quinta-feira, 16 de outubro de 2014

O ILEGÍVEL BIOGRÁFICO

Há algum tempo pensei em fazer  uma espécie de folha de balanço da minha vida.

A primeira coisa que constatei foi o fato de que tal narrativa já não mais poderia ser concebida no formato tradicional de um escrito biográfico.

Minha existência apresenta-se tão  desestruturada, fragmentada e descontínua  ao longo dos anos, que seria  artificial  impor-lhe qualquer raciocínio linear, qualquer periodicidade cronológica ou etária, qualquer propósito teleológico.

Não vejo possibilidade de uma avaliação serena e coerente de todas as coisas vividas e sentidas que definiram minha existência ao longo das últimas décadas.

Sei, por exemplo, que nada tenho daquele menino que fui um dia.  Não me reconheço nele. Apenas invejo seu mundo seguro e fechado decorado pelo colorido de sonhos e fantasias.

Também não me reconheço em meus amores perdidos, nas viagens e pequenas glorias do simples cotidiano hoje tão distantes do meu dia a dia. Talvez, eu apenas me veja um pouco em meus grandes amigos que seguiram resolutos seus próprios caminhos e buscas e se perderam do meu mundo.  

A verdade é que meu passado pessoal já não está mais onde deveria estar como abstrata dimensão de identidade e memória.

Todo vivido tornou-se abstrato e incerto.

Nenhum comentário: