terça-feira, 18 de dezembro de 2007

MEMÓRIA E PÓS-MODERNIDADE


SEDUZIDOS PELA MEMÓRIA é o título de uma coletânea de ensaios escritos na última década do séc. XX por Andréa Huyssen, professor de literatura comparada e germânica da Universidade de Colúmbia, New York.
Em seu conjunto estes ensaios buscam dar conta da emergência de novas vivências e experiências mnemônicas típicas da sociedade pós-industrial,” como um dos fenômenos mais significativos da contemporaneidade. Pelo menos, dentre o conjunto de pontos abordados pelo autor este é o que considero aqui relevante.
O que me parece de fato decisivo para uma definição da consciência história contemporânea é o marco, delimitado por Huyssen do surgimento de uma nova sensibilidade mnemônica:

“ Discursos de memória de um novo tipo emergiram pela primeira vez no ocidente depois da década de 1960 no rastro da descolonização e dos novos movimentos sociais em sua busca por histórias alternativas e revisionistas. A procura por outras tradições e pela tradição dos “outros” foi acompanhada por múltiplas declarações de fim: o fim da história, a morte do sujeito, o fim da obra de arte, o fim das metas-narrativas. Tais declarações eram freqüentemente entendidas literalmente, mas, no seu impulso polêmico e na replicação do ethos do vanguardismo, elas apontavam diretamente para a presente recodificação do passado, que se iniciou depois do modernismo.”


(André Huyssen. Seduzidos pela Memória: arquitetura, monumentos, mídia / tradução de Sergio Alcides. RJ: Aeroplano Editora, 2000, p. 10)

Essa recodificação do passado pressupõe uma nova imagem e experiência da temporalidade que se expressa em aspectos múltiplos, desde a musealização dos centros urbanos até uma obsessão ilimitada pelo passado como contrapartida de um medo irracional do esquecimento, um verdadeiro “presentismo” que nivela todas as épocas e imagens históricas.

Huysen, assim diagnóstica a situação:

“... Mas quais são os efeitos desta musealização e como podemos ler essa obsessão pelos vários passados rememorados , esse desejo de articular a memória na pedra ou em qualquer outro material permanente? Hoje, tanto a memória pessoal quanto a cultural são afetadas pela emergência de uma nova estrutura de temporalidade gerada pelo ritmo cada vez mais veloz da vida material, por um lado, e pela aceleração das imagens e das informações da mídia, por outro. A velocidade destrói o espaço e apaga a distância temporal. Em ambos os casos, o mecanismo da percepção psicológica se altera. Quanto mais memória armazenamos em bancos de dados, mas o passado é sugado para órbita do presente, pronto para ser acessado na tela. Um sentido de continuidade histórica ou, no caso, de descontinuidade, ambos dependentes de um antes e um depois, cede lugar a simultaneidade de todos os tempos e espaços prontamente acessíveis pelo presente. A percepção da distância espacial e temporal está se apagando. Mas é evidente que essa simultaneidade, essa presentidade surgida pelo imediatismo das imagens, é em, larga medida imaginária, e cria suas próprias fantasias de onipotência: a troca incessante de canais vista como a estratégia contemporânea de desrealização narcísica. À medida que essa simultaneidade vai abolindo a alteridade entre passado e presente, aqui e ali, ela tende a perder a sua ancoragem na refencialidade, no rea, e o presente sucumbe ao seu poder mágico de simulação e projeção de imagens. Não se pode mais perceber a diferença real, a alteridade real no tempo histórico ou na distância geográfica. No caso mais extremo, os limites entre fato e ficção, realidade e percepção se confundem a ponto de nos deixar apenas com a simulação, e o sujeito pós moderno se dissolve no mundo imaginário da tela. Os perigos resultantes do relativismo e do cinismo têm sido muito debatidos nos últimos anos, mas a fim de ultrapassar tais perigos devemos reconhecer que eles são inerentes aos nossos modos de processar o conhecimento, em vez de simplesmente denunciá-los como se estivéssemos num jogo de intelectuais niilistas. O toque de corneta da verdade objetiva simplesmente não vai dar certo.”
( idem, p. 74)

As ciências Históricas vivem hoje o desafio de assimilar essa nova realidade do imaginário histórico onde realidade e ficção se confundem, onde a própria história ganha um novo sentido na pluralidade de possibilidades e simultaneidades de imagens e experiências justapostas. Em poucas palavras, o que atualmente se esboça é uma nova noção de temporalidade e de fato.

Nenhum comentário: