quarta-feira, 24 de junho de 2009

LITERATURA INGLESA XLV



“Tragado para dentro do som, tragado para dentro do mar, um mar balançante, bum, shhh, bum, shh, buuum... pam, pam, pam, pam, pam, pam, pam, para dentro e para fora, para dentro e para fora, sim, não, sim, não, sim, não. Preto e branco, vindo e indo, fora e dentro, para cima e para fora, para dentro e para fora, sim, não, sim, não, sim, não. Preto e branco, vindo e indo, fora e dentro, para cima e para baixo, não, sim, não, sim, não sim, um, dois, um, dois, um, dois, e o três sou eu, o três sou eu, O TRÊS SOU EU Eu no escuro. Eu no escuro vibrante, agachado, eu agarrado, segurando bem, buuuum, shhh, balançando, balançando, algum lugar por trás do portão, algum lugar diante da porta, e uma luz vermelha-escuro empastada e pressão e dor e depois para FORA numa luz branca e plana onde as formas se movem e as coisas faíscam e reluzem.”


DORIS Lessing. Roteiro para um passeio ao Inferno


A obra de Doris Lessing é demasiadamente extensa e plural em seu modernismo meta realista. Impossível definir seu vasto universo ficcional em poucas palavras. Assim, me parece mais fecundo falar de sua literatura através da eleição de uma obra especifica em lugar de diagnosticar suas diferentes fases e temáticas chaves. Mas não sem antes defini-la como uma da mais profundas vozes femininas do século XX.
Dentre os vários livros que já li desta autora, um que me chama particularmente atenção e visito constantemente é Roteiro para um passeio no inferno. O que há de tão especial nessa delicada e discretamente filosófica brochura literária pode ser intuído na classificação feita pela autora em sua folha de rosto:

Categoria: Ficção do espaço interior. Pois o melhor lugar para onde se ir é para dentro de nós mesmos.”
Trata-se neste romance das desventuras de um indivíduo anônimo encontrado certa madrugada andando a ermo e delirante pelo Embankment, próximo de Wartello Bridge ( Londres).
De inicio nada sabemos sobre sua identidade e acompanhamos curiosos seus longos dias de paciente no Hospital Central de Internamento; seu difícil trato com os médicos, as enfermeiras e outros enfermos, como por exemplo, o impasse com relação a sua submissão ao tratamento com eletro-choques, e, principalmente, seus densos devaneios de desmemoriado onde o mar e seus mistérios, surge como alegoria central do secreto correr da mais individual e pessoal profundeza da condição humana.
Pouco muda descobrirmos em determinado ponto da narrativa que nosso misterioso protagonista chama-se Charles Watkins professor de Línguas Clássicas na Universidade de Cambridge. 50 anos, casado, pai de dois filhos... apesar de sua relutância em lembrar-se de sua própria vida. É possível tomá-lo por um Ulysses contemporâneo cuja odisséia é a recusa à retornar ao lar em prol da aventura de desconcertantes auto descobertas pelos domínios de suas próprias profundezas.
A própria personagem nos sugere isso como, por exemplo, na seguinte passagem onde o contruír-se de uma biografia humana nos é apresentado como uma mera questão de cronometragem :

“- Mas suponhamos que eu me lembre das coisas de que quero lembrar-me? Eles tem certeza de que me lembrarei daquilo que querem que eu recorde. E é muito urgente que eu me lembre, isso eu sei. É tudo uma cronometragem , sabe. Também sei disso. São as estrelas em seus rumos, o tempo e o lugar. Eu estava pensando e pensando... Fiquei deitado , acordado, a noite passada e a outra antes dessa e a outra ainda... eu estava resolvendo alguma coisa. Porque tenho essa sensação de urgência? È conhecida. Não é coisa que eu só tenha desde que perdi a memória. Não. Já a tive antes. Agora acho que sei o que é. E não apenas isso. Há uma porção de coisas em nossa vida de todo o dia que são sombras. Como coincidências, ou sonhos, o tipo de coisas que não se coadunam com a vida comum, está me entendendo Violet?
(...)
- O meu sentido de urgência é muito simples- disse o professor.- Lembrei-me disso, pelo menos. O que preciso recordar tem a ver com o tempo se expirando. E isso é a ansiedade, em muita gente. Elas sabem que tem de fazer alguma coisa, deviam estar fazendo outra coisa, não apenas vivendo o dia a dia, pintando o rosto e decorando suas cavernas e pregando peças maldosas em seus competidores. Não. Sabem que tem de fazer alguma outra coisa antes de morrerem... e assim os hospícios estão cheios e os farmacêuticos prósperos.”

(Doris Lesing. Roteiro para um passeio ao Inferno/traduçãoLuzia Machado da Costa. SP: Record/Atalaya (Coleção Mestres da Literatura Contemporânea), s/d, p.215)

Mas nada disso é suficiente para apresentar esse interessante livro sem mencionar certa passagem do Apenso que acompanha a narrativa. Neste a autora nos fala de sua experiência com um script que certa vez elaborou para um filme que não saiu do papel. Afinal, seu argumento pode ser tomado como o mesmo deste livro:

(...) Blake pergunta:
Como sabes se cada pássaro que corta a
Estrada aérea
Não é um imenso mundo de prazer fechado por seus
Cinco sentidos?

