sábado, 23 de maio de 2009

DA SOCIEDADE PÓS-IDUSTRIAL À PóS-MODERNA


Em Da Sociedade Pós Industrial à Pós Moderna, livro originalmente publicado no Reino Unido em 1995, o professor de Ciência Política e Social Krishan Kumar, da Universidade de Kent/ Inglaterra, realiza uma interessante síntese e balanço teórico das discussões em torno dos conceitos de Modernidade e Pós Modernidade.
Kumar ocupa-se nesse estudo basicamente de três variantes da chamada teoria do Pós Industrialismo em voga durante os anos 70 do último século: a hipótese de uma sociedade da informação, de um Pós Fordismo e de uma Pós Modernidade. Sua analise não busca qualquer parecer conclusivo em torno dessas teorias, mas produzir um provisório balanço critico de seu desenvolvimento a luz do desafio contemporâneo de uma radical releitura das representações e dinâmicas de nosso mundo coletivamente vivido.
No prefácio que faz a sua obra Kumar, muito lucidamente reconhece que, em termos de teoria social, o debate envolvendo a pos modernidade vem se diluindo em um incessante crescimento da literatura em torno de tal teoria em detrimento de seu desenvolvimento e aprofundamento. Sua obra, entretanto, ocupa um lugar peculiar entre a vasta bibliografia critica destinada ao tema na medida em que propõe a servir de guia em meio a verdadeira torre de babel literária que envolve o assunto.
Merece destaque a resposta formulada pelo autor a questão elementar sobre a pertinência ou não de uma Pós Modernidade:

“ ... há um grau inescapável de “reflexão” ou auto conhecimento na pós-modernidade que é inerente à sua condição e às discussões que provoca. Isso significa que terá que haver uma certa hipérbole, que não exige resposta, na pergunta que fizemos no último capítulo: A pós-modernidade realmente existe? A pergunta não pode ser respondida de forma literal. A pós- modernidade é verdadeira na medida em que nos cerca por toda parte. As industrias da cultura, que são hoje fundamentais em muitas sociedades ocidentais , tornaram-na verdadeira através da criação incessante de um ambiente saturado de imagens. A hiper-realidade- a cópia cujo original se perdeu- é o mundo que todos nós habitamos pelo menos durante parte do tempo., O “êxtase da comunicação” no mundo da Internet é uma experiência viva demais, que muito de nós apreciamos, e com a qual sofremos também, tanto em nossa vida de trabalho quanto de lazer,. Cultura não é mais simplesmente um adjunto à atividade séria de ganhar a vida, mas, em grande parte, tornou-se essa atividade. Grande quantidade de pessoas trabalham nas industrias da cultura e, nos seus momentos de folga, também consomem seus produtos.
Mais notável ainda, as próprias industrias da cultura têm se preocupado em grau extraordinário em disseminar o vocabulário, a imagística e os tons emocionais da pós-modernidade. Esse fato inevitavelmente aumenta o elemento de reflexão no fenômeno. Intelectuais e artistas posmodernos regularmente dão o ar de sua graça nas telas de televisão, em programas de debates em fins de noite. Numerosos programas populares de entrevistas e comédias exibem uma ironia zombaria inequivocamente posmodernista. Todo o nosso senso de política e de eficiência política é afetada pelo fluxo ininterrupto de irreverência e ridículo dirigido contra figuras de autoridades e sacrossantas instituições nacionais. Um dos resultados dessa promoção da cultura pósmodernista é que a resposta à pergunta “a posmodernidade existe realmente?” tem de ser em parte baseada em termos criados por essa própria cultura.”

(Krishan Kumar. Da Sociedade Pós- Industrial à Pós- Moderna: Notas sobre o Mundo Comtemporâneo./tradução de Ruy Jungman.RJ: Jorge Zahar Editor, 1997, p.194)

quinta-feira, 21 de maio de 2009

EÓS


A Deusa Aurora
Surge no céu
Em silêncio
Entre Selene e Hélios.

