O longo Século XX foi, entre outras definições possíveis, a Era das Individuações. Dentre os indivíduos singulares gerados por ele, John Lennon ocupa um lugar realmente especial em meio ao labirinto de suas contradições, impasses, ingenuidades, senso de humor ou de liberdade e aposta em alguma possibilidade de desdobramento futuro de seu generoso tempo social e epocal marcado por esperanças radicais de desconstruções e reconstruções do mundo compartilhado a partir da singularidade e originalidade da experiência da individualidade...
Vale à pena resgatar aqui, por tudo isso, um momento especial de sua trajetória subjetiva ocorrido no já distante ano de 1969, lembrado por Lucia Linhares, em um pequeno e despretensioso ensaio biográfico que nos leva a refletir sobre seus dilemas enquanto figura pública, sobre suas recusas e irreverente afirmação de si mesmo conmo sendo apenas um individuo entre os outros e além das projeções que lhe eram coletivamente impostas:
“... No começo de outubro, o New Cinema Club, de Londres, apresentou alguns filmes de John, entre eles uma première: SELF PORTRAIT. Durante 15 minutos vemos o pênis de John e mais nada, a não ser uma ereção em câmera lenta. As interpretações foram muitas: mais uma mostra de seu senso de humor, mais uma agressão à critica, mais uma tentativa de filmar o absurdo... John disse, na época:
“ Eu me recuso a liderar, e vou sempre mostrar meus genitais, ou fazer qualquer coisa que me previna de ser Martin Luther King, ou Ghandhi, e ser morto.” ( One Day a Time)
Numa manhã de novembro John acordou e pediu ao motorista que fosse até a casa de Tia Mimi buscar a medalha da Ordem do Império Britânico que estava em cima do aparelho de televisão. John resolvera colocar em prática uma idéia que há um ano tinha na cabeça; a Inglaterra envolvia-se no Vietnã, no conflito Nigéria e Biafra, e John não estava gostando nada disso. Foram ao escritório e John redigiu uma carta:
“Sua Majestade,
Estou devolvendo a Ordem do Império Britânico em protesto contra o envolvimento da Inglaterra no caso de Biafra-Nigéria, contra o nosso apoio à presença dos EUA no Vietnã e contra a baixa colocação de Cold Turkey nas paradas de sucesso.
Com amor
John Lenon do Saco” ( “of the bag”, uma referência ao “ bagism”)
Poucas pessoas entenderam a piadinha com Cold Turkey. Esta brincadeira não impediu, entretanto que Bertrand Russel admirasse o ato de John e lhe mandasse congratulações.”
(Lucia Villares. Lennon: No céu de diamantes. SP: Brasiliense( coleção Encanto Radical), 1992, p.94-95)
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