Conhecer muito bem e por muito tempo uma pessoa que sente tudo de modo diferente das pessoas “normais” encerra a mesma pergunta.
O argumento desse filme era a que a percepção e sensibilidade extra do herói ou protagonista devia ser uma desvantagem numa sociedade organizada como a nossa, que favorece os conformados, os medíocres, os obedientes.”

( idem, p. 219)

FREE NIGHT


Estou em fase
De mundo
Em preto e branco
Sem cores e decorado
Por muitas esperas.

Estou em tempos de brumas,
De ermos e caminhos
Sem sentido
Em busca de vontades,
Potências e ventanias
De um ofuscante sol bi-partido
E arrependido de si mesmo...

segunda-feira, 22 de junho de 2009

ON THE ROAD

A margem da rua,
Dentro do meu silêncio,
Percorro o mundo
Mudo e em segredo.

As pessoas são como coisas
Em movimento
Entre objetos e cores,
Carros e prédios.

Tudo existe
Como involuntária imaginação
Na bagunça dos meus pensamentos.

domingo, 21 de junho de 2009

POS MODERNIDADE E SENTIMENTO DE TEMPO

A partir da segunda metade do século XX o “espírito epocal” gradativamente reduziu-se ao misero recorte cronológico de uma década. Não se trata de uma simples aceleração de nossa sensibilidade para realizar ou perceber as mudanças e transformações continuamente em curso nas tantas conjunturas culturais e históricas. O que me parece decisivo é a emergência de um tipo novo de percepção do passar do tempo condicionada a sua fragmentação e a nossa libertação do passado como tradição, o que estabelecia o costume como premissa da organização social do cotidianamente vivido através de ritos e regras que deveriam perpetuar-se indefinidamente no fluxo de gerações . Essa liberdade relativamente recentemente adquirida com relação ao passado nos conduziu a um “presentismo contemporâneo” que parece rearticular nossas representações do passado e do futuro em um continum atemporal de uma pluralidade de estratégias de construção de imanências. Definitivamente não vivemos mais no mesmo mundo de nossos avós ou de nossos pais, nem mesmo no da nossa infância. Ele também, com certeza, não será o de nossa velhice. Tal fenômeno, que levaria ao desespero nossos antepassados, não nos perturba significativamente, pois nos habituamos a um eterno presente ontológico pós histórico onde a novidade é uma regra básica. O novo do sempre igual é o que define nossa contemporânea percepção do passar das coisas, a teleologia do imediato. É impreciso falar de um “fim da história” como se propôs a algumas décadas. Foi a própria idéia de “evolução”, da história como um processo direcionada por metas e objetivos civilizacionais, que felizmente se perdeu na poeira do tempo. Neste ponto, sem sombra de duvida, superamos as ofuscações iluministas.

MUNDO ONIRICO


Sonhos dormem
Sob o leito
De um mar profundo
Quando a noite abraça
A paisagem
Em suave visita
Eles me devolvem
Ao intimo mundo
Que perdi na infância.

Inutilmente procuro ser
Apenas aquilo que sou
Submetido ao susto
De cada manhã.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

POETICA DEFINIÇÃO DA IMANÊNCIA


Minha vontade é correr o mundo em direções múltiplas de discursos desarticulados, perdidos, em palavras e frases de vento; provar o mundo em colorido pensamento de não dizer as coisas, sentindo-as em ativo verbo. Descobrir o nada como o segredo dos significados que nos sustentam verdades provisórias, desvelando o vazio em um riso de imaginação criativa e duradoura da realidade como estética, como sensível idéia inventada em meus atos na realização do corpo em macro e micro fisico movimento.

terça-feira, 16 de junho de 2009

MIRCEA ELIADE E A PROBLEMATICA DO SOGRADO COMO LINGUÁGEM



No prefácio que faz a ORIGENS, uma coletânea de seus ensaios publicada em 1969, Mircea Eliade define a experiência do sagrado não como a fé ou crença em deus, deuses ou adesão emocional a princípios e dogmas metafísicos, mas como a experiência de uma realidade significativa que é a própria condição do homem no mundo, ou ainda, como a uma estrutura inerente a fenomenologia da consciência.
Desta forma, considerando a crise da religiosidade contemporânea, que é em grande parte um desgaste dos modelos religiosos definidos pela tradição, é interessante observar como Eliade que, no conturbado contexto de fins dos anos 60 afirmava simplesmente que,

“... O que eu digo é que num período de crise religiosa não se podem prever as respostas criativas e, como tal, provavelmente irreconhecíveis, dadas a semelhante crise. Além do que não é possível prever as expressões de uma experiência do sagrado potencialmente nova. O ‘homem total” nunca é completamente dessacralizado, e é de duvidar até que tal seja possível. A secularização é altamente bem sucedida ao nível da vida consciente: as velhas idéias teológicas, dogmas, crenças, rituais, instituições, etc. são progressivamente expurgados de sentido. Mas nenhum homem normal vivo pode ser reduzido à sua atividade racional consciente, pois o homem moderno continua a sonhar, a apaixonar-se, a ouvir música, a ir ao teatro, a ver filmes, a ler livros – em resumo, a viver não só em um mundo histórico e natural, mas também num mundo existencial privado e num Universo imaginário. É, em primeiro lugar, o historiador das religiões quem é capaz de reconhecer e decifrar as estruturas e sentidos “religiosos” destes mundos privados ou Universos imaginários.”

