quarta-feira, 12 de março de 2008

ROMEU E JULIETA


É controvertido o titulo de primeira tragédia escrita por Shakespeare. Tito Andronico ou Romeu e Julieta? Sem entrar nesta polêmica ocupar-me-ei aqui exclusivamente desta última.
Para inicio de conversa, poucas histórias gozam da mesma popularidade do que a de Romeu e Julieta. Ela povoa o imaginário ocidental de um modo tão profundo que desafia o limite entre ficção e realidade.
Difícil precisar a data em que a tragédia foi escrita. O fato é que sua primeira publicação ocorreu em 1597.
As fontes imediatas utilizadas por Shakspeare para a composição desta obra foram muito provavelmente um poema de Arthur Booke e uma versão da história contida no livro Palace of Pleasure de Paynter. O tema, entretanto, tem suas origens em novelas italianas o que torna compreensível sua ambientação em Verona. Mas foi definitivamente a versão shakespeareana que imortalizou a trágica história de amor entre dois adolescentes pertencentes a famílias rivais.
Romeu e Julieta personifica o ideal do amor romântico encarnado pelos amantes que, transcendendo preconceitos e dificuldades diversas, afirmam a força do seu laço. Apesar do fatal desencontro que lhe sela como tragédia, a historia figura entre as mais sublimes e líricas apologias do amor já concebidas pelo imaginário ocidental. Amor que, contrariando códicos e convenções sociais afirma-se como vivência da subjetividade e da individualidade como referências primais do agir humano.

« uas casas, iguais em dignidade – na formosa Verona vos dirão – reativaram antiga inimizade, manchando mãos fraternas sangue irmão. Do fatal seio desses dois rivais um par nasceu de amantes desditosos, que em sua sepultura o ódio dos pais depuseram, na morte venturosos. Os lances desse amor fadado à morte e a obstinação dos pais sempre exaltados que teve fim naquela triste sorte em duas horas vereis representados. Se emprestardes a tudo ouvido atento, supriremos as faltas a contento. »
(Coro, Prólogo)

terça-feira, 11 de março de 2008

CRÔNICA RELÂMPAGO XXI

Não raramente a vida se apresenta como uma constelação de incertezas e duvidas das mais diversas naturezas e contextos. Nada me parece nessas ocasiões definitivo, satisfatório ou, muito menos, determinado.
A imagem da fumaça de um cigarro que a dissipar-se aleatoriamente no vazio surge como a alegoria perfeita para a definição de todas as coisas que compõe a vida...
Um pouco ausente de tudo tento construir-me como continuidade, como certeza, sem realmente acreditar em qualquer coisa....

LITERATURA INGLESA XXI


“Alguém disse que sou o último americano a viver a tragédia européia”
E. Pound


Quando li pela primeira vez Os Cantos do grande poeta norte americano Ezra Pound ( 1885-1972) fui tomado por certa perplexidade e surpresa. Sua poética não se comparava a qualquer outra que até então eu conhecia. ´De fato, mesmo para um leitor contemporâneo, habituado com inovações lingüísticas, a técnica de composição fundada em colagens de fragmentos que incorporam até mesmo ideogramas chineses e citações em grego afigura-se como surpreendentemente original. Isso para não falar da densidade de seus versos e da experiência ontológica que procuram traduzir.
Na breve introdução que faz para sua tradução da obra aqui comentada, Jose Lino Grünewald assim apresenta esse poeta singular:

“Ezra Pound é- com todas as honras- o maior poeta pagão neste mundo “cristão e ocidental”. Mas não se trata apenas disso. Ele é também o maior poeta “participante” dentro deste mesmo mundo “cristão e ocidental”- o maior poeta anti capitalista. E, nisso, durante diversas parte de Os Cantos, sabe contrapor a naturalidade do comportamento, do estar pagão, à hipocrisia da civilização cristã. Dizia que seria legitimo substituir o Velho Testamento, como texto sagrado, pelas Metamorfoses, de Ovídio. Enfim, em matéria de criar, do fazer, constitui a sua obra um dos lances mais elevados da poesia do século atual.”
(José Lino Grünewald. Introdução in Ezra Pound. Os Cantos. RJ: Nova Fronteira, 1986, p. 12)

