quinta-feira, 6 de setembro de 2007

PAUL ZUNTHOR: BABEL E O INACABAMENTO




Um dos mais singulares e ricos escritos historiográficos que conheço é certamente Babel e o Inacabamento do historiador medievalista Paul Zunthor.... Esta é sua última obra... aquela onde o poeta ofusca o historiador  em um derradeiro grito  frente ao inacabamento ontológico contra o qual se debate toda escrita da história.

Escrever sobre o mito de babel era um projeto antigo, mas sempre adiado pelo autor  Seu editor Francês, Thierry Marchaisse  em sua nota à edição francesa do livro,  nos fala sobre o signo do inacabamento sob o qual se construiu a narrativa de babel:

“A ideia do meu livro, confiava ele ao seu irmão, Louis Zunthor, durante a última conversa telefônica entre os dois, é um pouco o negativo da eternidade... Decerto que o não acabarei... Bem vistas as coisas, talvez seja melhor assim...” E é legítimo pensar que ele cogitava então ( depois de tantos inacamentos sucessivos e puramente contingentes) nessa outra forma de inacabamento, necessário e essencial, que o seu título anunciava e que ele entendia, aliais, “de maneira dinâmica, processo e não tanto um fim absoluto”. De facto, se o “inacabamento” é o outro nome de Babel, como poderia este livro acabar melhor do que permanentemente inacabado? E é seguramente assim que se deve compreender uma nota não datada redigida no hospital e encontrada após a sua morte ( 11 de janeiro de 1995), a qual indica que, até o fim, ele terá hesitado sobre a última frase deste livro e até mesmo ponderado deixar a outros o cuidado de a completar:
“ Babel
Refazer última frase:
...e esta centelha que aos 80 anos se lançou para ir ter
ao seu próprio foco talvez, o haja falhado por um nadinha.

E em nota, se eu morrer antes da publicação:
P.Z. Morreu no dia...1995.”
(Paul Zunthor. Babel ou o Inacamento: Reflexões sobre o mito de Babel. Tradução de Germiniano Cascais Franco; Lisboa: Editora Bizâncio, 1998; p. 10 et seq. )

O último parágrafo do livro complementa este ultimo fragmento:

“Escrevo isto de todos nós. Num outro teclado, escrevo-o de mim. Eis-me, no momento em que componho estas linhas, chegando aos oitenta anos; a idade, como sói dizer-se, de balanço. Como havia de o fazer? A vida foi demasiadamente longa e demasiado breve; nada ainda me anuncia o fim dela com urgência. E porquê, céus! O “fim”? A cada quebra de ímpeto, voltamos a arrancar; e reanima-se o desejo de ser; de saltar o muro, de correr ao encontro de...quê? É assim que se existe, e que nada jamais de acaba; a própria morte não será decerto outra coisa senão a queda derradeira dessa centelha que, agora, volta de vez ao seu foco.”
(Ibidem; p. 227 et seq. )

A cidade e a torre de Babel servem de alegoria ao malogro do esforço civilizacional, expressam nossa angustia diante do inútil esforço de viver contra o tempo que a tudo devora e diante do qual sucumbimos sempre e de novo no esboço permanente do humano.. 

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