( Mircea Eliade. Prefácio in Origens: História e Sentido na Religião / tradução de Tereza Louro Perez. Lisboia: Edições 70, s/d, p.12 )

Cabe complementar tal reflexão com os primeiros parágrafos do citado prefácio onde o autor, ao apresentar seus próprios textos, contrapõe os conceitos de “religião” e “sagrado” de modo realmente interessante e sugestivo:

“ É lamentável não termos a nossa disposição uma palavra mais precisa que ‘religião’ para designar a experiência do sagrado. Este termo traz consigo uma história longa, se bem que culturalmente bastante limitada. Fica a pensar-se como é possível aplicá-lo indiscriminadamente ao Próximo Oriente antigo, ao Judaísmo, ao Cristianismo e ao Islamismo, ou ao Hinduismo, Budismo e Confucionismo bem como aos chamados povos primitivos. Mas talvez seja demasiado tarde para procurar outra palavra e “religião” pode continuar a ser um termo útil desde que não nos esqueçamos de que ela não implica necessariamente a crença em Deus, deuses ou fantasmas, mas que se refere à experiência do sagrado e, consequentemente, se encontra relacionada com as idéias de ser, sentido e verdade.
Com efeito, é difícil imaginar como poderia funcionar a mente humana sem a convicção de que existe algo de irredutivelmente real no mundo, e é impossível imaginar como poderia ter surgido a consciência sem conferir sentido aos impulsos e experiências do Homem. A consciência de um mundo real e com um sentido está intimamente relacionada com a descoberta do sagrado. Através da experiência do sagrado, a mente humana aprendeu a diferença entre aquilo que se revela como real, poderoso, rico e significativo e aquilo que não se revela como tal- isto é, o caótico e perigoso fluxo das coisas, os seus aparecimentos e desaparecimentos fortuitos e sem sentido.”

( Idem p. 9)


Parafraseando Eliade a experiência do sagrado, ao desvelar o ser, o sentido e a verdade no confronto com um mundo desconhecido, caótico e temível, preparou o caminho para o pensamento sistemático. Não é, portanto, de todo inútil nos ocuparmos dele dado que o estudo dos diversos mitos e símbolos construídos ao longo da história da humanidade, nos levam a confrontar e explorar situações existências fundamentais e elementares inerentes a experiência humana em sua linguagem arquétipa e pré-reflexiva.


LOST MEMORY


Já é demasiadamente tarde
Para empilhar passados
Em meus quartos de memória.
Todo o tempo do mundo
Tornou-se silêncio
No exercício de presentes
E existências
Que me sustentam a palavra aberta.

Observo serenamente
O passar das coisas
Adivinhando futuros sonhados
Que o ontem esqueceu...

CRÔNICA RELÂMPAGO LVI


Talvez uma parcela de nossos rotineiros hábitos de existência possa ser classificada, na falta de melhores palavras, como vícios de dia a dia. Refiro-me aquele insignificante conjunto de hábitos e gestos concretos que diariamente reproduzimos irrefletidamente em nossa intimidade e constituem o núcleo de nossas rotinas.
Assistir a um dado programa de TV diariamente, freqüentar determinados lugares públicos ou pessoas, possuir esta ou aquela dieta alimentar e até mesmo usar certas gírias ou expressões vazias para se expressar, convencionalmente, diz muito sobre quem somos. Penso, entretanto, que, longe disso, tais “manias adquiridas” não passam de superficialidade pragmática, independente do quanto somos moldados por elas.
Definitivamente não é como vivemos que define o que há de mais singular em nossa singularidade e individualidade. Nisso só encontramos duvidosas explicações de como nos adaptamos melhor ou pior as experiências vividas ao longo do acumulo de tempo no mundo.É em como gostaríamos de viver que surge nossas potencialidades básicas e bem ou mal realizadas através de nossas escolhas e configurações de existência. Somos sempre um esboço de tudo aquilo que poderíamos ser, um pálido retrato de nossas anciãs, desejos e inclinações mais básicas.
Afinal, quantos sonhos guardamos no bolso enquanto sofremos o peso de nossas personas sociais? O quanto guardamos de nós mesmos ao longo do acontecer da vida?

sábado, 13 de junho de 2009

PRESENT

Tudo passa e se perde
Em um segundo de certeza
Esboçado em pensamento.

O caos e o mundo
Deitam sobre mim
Em um sonho de dias perdidos.

Vivo imanentemente o agora
Mergulhado no efêmero
Do acontecer de um instante.