terça-feira, 8 de julho de 2008

RASCUNHO DE LEITURA: LED ZEPPELIN E OS ANOS 70


Paul Friedlander, em ROCH AND ROLL: UMA HISTÓRIA SOCIAL, obra já citada nesse blog, nos oferece inúmeros momentos de inspiradores insight sobre o significado simbólico/concreto da experiência deste tão singular e explosivo estilo musical que foi capaz de fomentar uma “cultura e identidade de juventude atemporal” e sustentar a maior e mais profunda “revolução” comportamental já ocorrida em toda a história da humanidade; processo que, diga-se de passagem, permanece ainda em curso e carente de uma reflexão sobre suas mais profundas implicações em nossos corações e mentes.
Neste momento parece-me interessante focar o pensar em sua leitura da transição do rock dos anos 60 para os anos 70 através de um de seus maiores emblemas: a banda Led Zeppelin:

“ O inicio da década de 1970 tornou-se uma época de contradições. Por um lado, houve a institucionalização da moda da contracultura, da aparência, da experiência com drogas e da linguagem. Por outro, havia esforços do governo e do showbusiness para reverter a recente abertura e expressividade política e cultural da época. Em meio a essa confusão, o bombástico hard rock explodiu na esteira da música popular. O Led Zeppelin estava na frente, seguido por uma legião de discípulos fieis. Juntos, eles formavam a terceira explosão do rock, que chamou a atenção dos adolescentes daquele tempo- solidificando uma vertente iniciada pelo por Who, Cream e Hendrix. “Sexo, drogas e rock’ n’ roll!”. Tornou-se o lema e a busca pelo prazer e dinheiro, o objetivo final. Neste momento o art- rock ( rock com pretensões artísticas) e vocalistas-letristas de pop-rock que se juntaram ao heavy metal ( como o rock mais pesado passou a ser chamado) e aos dinossauros do rock, em quanto os anos 70m seguiam em frente.”

(Paul Friedlander. Rock and Roll: Uma História Social. Tradução de A. Costa. 4º ed, RJ: Record, 2006, p.330)

segunda-feira, 7 de julho de 2008

DIA A DIA

Tudo o que busco
É o acontecer intenso
Do mero exercício da vida,
O espreguiçar sereno do dia
No banal e estranho movimento
De ser perene e incerto
Como o vento.
Pois meu tempo não cabe
Na ordem do calendário,
É como um mágico vento
A habitar mil caminhos.

Sou no brilho vivo
Das múltiplas liberdades
Que definem o gosto
de estar
No aqui e agora
Da existência
Sem grandes questões
E mistérios,
Como um esboço
Do meu próprio rosto.

A BUSSOLA DOURADA E O IMAGINARIO CONTEMPORÂNEO


O cinema, enquanto personificação do imaginário coletivo é uma rica fonte de reflexão em torno das inconscientes tendências das imaginações e realidades construídas em nosso cotidiano fazer do ordinário dos fatos e ritmos da vida.
Assim sendo, considero instigante e provocador aqui tecer um breve e superficial comentário sobre dois filmes, aparentemente ingênuos e simplistas.
Refiro-me as Crônicas de Narnya e a Bússola de Ouro que, de modos distintos, parecem atualizar a velha linguagem dos contos de fada em um simbolismo contemporâneo e surpreendentemente imaginativo.
Em ambos os casos, crianças são as protagonistas centrais da narrativa, cujo principal argumento é seu envolvimento com “outros mundos”, com um universo mágico pouco acessível à realidade dos adultos e definida por uma natureza encantada.
Se no imaginário ocidental, na construção de uma vivência e imagem da criança/infância, de muitos modos predominou a imagem da criança divina aprisionada pela mitologia cristã, atualmente vemos emergir representações variantes da infância associadas a um resgate e valorização do universo do fantástico e do “desconhecido” como componentes da própria maturidade psiquica.
Desta forma, as criticas e sanções da igreja de Roma contra o filme A Bússola Dourada lançado no ultimo natal, são compreensíveis, embora não justificáveis dentro da dinâmica de um mundo cada vez mais plural e interrogativo quanto à afirmação universal de qualquer verdade religiosa ou laica.
A bússola de Ouro, é um exercício único de imaginação... Afinal, a partir da realidade de um mundo imaginário onde qualquer versão xamânica de natureza humana nunca se perdeu e as almas humanas são personificadas por “daimons”, por formas animais que nos acompanham, dialogam e protegem, o desconhecido de uma pluralidade de outros mundos e realidades possíveis surge como um desafio aos conservadores guardiões da ordem estabelecida e suas verdades.
Tal fantasia, essencialmente inspirada em uma imagem pagã de natureza, conduz a muitas interrogações... Mas prefiro esperar a previsível continuação desta fascinante aventura cinematográfica para aprofundar minha leitura.

