Trata-se da primeira entrevista de John após o conturbado fim dos Beatles. Não é de surpreender, portanto, a entonação por vezes colérica ou ressentida de algumas passagens.
De um modo geral, o texto nos revela um retrato nítido de John Lennon, seus contextos vividos e questões de inicio dos anos 70. A entrevista deve ser lida como a descrição de um momento bastante passional onde Lennon buscava se afirmar contra a sombra dos Beatles; ela não é mais do que isso, a cristalização de um instante biográfico do entrevistado.
Embora tenha sido concebida como estratégia de publicidade para o seu primeiro disco solo então recentemente lançado: JOHN LENNON/PLASTIC ONO BAND, com o passar dos anos esta entrevista converteu-se em um dos mais importantes documentos sobre a separação dos Beatles, mesmo que seja apenas a versão de John ainda sob o calor dos acontecimentos.
O fato é que os Beatles, enquanto personificação radical do mito vivo de toda uma época, é nesta entrevista pela primeira vez dissecado, dessacralizado, dando lugar a uma imagem mais humana e realista da Banda e dos dilemas e dificuldades vividos pelos seus membros ao longo da agitada carreira.
Ao mesmo tempo, quando visitamos este texto neste inicio de milênio, o mais pertinente é o natural questionamento sobre a contemporaneidade de Lennon e seu legado. Pode-se dizer que a luta contra o mito de si mesmo e a afirmação de sua singularidade humana foi a principal lição que ele nos legou através de sua música. Esta busca de uma vida simples e autentica voltada para a contemporaneidade de si mesmo, apesar de todo o caos de mundo que nos rodeia é na verdade um desafio de todos nós e não apenas um desafio de Lennon.
Ao longo da leitura desta entrevista ecoava em meus pensamentos a musica "God" que me parece traduzir o compromisso vital que devemos a nós mesmos ou as potencialidades de nossa individualidade acima das tantas duvidosas e coletivas verdades espalhadas por ai e circunstâncias de social existência...
Em poucas palavras, acho que Lennon contribuiu para manter aquele realismo autêntico e intenso que faz do rock and roll uma realidade viva em nossas vidas...
“ ... O rock’n’roll? Por que é primitivo e não tem embromação... as melhores coisas. E mexe com a pessoa. É a batida. Vá para floresta e eles tem o ritmo, no mundo inteiro. Você leva o som, todo mundo entra junto. Eu li que Malcolm X, Eldridge Cleaver ou sei lá quem disse que, com o rock, os negros permitiram que os brancos de classe média usufluíssem de seu corpo novamente, colocaram o corpo e a mente ali. É mais ou menos isso. Mexe com a pessoa. Comigo, mexeu. De todas as coisas que estavam acontecendo quando eu tinha quinze anos, foi a única que conseguiu mexer comigo. O rock era real. Tudo o mais parecia ilusório. O lance do rock, do bom rock’n’roll- o que quer que “bom” signifique etc., ah-ah, e toda essa merda- é que é real. E o realismo mexe com a gente, quer queira quer não. A pessoa reconhece a autenticidade ali, como em toda a arte de verdade. O que quer que seja a arte, caros leitores.É isso.Se é autêntico, geralmente é simples.E se é simples, verdadeiro. Mais ou menos isso.”
(John Lennon. Lembranças de Lennon. Entrevista de Jann S. Wenner/tradução de Marcio Glilo. SP: Conrad Editora do Brasil, 2001, p. 84-85 )