Sua presença é tão
Imprecisa
Quanto o indeterminado
Fazer-se da vida.

Mas acompanhada
De todos os ventos
Ela se deixa
Em meu momento
Inventando o dia.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

J.R.R. TOLKIEN: SOBRE HISTÓRIAS DE FADA


SOBRE HISTÓRIAS DE FADAS de J. R.R. Tolkien (1892-1973) é um livro indispensável a plena compreensão de seu complexo mundo ficcional. Ao discutir a natureza e significados deste gênero literário o autor nos oferece um interessante painel sobre a função e lugar da fantasia no imaginário moderno e contemporâneo que, decisivamente traduz sua própria concepção literária.
Alem do ensaio que lhe da titulo, também compõe a brochura um pequeno conto intitulado FOLHA POR NIGGLE que pode ser interpretado como uma cândida alegoria do processo de criação artística.
De um modo geral, após a leitura dessas duas preciosas peças literárias, originalmente publicadas respectivamente em 1938 e 1947, nos sentimos compelidos a uma consideração mais cuidadosa e menos ingênua da arte narrativa personificada pelo universo das Histórias de fadas a ponto de vislumbrar sua contemporaneidade, sua importância para a experiência de nossa própria condição humana enquanto sofisticado e precioso exercício de imaginação criadora em meio ao nosso caos cotidiano.
A originalidade das formulações de Tolkien pode ser exemplificada pelos seguintes fragmentos onde a articulação entre realidade e fantasia nas histórias de fadas contraria em boa medida o senso comum:

“... E de fato as histórias de fadas tratam em grande parte, ou ( as melhores) principalmente, de coisas simples e fundamentais, intocadas pela Fantasia, mas essas simplicidades tornaram-se mais luminosas pelo seu ambiente. Porque o criador de histórias que se permite “tomar liberdades” com a Natureza pode ser seu amante, não seu escravo. Foi nas histórias de fadas que primeiro pressenti a potência das palavras e o prodígio das coisas, como pedra, madeira, ferro, árvore e grama, casa e fogo, pão e vinho.”


( J.R.R. Tolkien. Sobre História de Fadas/tradução de Ronald Kyrmse. SP: Conrad Editora do Brasil, 2006, p.67)


Falando mais especificamente de uma das várias modalidades de “escapismo” das histórias de fada, Tolkien considera qunto a estrutura de sua narrativa que,

“O consolo das histórias de fadas, a alegria do final feliz, ou mais corretamente da boa catástrofe, da repentina “virada” jubilosa ( porque não há um final verdadeiro em qualquer conto de fadas), essa alegria, que é uma das coisas que as histórias de fadas conseguem produzir supremamente bem, não é essencialmente “escapista” nem “fugitiva”. Em seu ambiente de conto de fadas- ou de outro mundo- ela é uma graça repentina e milagrosa: nunca se pode confiar que ocorra outra vez. Ela não nega a existência da discatástrofe, do pesar e do fracasso: a possibilidade destes é necessária a à alegria da libertação. Ela nega ( em face de muitas evidências, por assim dizer) a derrota final universal, e nessa medida é evangelium, dando um vislumbre fugaz de alegria Alegria além das muralhas do mundo, pungente como o pesar”

( idem. P. 77)

GOOD MORNING!


Mergulho no hoje
Da vida
Despido de futuros
Ou projetos de mundo.

Apenas vivo o momento
antevendo
o segundo seguinte
em provisória adivinhação
do imediato.

Não me importa
O acaso de biografias.

Apenas respiro o sol,
O azul e as cores
Embriagado de dia
Como se não houvesse amanha...

terça-feira, 19 de maio de 2009

META FILOSOFIA

Preciso de um instante
Diante de mim mesmo
Para contemplar meu rosto
No alem das certezas
De cada dia,
Viver intensamente acasos,
Ocasos, desejos e deslocamentos,
Até o mais profundo abraço
De noite e poesia.
No céu aberto de um possível
E certo futuro de sol tardio,
De deslocamento de ego...
Preciso explodir
Como um grito de vida...

domingo, 17 de maio de 2009

ROBERTO MUGGIATI. ROCK: O GRITO E O MITO


Lançado originalmente em 1973 e atualmente esgotada, a obra Rock: O grito e o Mito de Renato Muggiati, apesar de datada em alguns aspectos, permanece sendo uma referência importante para aqueles que se interessam pela história do rock. Cronologicamente ele cobre um período que vai dos primórdios nos anos 50 a inicio dos anos 80 do último século, o que lhe circunscreve a evolução do chamado rock clássico.
A analogia entre Rock e grito feita pelo autor, uma das chaves de leitura de sua pesquisa, é particularmente interessante. Remete, antes de tudo ao significado do rock, enquanto fenômeno cultural surgido em determinado contexto de crise de valores dos EUA no pós II Grande Guerra. Pensando esse momento vinculado ao progresso das mídias eletrônicas, não é surpreendente a possibilidade de paralelos com a relação contemporânea dos jovens e as mídias e linguagens digitais.
Nas palavras do autor:

“... Se a canção popular americana já por volta de 1950 havia perdido sua função social, é preciso lembrar que o blues, concreto e vital, tinha sobrevivido a todas essas mudanças.Ganhando corpo depois da Primeira Guerra Mundial quando a canção popular ou era marcadamente triste, ou alegre e buliçosa, a mistura doce amarga do blues abria uma nova frente musical, que seria trazida até nossos dias pelo rock e pelas modernas formas de blues e soul. O blues olhava o mundo sem ilusões como a coisa complexa que é. Cultivava, por exemplo, uma certa ironia ( “Eu antes te amava,mas,ora, vá para o raio que te parta!”). Segundo LeRoi Jones ( Blues People), o grito e o blues eram acima de tudo afirmações da individualidade do negro. Manifestavam sua consciência de separação do restop da sociedade americana. Também como os negros arrancados bruscamente do seu solo natal, os jovens de metade do século XX se viram de repente sem raízes, jogados numa terra incógnita, cenário novo e ameaçador. Até o começo do século, a tradicional família praticava impunimente a lavagem cerebral dos filhos: o mesmo repertório de informações e valores era transmitido quase intacto de geração a geração. Com o dilúvio de dados provocado pelos novos media- sobretudo os eletrônicos- esses compartimentos estanques de classes e hierarquias foram invadidos e todo mundo se viu bruscamente na situação de naufrago: nadar para sobreviver. Nadar, no caso, equivalia a digerir e manipular convenientemente a massa de informação despejada diariamente pela industria das comunicações. Foi dentro dessas condições que os jovens, para se defender, criaram um campo de informação próprio. Na realidade, o movimento que uns definem como “contracultura”, outros como “revolução cultural”, é formado por muitas dessa nova ideologia e sua colocação em prática será a luta das próximas décadas.”

(Roberto Muggiati. Rock, o Grito e oi Mito: A musica pop como forma de comunicação e contracultura. Petrópolis: Vozes,3° edição, 1981, p.11-12)

REAL

A vida não nos oferece
Mais do que a superfície
De cada momento,
Do que a emoção
Das cores
Em escrita de fantasia
Através de pessoas e coisas...

Há mais realidade
Nos adjetivos
Do que nos substantivos...

“I am mysey but a vile link
Amidlife’s weary chain.”

PERDAS

Eu amo o vazio
Que me leva a duvida;
O absoluto do absurdo
De estar aqui agora
Em palavras e vento
Contemplando o universo.

Eu amo o que passa,
Dentro de mim e no mundo,
E se perde em infinito vazio
Que me desloca,
Me rasga,
Em vontade de presente
E dos outros
Em definitivos silêncios...

sexta-feira, 15 de maio de 2009

ENTRE MATURIDADE E INFÂNCIA


Habitualmente representamos a infância como a era dourada de nossas biografias, como aquele período mágico e lúdico da vida em que freqüentamos um mundo de cores vivas e contraditórias indiscutivelmente alegre; algo a parte do que se convencionou chamar vida adulta ou madura.

Evidentemente, trata-se de uma representação fantasiosa, mesmo que para sustentá-la possamos recorrer a uma série de pueris e caros fragmentos de memória sobre ocasiões de inocente felicidade perdida.

De modo geral, a infância, ao contrário de nossas apropriações subjetivas de adultos, não passa de um período de indefinições, inseguranças, fragilidades e dependências quase ilimitadas que levam as crianças a ansiar o quanto antes a experiência da maturidade social e etária.

Talvez o que nos conduza a fantasiar a infância seja nossa irresponsabilidade e impulsividade reprimida, indomável apesar do império das racionalidades e pseudo maturidades do pactuado mundo das convenções; nossas frustrações e decepções com as complexas dinâmicas da vida adulta.

Crescer, torna-se um individuo etariamente ativo significa quase sempre assumir o desencantamento do mundo e a desfuncionalidade da realidade contra a qual lutamos todos os dias para sobreviver como apêndices de nossas artificiais responsabilidades em meio ao caos onipresente.

LITERATURA INGLESA XLIV


Alice at 80 ou Alice aos 80 do poeta e romancista norte americano David R. Slavitt, é um curioso exercício de imaginação literária. O livro em questão possui como tema central as permanências na idosa Alice Liddell da experiência de infância estabelecidas pelo seu relacionamento com o reverendo Charles Dodgson, mais conhecido pelo seu pseudônimo Lewis Carroll. Cabe esclarecer que Alice Liddell fora a musa inspiradora de sua obra clássica Alice no País das Maravilhas e Alice no Espelho.
Cabe esclarecer que Carroll é polêmico entre os seus biógrafos pelo seu voyeuismo, pelo seu discreto erotismo e curiosa amizade com garotinhas que gostava de fotografar e destinar pequenas missivas. A imaginação de R. S. Slavitt nos permite preencher os vazios deixados por esses heterodoxos relacionamentos.
O ponto de partida da narrativa é a homenagem prestada a Alice Liddell, então com 80 anos, pela universidade de Columbia/ NY, através do diploma de doutora honoris causa em Letras, como parte das comemorações do centenário do autor em 1932. A partir daí fantasia e realidade se misturam construindo uma profunda e fascinante aventura psicológica envolvendo Alice, sua família e o reencontro com outras duas antigas modelos ou amiguinhas mirins de Carroll, como a personificada pelo fragmento que segue:

“... Minha impressão daquele primeiro momento está obscurecida por outros momentos, mas acho que me comportei adequadamente- quero dizer, de acordo com os desejos e necessidades dele. E acho que ele me pôs no chão e voltei para a plataforma. Acho que foi isso. Talvez tenha mandado que eu me vestisse. Seja como for, sei que desapareceu no quarto ao lado, para apanhar outro pedaço de carvão. Ou outro pretexto qualquer. Certamente saiu para se masturbar.
Imagino que fosse isso, baseando-me em experiências posteriores. Para a maioria das meninas que ele convencia a posar para fotografias ou desenhos, acho que era o máximo que fazia- mandar a garota tirar a roupa, beija-la e abraça-la sentando-a no colo, e depois desaparecer no outro quarto. Nada que pudesse provocar grandes distúrbios psicológicos. Algumas delas provavelmente nem percebiam o que estava acontecendo. Eu sabia porque era mais velha do que a maioria das amiguinhas dele e porque tinha tido uma vida diferente. Além disso, tinha consciência das possibilidades, porque minha própria mãe tinha raspado meus pêlos”.

(David R. Slavitt. Alice aos 80/tradução de Aulyde Soares Rodrigues. RJ: Rocco, 1986, p.142-143 )