domingo, 6 de julho de 2008

LITERATURA INGLESA XXXI



"Vivemos em um mundo louco onde os contrários se convertem continuamente entre si, os pacifistas se descobrem adorando Hitler, os socialistas tornam-se nacionalistas, os patriotas colaboracionistas, os budistas oram pela vitória do exército japonês, e a Bolsa sobe se os russos preparam a ofensiva".

G. ORWELL, Horizonte, set.1943

Dentre os intelectuais de esquerda do séc XX, George Orwell, pseudônimo de Eric Arthur Blair, (1903-1950) encontra-se entre aqueles que pertencem ao seleto e singular grupo capaz de paradoxalmente despertar sinceras simpatias tanto em partidários da extrema esquerda quanto da extrema direita.
Isso acontece em função da plural repercussão de suas obras mais conhecidas: A Revolução dos Bichos, publicada muito significativamente em 1945 e Nineteen-Eighty-Four (1984), publicado em 1949.
Critico do socialismo real da antiga URSS, tanto quanto do capitalismo e, particularmente, do império britânico, Orwell foi, em radical sentido, um dissidente, um herege político, ou simplesmente, um critico das utopias nos obscuros e maniqueístas anos de laica religiosidade política da guerra fria.
Pessoalmente, creio que uma lúcida avaliação de sua obra transcende em muito a leitura dos dois livros aqui citados, pressupondo pelo menos algum conhecimento de textos como Dias Na Birmânia e A Flor Da Inglaterra...
Nada disso muda o fato de que sua obra, permanecerá em grande parte fatalmente associada a idéia de “distopia”, ou seja, a recusa das utópicas representações perfeitas de mundo inspiradas em algum ideal totalitário de perfeição ou satisfatória funcionalidade da sociedade.
Orwell foi antes de tudo um escritor outsiders em obscuros tempos de ideologias e medos... Um individuo, acima de todo caos da existência e hostilidades da vida em sociedade...

CONTEMPORÂNEIDADE E INDIVIDUALIDADE


A contemporaneidade confunde-se em parte com um trabalho de desconstrução de todas as certezas que nos foram legadas pela tradição ocidental. Religiosidade, verdade, sociedade, ciência ou moral são palavras, por exemplo, que já não guardam significados claros e muito menos confiáveis no exercício do pensamento e construção do mundo através da linguagem e dos atos.
Em outros termos, as formas de coletivização e subjetivização dos indivíduos pressupõe cada vez menos o ajustamento a uma “ordem social” totalizante. De muitas maneiras, os desvios tornaram-se a regra e o mundo já não passa de um lugar incerto e potencialmente perigoso onde a única possibilidade de vida autêntica encontra-se no individuo solitário fechado no esforço, na arte, de construção do seu próprio mundo pessoal e animico.

SENHA


Não sei
o ponto certo
De interseção
Entre o eu e o mundo,
Desconheço a senha
Das minhas realidades
Guardadas
Na fantasia de todo pensamento.

Existo em acaso
Tempo e espaço,
Fluido como a água
Em psicodélicos insights
E vislumbres de céus abertos.

No lento dissolver
De mim mesmo
No acontecer frenético
Do mundo
Tento apenas
Desvelar minha senha.

sexta-feira, 4 de julho de 2008

ENCONTRO URBANO


Guardei seu rosto
No anonimato
Daquele momento
Em que em silêncio
Nos desencontramos
Na via pública.

Nunca saberei seu nome,
Nunca a verei novamente,
Nada tenho a lhe dizer.

Apenas guardei seu rosto
Quase como um testemunho
De tudo aquilo que jamais vivi
Ou perfeita ilusão de sonhos
Jamais sonhados por mim.

FREE AS A BIRD


Liberdade é para mim
O perene exercício
De me desconstruir no mundo
No vago intuir
De tudo aquilo que sou.

Pois nada me prende a nada,
Tudo é fronteira,
Passagem,
No aventurar-me no tempo
Entre as ambigüidades do acaso
E as frágeis realidades
De cada mínimo dia.

Fly as a bird,
Across the time…

Tudo passa na mimese do vento
Que aleatoriamente me sopra
Vida a fora,
Noite a dentro.

terça-feira, 1 de julho de 2008

DIVERSIDADE CULTURAL, HISTORIOGRAFIA E CONTEMPORÂNEIDADE


A coletânea de ensaios do historiador britânico Peter Burke, VARIANTES DE HISTÓRIA CULTURAL, originalmente publicada no Reino Unido e nos Estados Unidos em 1997, é uma referência indispensável não somente para historiadores, mas também para todos aqueles que, de algum modo, refletem sobre as transformações contemporâneas dos usos e significados da cultura.
Especial atenção merece o ensaio Unidade e variedade na História Cultural que, mais do que realizar um balanço historiográfico, analisa as tendências e perspectivas atuais do fenômeno cultural.
A pluralidade, sincretismos e hibridismos culturais atualmente em pauta diante das múltiplas dinâmicas introduzidas pelo fenômeno das globalizações contemporâneas de modo geral lançaram novas luzes sobre a construção da modernidade e sua correspondente e complexa “economia mundo”. Afinal, a experiência da modernidade foi, entre outras coisas, uma experiência de fronteiras, tensões e trocas culturais sem procedentes no mundo ocidental.
Deixando falar o autor:


“... Para retornar a linguagem “tradicional”, os indivíduos talvez tenham acesso a mais de uma tradição e optem por uma em vez de outra segundo a situação, ou se apropriem de elementos de duas para fazer alguma coisa por conta própria. Do ponto de vista “êmico”, o que o historiador precisa examinar é a lógica subjacente a essas apropriações e combinações, os motivos locais dessas opções. Por isso alguns historiadores tem estudado as respostas de indivíduos aos encontros entre culturas, em especial aqueles que mudaram de comportamento- quer os chamados “convertidos”, da perspectiva de sua nova cultura, ou “renegados”, do ponto de vista da antiga. A questão é estudar esses indivíduos- cristãos que viraram mulçumanos no Império Otomano, ou ingleses que viraram índios na América do Norte- como casos extremos e especialmente visíveis de resposta a situação do encontro e concentrar-se nas maneiras como eles reconstituíram suas identidades. As complexidades da situação são bem exemplificadas pelo estudo de um grupo de negros brasileiros, descendentes de escravos, que retornaram a África Ocidental porque a consideravam sua pátria, e descobriram que os habitantes locais os consideravam americanos.”

(Peter Burke. Unidade e Variedade na História Cultural. in Variedades de história cultural./ Tradução de Aldo Porto. RJ, Civilização Brasileira, 2000, p. 264)


No que diz respeito a nossa contemporaneidade cultural Burke acrescenta:

“ .... Retomemos a situação de hoje. Alguns observadores ficam impressionados com a homogeneização da cultura mundial, o “efeito coca-cola”, embora muitas vezes não levem em conta a criatividade da recepção e transposição dos sentidos discutidas antes neste capitulo. Outros vêem mixagem ou ouvem pidgin em toda parte. Alguns acreditam poder discernir uma nova ordem, a “creolização do mundo”. Um dos grandes estudantes da cultura em nosso século Michail Bakhtin, costumava enfatizar o que chamava de “heteroglossario”, em outras palavras, a variedade e conflito de línguas e pontos de vista dos quais, segundo sugeriu, se desenvolveram nossas formas de linguagem e novas formas de literatura ( em particular o Romance).
Retornamos ao problema fundamental de unidade e variedade, não apenas na história cultural, mas na própria cultura. É necessário evitar duas supersimplificações opostas: a visão de cultura homogênea, cega às diferenças e conflitos, e a visão de cultura essencialmente fragmentada, o que deixa de levar em conta os meios pelos quais todos criamos nossas misturas, sincretismos e sínteses individuais ou de grupo. A interação de subculturas as vezes produz uma unidade de opostos aparentes. Feche os olhos e ouça por um momento um sul-africano falando. Não é fácil dizer se o locutor é negro ou branco. Não vale a pena perguntar se as culturas negra e branca na África do Sul compartilham outras características, apesar de seus contrastes, conflitos, graças a séculos de interação?
Para alguém de fora, historiador ou antropólogo, a resposta é sem a menor duvida “sim”. As semelhanças parecem exceder em peso as diferenças. Para os de dentro, contudo, as diferenças talvez sejam mais importantes que as semelhanças. É provável que essa questão sobre diferenças em perspectiva seja válida para muitos encontros culturais . Portanto, deduz-se que uma história cultural centrada em encontros não deve ser escrita segundo um ponto de vista apenas. Nas palavras de Mikhail Bakhtin, essa história tem de ser “polifônica”. Em outras palavras, tem que conter em si mesma várias línguas e pontos de vista, incluindo os vitoriosos e os vencidos, homens e mulheres, os de dentro e os de fora, de contemporâneos e historiadores.”

( Idem, p.266-267)

THE TYGER BY WILLIAM BLAKE




O Tigre é certamente o mais conhecido dentre os poemas de Songs of Experience (1794) de William Blake.
Reproduzo aqui duas diferentes versões dos seus versos para o português a titulo de gratuito prazer... Afinal, certos poemas parecem nos atingir como um raio vestindo elegantemente o pensamento como um sofisticado traje de alma... considero este, definitivamente, um bom exemplo disso...

THE TYGER

Tiger, tiger, burning bright,
In the forest of the night,
What immortal hand or eye
Could frame thy fearful symmetry?



In what distant deeps or skies


Burnt the fire of thine eyes?
On what wings dare he aspire?


What the hand dare seize the fire?



And what shoulder, and what art,
Could twist the sinews of thy heart?
When thy heart began to beat,
What dread hand forged thy dread feet?



What the hammer? What the chain?
In what furnace was thy brain?
What the anvil?
What dread grasp
Dared its deadly terrors clasp?



When the stars threw down their spears
And watered heaven with their tears,
Did He smile his work to see?
Did He who made the lamb make thee?



Tiger, tiger, burning bright,
In the forest of the night,
What immortal hand or eye
Dare frame thy fearful symmetry?


William Blake

Tradução de Vasco Graça Moura, publicada em Laooconte, rimas várias, andamentos graves (Lisboa: Quetzal Editores, 2005).

O TIGRE


tigre, tigre, chama pura
nas brenhas da noite escura,
que olho ou mão imortal cria
tua terrível simetria?

de que abismo ou céu distante
vem tal fogo coruscante?
que asas ousa nesse jogo?
e que mão se atreve ao fogo?

que ombro & arte te armarão
fibra a fibra o coração?
e ao bater ele no que és,
que mão terrível? que pés?

e que martelo? que torno?
e o teu cérebro em que forno?
que bigorna?
que tenaz
pro terror mortal que traz?

quando os astros lançam dardos
e seu choro os céus põem pardos,
vendo a obra ele sorri?
fez o anho e fez-te a ti?

tigre, tigre, chama pura
nas brenhas da noite escura,
que olho ou mão imortal cria
tua terrível simetria?

O TIGRE

Tradução: José Paulo Paes

Tygre, Tygre, viva chama
Que as florestas de noite inflama,
Que olho ou mão imortal podia
Traçar-te a horrível simetria?

Em que abismo ou céu longe ardeu
O fogo dos olhos teus?
Com que asas atreveu ao vôo?
Que mão ousou pegar o fogo?

Que arte & braço pôde então
Torcer-te as fibras do coração?
Quando ele já estava batendo,
Que mão & que pés horrendos?

Que cadeia? que martelo,
Que fornalha teve o teu cérebro?
Que bigorna? que tenaz
Pegou-te os horrores mortais?

Quando os astros alancearam
O céu e em pranto o banharam,
Sorriu ele ao ver seu feito?
Fez-te quem fez o Cordeiro?

Tygre, Tygre, viva chama
Que as florestas da noite inflama,
Que olho ou mão imortal ousaria
Traçar-te a horrível simetria?