Pound inaugurou o modernismo na poesia de língua inglesa tendo participado de dois movimentos vanguardistas: O Imagismo e o Vorticismo. Influenciou autores como James Joyce, T.S. Eliot, Virginia Wolf e William Carlos Williams. Alem de poeta foi musico, ensaísta, teórico e um grande escritor de epistolas. Deixo aqui , na tradução de José Lino Grünewald um de seus Cantos, como exemplo de sua poética singular e, ainda nos dias de hoje, “revolucionária” :

CANTO 1
E pois com a nau no mar,

Assestamos a quilha contra as vagas

E frente ao mar divino içamos vela

No mastro sobre aquela nave escura,

Levamos as ovelhas a bordo e

Nossos corpos também no pranto aflito,

E ventos vindos pela popa nos

Impeliam adiante, velas cheias,

Por artifício de Circe,

A deusa benecomata.

Assim no barco assentados

Cana do leme sacudida em vento

Então com vela tensa, pelo mar

Fomos até o término do dia.

Sol indo ao sono, sombras sobre o oceano

Chegamos aos confins das águas mais profundas.

Até o território cimeriano,

E cidades povoadas envolvidas

Por um denso nevoeiro, inacessível

Ao cintilar dos raios do sol, nem a

O luzir das estrelas estendido,

Nem quando torna o olhar do firmamento

Noite, a mais negra sobre os homens fúnebres.

Refluindo o mar, chegamos ao local

Premeditado por Circe.

Aqui os ritos de Perímedes e Euríloco e

“De espada a cova cubital escavo

Vazamos libações a cada morto,

Primeiro o hidromel, depois o doce

Vinho mais água com farinha branca

E orei pela cabeça dos finados;

Em Ítaca, os melhores touros estéreis

Para imolar, cercada a pira de oferendas,

Um carneiro somente de Tirésias,

Carneiro negro e com guizos.

Sangue escuro escoou dentro do fosso,

Almas vindas do Erebus, mortos cadavéricos,

De noivas, jovens, velhos, que muito penaram;

Úmidas almas de recentes lágrimas,

Meigas moças, muitos homens

Esfolados por lanças cor de bronze,

Desperdício de guerra, e com armas em sangue

Eles em turba em torno de mim, a gritar,

Pálido, reclamei-lhes por mais bestas;

Massacraram os rebanhos, ovelhas sob lanças;

Entornei bálsamos, clamei aos deuses,

Plutão, o forte, e celebrei Prosérpina;

Desembainhada a diminuta espada,

Fiquei para afastar a fúria dos defuntos,

Até que ouvisse Tirésias.

Mas primeiro veio Elpenor, o amigo Elpenor,

Insepulto, jogado em terra extensa.

Membros que abandonamos em casa de Circe,

Sem agasalho ou choro no sepulcro,

Já porque outras labutas nos urgiam.

Triste espírito. E eu gritei em fala rápida:

‘‘Elpenor, como veio a esta praia escura ?

Veio a pé, mais veloz que os marinheiros?”

E ele, taciturno:

Azar e muito vinho. Adormeci

Na morada de Circe ao pé do fogo.

Descendo a escadaria distraído

Desabei sobre a pilastra,

Com o nervo da nuca estraçalhado,

O espírito procurou o Avernus.

Mas, ó Rei, me lembre, eu peço,

E sem agasalho ou choro,

Empilhe minhas armas numa tumba

A beira—mar com esta gravação:

Um homem sem fortuna e com um nome a vir.

E finque o remo que eu rodava entre os amigos

lá, ereto, sobre a tumba.”


Veio Anticléia, a quem eu, repelia,

E então Tirésias tebano,

Levando o seu bastão de ouro, viu —me

E falou primeiro:

“Uma segunda vez? Por quê? homem de maus fados,

Face aos mortos sem sol e este lugar sem gáudio?

Além do fosso! eu vou sorver o sangue

Para a profecia.”

E eu retrocedi,

E ele, vigor sangüíneo: “Odysseus

Deverás retornar por negros mares

Através dos rancores de Netuno,

Todos teus companheiros perderás.

Depois veio Anticléia.

Divus, repouse em paz, digo, Andreas Divus,

In ofiicina Wecheli, 1538, vindo de Homero.

E ele velejou entre Sereias ao

largo e além até Circe.

Venerandam,

Na frase em Creta, e áurea coroa, Afrodite,

Cypri munimenta sortita est, alegre, orichalchi, com dourados

Cintos, faixas nos seios, tu, com pálpebras de ébano

Levando o ramo de ouro de Argicida. Assim:

segunda-feira, 10 de março de 2008

MEDO...

Tenho medo
Do dia seguinte,
Da noite seguinte,
Das dúvidas seguintes,
Dos atos seguintes...
No incerto acaso
Que me faz matéria concreta
No existir do mundo.
Viver, é uma aposta,
Um vício,
Ou descaso de verdades
Que em solavancos e equivocos
Traduzem a presença do mundo
E do medo
Em magico movimnento

alegria e felicidade

O momento da alegria
E a certeza da felicidade
Brigam dentro do dia
No incerto do azul
Que conduz a noite.
Não há palavra
Que me diga
O inequívoco do mundo.
Tudo é duvida,
É ontem e hoje
Em um amanhã que se transforma.
Tudo é provisório estado
De mim mesmo
Em multiplas variações de eu
E liberdade de infinito.

sábado, 8 de março de 2008

O FEMININO E O MISTÉRIO DA CRIAÇÃO


A imagem que mais aproxima da experiência da mulher e do feminino, enquanto configuração simbólica e realidade cultural, da vivência da mulher concreta que nos povoa o dia a dia, é sem duvida a do "milagre" da criação enquanto um atributo essencialmente feminino. È em seu corpo que acontece o segredo da vida e da morte, em que a aventura de cada um de nós pelo mundo tem inicio. Este simples fato é suficiente para justificar a aura de sacralidade e impreciso respeito que paira em torno de sua condição humana.
A mulher encontra-se de muitas formas mais próxima da vivência e ritmos da natureza fisica e psíquica m seu se fazer no mundo. Mesmo que constatemos que não existe qualquer "tipo ideal" de mulher e que o feminino, em sua esência é multiplo e mutável no devir de ciclos e renascimentos.
A ontologia da mulher é, em poucas palavras, um acontecer de fertilidade e criatividade na meta razão da mais profunda experiência e consciência do ser da própria existência.

sexta-feira, 7 de março de 2008

FEMINILIDADE E VIDA

O tecer-se
De cada mulher
Guarda telúricos mistérios
No fazer-se e refazer-se
Plural do feminino.

Nos ciclos e movimentos
Da deusa lua
A vida surge
Como espiral
Reinventando o tempo
No perfume
De um abstrato Eros.

Costuram-se
Coisas, pessoas
E tempos
No mágico exercício
Do ser da feminilidade
Em corpo e alma,
Da fertilidade em carne
E ato.

TERRA MATER


É universalmente difundido o mitologema da Terra Mater ou Tellus Mater, que origina todos os seres vivos e inanimados. Enquanto Genetrix universal , a terra seria uma entidade viva e fecunda e tudo por ela produzido seria a um só tempo orgânico e anímico. Tudo o que encerra em suas entranhas seria comparável a embriões, a seres vivos em vias de “amadurecer”, de crescer e desenvolver-se. Imagem que influência profundamente, por exemplo a simbólica da alquimia ocidental.
Na coletânea de ensaios MITOS, SONHOS E MISTÉRIOS do consagrado historiador das religiões Mircea Eliade podemos encontrar um interessantíssimo ensaio sobre o tema cujo uma passagem gostaria de reproduzir aqui:

“Que os humanos tenham sido gerados pela terra é uma crença universalmente difundida: Só precisamos de folhear alguns livros escritos sobre este assunto, por exemplo “Mutter Erde” de Dietrich, ou “ Kind und Erdre” de Nyberg. Em numerosas línguas, o homem é chamado: “nascido da terra” (Canções russas, mitos dos Lapões e dos Estónios, etc.- Dietrich, pág. 14). Acredita-se que as crianças “vêem” do fundo da Terra, das cavernas, das grutas, das fendas, mas também dos mares, das nascentes, dos ribeiros. Sob a forma de lenda, de superstição ou simplesmente de metáfora, crenças similares sobreviveram ainda na Europa. Cada região e quase cada cidade e aldeia conhece um rochedo ou uma nascente que “traz” as crianças: são Kinderbrunnen, Kinderteiche, Bubenquelen ( Diretrich op cit, págs 19 e segs., 126 e segs)
Evitemos crer que estas superstições e estas metáforas são só explicações para crianças. A realidade é mais complexa. Até entre os Europeus dos nossos dias sobrevive o sentimento obscuro de uma solidariedade mística com a Terra natal. Não se trata de um sentimento profano de amor pela pátria ou pela província natal; não é a admiração pela paisagem familiar ou a veneração dos antepassados, enterrados desde há gerações à volta das igrejas das aldeias. Existe um aspecto diferente: a experiência mística da autoctonia, o sentimento profundo de que se emergiu do solo, que se foi gerado pela Terra da mesma forma que ela fez nascer, com uma fecundidade inesgotável, rochedos, ribeiros, árvores, flores. É neste sentido que se deve compreender a autoctonia: sentimo-nos pertencer à gente da terra, e ai está um sentimento de estrutura cósmica que ultrapassa em muito a solidariedade familiar e ancestral. Sabe-se que em numerosas culturas o pai desempenha um papel apagado: limita-se a legitimar a criança, reconhecê-la. Mater semper certa, pater incertus.
(Mircea Eliade. Mitos Sonhos e Mistérios.Portugal: Edições 70, s/d, p. 140)

quinta-feira, 6 de março de 2008

O PERDIDO DE UM SONHO

Embrulhei um sonho
Com o azul do céu.
Deixei-o ali
Esquecido crescer
No intimo infinito
Dos desejos perdidos.

Procurei saber suas noites,
Sua alma
E a abstrata realidade
De seu encanto.

Abandonei-me
No pensar esse sonho
Até esquecer de mim mesmo
E abandonar rotinas
Em lixeiras de dia.

AS MULHERES NA VIDA DE JUNG


Originalmente publicado na Grã Bretanha em 1990, The Valkyries: The Womem around Jung, aqui traduzido como “As mulheres na vida de Jung” de Maggy Anthony, é um dos livros que, embora escrito por uma não “especialista” fornece uma contribuição interessante a este polêmico e delicado tema. Demasiadamente romanceada em alguns momentos, a narrativa prima pela lucidez e guarda um certo brilho que a torna interessante a quem se interessa pelo universo da psicologia analítica, além da biografia e a obra de seu fundador.
Não é novidade que o arquétipo de Anima e da Grande Mãe, assim como o resgate do feminino, constituem imagens e questões nodais dentro do vasto campo de pesquisa da psicologia analítica. Também não é novidade o papel desempenhado pelas mulheres na institucionalização e difusão das idéias de Jung, bem como em seus relacionamentos íntimos e afetos.
Como ressalta a autora:


“ Uma coisa ficou clara na preparação deste livro: a necessidade de Jung pelas mulheres era recíproca em relação à delas por ele. Mostrei como a relação com a mãe, Emilie Preiswerk Jung, constituiu a base para o relacionamento com as mulheres em geral e aquelas de seu circulo particular: o relacionamento terminou por criar nele uma necessidade vitalícia pela companhia intelectual e criativa das mulheres, que parece ser de tamanho proporcional a seus talentos, e não se tratava apenas do simples desejo da maioria dos homens, de serem admirados pelas mulheres, embora com certeza isso também estivesse presente.
Mesmo em sua experiência de quase-morte, a conexão com as mulheres teve estreita ligação com a sua sobrevivência. No meio da experiência, o médico que o tratava surgiu-lhe flutuando numa visão. O médico fantasma explicou a Jung que não lhe seria permitido morrer porque pelo menos trinta mulheres se achavam abaladas demais com a idéia de que as pudesse deixar, bem como ao seu trabalho.
Jung tinha uma profunda necessidade psíquica, da qual dependiam sua criatividade e a integridade de sua psique. Não foi por acidente que escolheu uma mulher para acompanha-lo em sua jornada às profundezas do próprio inconsciente, e que desse modo tornou-se analista de Carl Jung: Toni Wolff. As mulheres e o inconsciente, para ele, eram sinônimos. Havia dito que os homens opunham uma resistência infantil às mulheres, estavam resistindo ao seu próprio lado inconsciente.”

( Maggy Anthony. As Mulheres na Vida de Jung. Tradução de Constantino Kouzmin Korovaeff, RJ: Record: Rosa dos Ventos, 1998, p 164.)

Do ponto de vista das tantas Valquirias que se uniram criativamente a Jung e viveram suas idéias podemos dizer que :
“... Em cada um dos casos, o relacionamento com Jung possibilitou que conduzissem o desenvolvimento de suas vidas num nível mais profundo, e seus sonhos e visões sustentaram-nas além da morte do homem que as levou a sério pela primeira vez.”

( idem p.184)