O livro como receptáculo de
enunciados é predestinado ao envelhecimento, a degradação perpétua. A forma
livro é como um momento que nos aprisionamos em uma fotografia, uma imagem que
se transforma em simulacro, pois um texto acabado é um texto morto. Por isso é inconveniente ficar preso a
impressão de qualquer livro como se sua narrativa fosse atemporal e não um
produto datado e circunstancial destinado sempre a ser desvalorizado pela infração bibliotecária, bibliográfica, e
a critica implacável do devir das épocas. Ao mesmo tempo, o livro é também
ameaçado pela tirania do autor que, muitas vezes, o renega parcial ou
integralmente enquanto ele se degenera em um outro de si mesmo através de
citações e referências.
No breve prefácio que faz a
primeira reedição de sua História da Loucura, suprimindo o prefácio original,
Foucault bem define o simulacro da identidade de um livro:
“... Um livro é produzido, evento
minúsculo, pequeno objeto manejável. A partir dai, é aprisionado num jogo
contínuo de repetições; seus duplos, a sua volta e bem longe dele, formigam;
cada leitura atribui-lhe, por um momento, um corpo impalpável e único;
fragmentos de si próprio circulam como sendo sua totalidade, passando por contê-lo quase todo
e nos quais acontece-lhe, finalmente, encontrar abrigo; os comentários
desdobram-no, outros discursos no qual enfim ele mesmo deve aparecer, confessar
o que se recusou a dizer, libertar-se daquilo que, ruidosamente, fingia ser. A
reedição numa outra época, num outro lugar, ainda é um desses duplos: nem um
completo engodo, nem uma completa identidade consigo mesmo.”
Tal fragmento torna-se mais
significativo quando consideramos o fato de que o primeiro livro publicado por
Foucault, Doença Mental e Personalidade, teve sua reedição proibida pelo
próprio autor a partir de 1966. Pode-se aqui apenas especular sobre as razões
do fato. Mas certamente, tal recusa se explica em função das obras
posteriores do autor, em especial sua
História da Loucura e O Nascimento da
Clinica que reduziram a nada o evento minúsculo do primeiro livro. Afinal, o
que é o momento de um livro dentro do tempo de uma obra?