terça-feira, 11 de março de 2008

LITERATURA INGLESA XXI


“Alguém disse que sou o último americano a viver a tragédia européia”
E. Pound


Quando li pela primeira vez Os Cantos do grande poeta norte americano Ezra Pound ( 1885-1972) fui tomado por certa perplexidade e surpresa. Sua poética não se comparava a qualquer outra que até então eu conhecia. ´De fato, mesmo para um leitor contemporâneo, habituado com inovações lingüísticas, a técnica de composição fundada em colagens de fragmentos que incorporam até mesmo ideogramas chineses e citações em grego afigura-se como surpreendentemente original. Isso para não falar da densidade de seus versos e da experiência ontológica que procuram traduzir.
Na breve introdução que faz para sua tradução da obra aqui comentada, Jose Lino Grünewald assim apresenta esse poeta singular:

“Ezra Pound é- com todas as honras- o maior poeta pagão neste mundo “cristão e ocidental”. Mas não se trata apenas disso. Ele é também o maior poeta “participante” dentro deste mesmo mundo “cristão e ocidental”- o maior poeta anti capitalista. E, nisso, durante diversas parte de Os Cantos, sabe contrapor a naturalidade do comportamento, do estar pagão, à hipocrisia da civilização cristã. Dizia que seria legitimo substituir o Velho Testamento, como texto sagrado, pelas Metamorfoses, de Ovídio. Enfim, em matéria de criar, do fazer, constitui a sua obra um dos lances mais elevados da poesia do século atual.”
(José Lino Grünewald. Introdução in Ezra Pound. Os Cantos. RJ: Nova Fronteira, 1986, p. 12)

Pound inaugurou o modernismo na poesia de língua inglesa tendo participado de dois movimentos vanguardistas: O Imagismo e o Vorticismo. Influenciou autores como James Joyce, T.S. Eliot, Virginia Wolf e William Carlos Williams. Alem de poeta foi musico, ensaísta, teórico e um grande escritor de epistolas. Deixo aqui , na tradução de José Lino Grünewald um de seus Cantos, como exemplo de sua poética singular e, ainda nos dias de hoje, “revolucionária” :

CANTO 1
E pois com a nau no mar,

Assestamos a quilha contra as vagas

E frente ao mar divino içamos vela

No mastro sobre aquela nave escura,

Levamos as ovelhas a bordo e

Nossos corpos também no pranto aflito,

E ventos vindos pela popa nos

Impeliam adiante, velas cheias,

Por artifício de Circe,

A deusa benecomata.

Assim no barco assentados

Cana do leme sacudida em vento

Então com vela tensa, pelo mar

Fomos até o término do dia.

Sol indo ao sono, sombras sobre o oceano

Chegamos aos confins das águas mais profundas.

Até o território cimeriano,

E cidades povoadas envolvidas

Por um denso nevoeiro, inacessível

Ao cintilar dos raios do sol, nem a

O luzir das estrelas estendido,

Nem quando torna o olhar do firmamento

Noite, a mais negra sobre os homens fúnebres.

Refluindo o mar, chegamos ao local

Premeditado por Circe.

Aqui os ritos de Perímedes e Euríloco e

“De espada a cova cubital escavo

Vazamos libações a cada morto,

Primeiro o hidromel, depois o doce

Vinho mais água com farinha branca

E orei pela cabeça dos finados;

Em Ítaca, os melhores touros estéreis

Para imolar, cercada a pira de oferendas,

Um carneiro somente de Tirésias,

Carneiro negro e com guizos.

Sangue escuro escoou dentro do fosso,

Almas vindas do Erebus, mortos cadavéricos,

De noivas, jovens, velhos, que muito penaram;

Úmidas almas de recentes lágrimas,

Meigas moças, muitos homens

Esfolados por lanças cor de bronze,

Desperdício de guerra, e com armas em sangue

Eles em turba em torno de mim, a gritar,

Pálido, reclamei-lhes por mais bestas;

Massacraram os rebanhos, ovelhas sob lanças;

Entornei bálsamos, clamei aos deuses,

Plutão, o forte, e celebrei Prosérpina;

Desembainhada a diminuta espada,

Fiquei para afastar a fúria dos defuntos,

Até que ouvisse Tirésias.

Mas primeiro veio Elpenor, o amigo Elpenor,

Insepulto, jogado em terra extensa.

Membros que abandonamos em casa de Circe,

Sem agasalho ou choro no sepulcro,

Já porque outras labutas nos urgiam.

Triste espírito. E eu gritei em fala rápida:

‘‘Elpenor, como veio a esta praia escura ?

Veio a pé, mais veloz que os marinheiros?”

E ele, taciturno:

Azar e muito vinho. Adormeci

Na morada de Circe ao pé do fogo.

Descendo a escadaria distraído

Desabei sobre a pilastra,

Com o nervo da nuca estraçalhado,

O espírito procurou o Avernus.

Mas, ó Rei, me lembre, eu peço,

E sem agasalho ou choro,

Empilhe minhas armas numa tumba

A beira—mar com esta gravação:

Um homem sem fortuna e com um nome a vir.

E finque o remo que eu rodava entre os amigos

lá, ereto, sobre a tumba.”


Veio Anticléia, a quem eu, repelia,

E então Tirésias tebano,

Levando o seu bastão de ouro, viu —me

E falou primeiro:

“Uma segunda vez? Por quê? homem de maus fados,

Face aos mortos sem sol e este lugar sem gáudio?

Além do fosso! eu vou sorver o sangue

Para a profecia.”

E eu retrocedi,

E ele, vigor sangüíneo: “Odysseus

Deverás retornar por negros mares

Através dos rancores de Netuno,

Todos teus companheiros perderás.

Depois veio Anticléia.

Divus, repouse em paz, digo, Andreas Divus,

In ofiicina Wecheli, 1538, vindo de Homero.

E ele velejou entre Sereias ao

largo e além até Circe.

Venerandam,

Na frase em Creta, e áurea coroa, Afrodite,

Cypri munimenta sortita est, alegre, orichalchi, com dourados

Cintos, faixas nos seios, tu, com pálpebras de ébano

Levando o ramo de ouro de Argicida. Assim:

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