segunda-feira, 15 de outubro de 2018

OLHAR ESTRANGEIRO


Há tantas versões de mim mesmo atravessando o tempo naquele que sou através da composição do olhar estrangeiro, que não arrisco qualquer autodefinição. Existo nesta miragem que se apresenta como representação, que nasce da alteridade, do encontro do eu e do outro, mas que não esgota ou define aquele que sou.

Sou apenas um viajante, um naufrago. Nunca importa onde estou, nem  guardo a meta de qualquer possível destino. Tudo é aleatório e provisório, como o próprio olhar do outro que me define.

O QUE É FOUCAULT?



Afinal, o que é Foucault? Penso que já não nos é possível falar de um individuo historicamente determinado, muito menos de uma obra, livros ou da persona de um determinado autor.

Como sugeriu Deleuze, Foucault se apresenta agora como uma caixa de ferramentas, uma multidão ou, simplesmente, utilizando um de seus conceitos, como um intercessor. Foucault é também um acontecimento e um devir. Ele é o intempestivo, uma provocação que nos atravessa no tempo presente como um relâmpago.

O que nos afeta e agencia é um “dispositivo Foucault”, algo que o ultrapassa como corpo sujeito e como teoria, estabelecendo disibilidades e visibilidades na produção de subjetividades.

Pensar e fazer Foucault, utiliza-lo como caixa de ferramentas, é evitar intimidades e fidelidades, é buscar técnicas de cuidado de si, a marginalidade de uma escrita delinquente e descontinua que sempre desafia os limites do tempo presente.

Mas é claro que o “dispositivo Foucault” possui também suas estratificações e homogeneidades totalizantes, suas lógicas de arquivo, suas especificidades ético políticas, mesmo que predomine suas configurações heterotópicas na produção de contra estratégias de saber poder a partir de uma ética do cuidado.

De modo geral Foucault é uma inquietação, um modo de não ser sempre o mesmo, buscando sempre a dobra do mundo, as vertigens de pensamento, a exterioridade da linguagem. É questionar-se sobre o que ainda pode ser a filosofia depois de Kant, sobre o que estamos nos tornando. Abrigar-se sob seus Ditos & Escritos é sempre pensar a vida como obra de arte.


domingo, 14 de outubro de 2018

SOBRE ESCREVER

Escrever para mim é um exercício delicado de subjetivação, é uma forma de cuidado, uma estratégia de individuação. 

Em tudo aquilo que escrevo, escuto um outro. Talvez  esta seja essencialmente a função da linguagem: inventar o não lugar de si mesmo, produzir um estranhamento, que transcende toda comunicação.

quarta-feira, 10 de outubro de 2018

IMANÊNCIA


Escolher como viver é um privilégio,
Um excesso,
Um quase transbordamento.

É encontrar as palavras que faltam
Para inventar um sentimento,
Para dar forma a um afeto,
Que atravessa a consciência.

Assim se define o corpo como lugar de ser,
Como processo ou movimento da múltipla composição de um querer.

O corpo afetado torna-se imagem e experiência de uma opção que nos escolhe.
Mas o que define quem somos é o ato de viver a deriva
Como composição de multiplicidades,
De interioridades e exterioriedades  famintas.
Tudo se encontra e se desencontra na imanência dos acontecimentos.

sexta-feira, 5 de outubro de 2018

SINGULARIDADE


Todos os dias o mesmo corpo,
O mesmo rosto,
E, ao mesmo tempo,
Sou sempre outro
Através dos outros.
A vida se produz através de relacionamentos.
Somos uns e outros,
Ninguém e todos.
Somos  em  singularidades
A metafisica de uma espécie.


quinta-feira, 4 de outubro de 2018

UM ACONTECIMENTO


Pode ser que aconteça amanhã.
Ou depois de amanhã.
Pode ser também que nunca aconteça.
Mas se foi desejado já, de alguma maneira,
Um acontecimento.
Algo que age, que existe,
Dentro de mim.

NOVOS HISTORIADORES


Segue a vida sem qualquer script.
Mas tudo se improvisa de modo pré estabelecido.
Nossos atos e pensamentos estão circunscritos ao previsível.
Nos limitamos ao sempre possível.
Como poderíamos conceber outra forma de existir?
O mundo é o que é desde quando assim nos ensinaram.
Ser e saber  é o que nos resta apenas onde tudo já está dado.
Somos os inventores do passado,

Os inovadores das tradições.

quarta-feira, 3 de outubro de 2018

INTUIÇÃO E DISTRAÇÃO: UM COMENTÁRIO SOBRE BERGSON




“(...) a inteligência e o instinto acham-se voltados em dois sentidos opostos, aquela para a matéria inerte, este para a vida. (...) a inteligência permanece o núvleo luminoso em torno do qual o instinto, mesmo alargado e depurado como intuição, constitui apenas uma vaga nebulosidade. Mas, na ausência do conhecimento propriamente dito, reservado à pura inteligência, a intuição poderá fazer-nos apreender aquilo para que os dados da inteligência são aqui insuficientes e deixar-nos entrever o meio de os completar.”
Henri Bergson

Para Bergson, a intuição é um caminho ou um método que nos permite apreender a mudança dentro da duração que é a própria vida. O passado engloba o presente e o futuro, é algo continuo como uma corrente fluida. A memória é essencialmente duração e a realidade movente só pode ser apreendida pela intuição em sua totalidade e gratuidade.

Desta forma, a metafisica não esta no âmbito da inteligência ou do conhecimento cientifico, pois não busca a construção platônica de objetos limitados pela analise, busca apreender a realidade como movimento e duração. Para tanto é preciso distrair-se das coisas. O real, afinal, é um dado imediato para o qual criamos conceitos. O conhecimento é um ato de criação, premissa que encontraremos também na obra de Deleuze. Distrair-se das coisas é lidar diretamente com a realidade.



terça-feira, 2 de outubro de 2018

O MUNDO AINDA EXISTE?


Acho que o que realmente perdemos foi à experiência de viver em um mundo comum, em um cosmos regido pelo sentido, como um ecossistema legível, como um grande texto vivo onde sabíamos exatamente a linha em que estávamos.

Foi justamente este sentimento de um entendimento que a todos perpassa e  associa em um único acontecimento mudo e intenso,  o que se perdeu para todos nós.  Agora vivemos do medo do outro, dos acidentes naturais e das incertezas do dia a dia mais rasteiro.

segunda-feira, 1 de outubro de 2018

SER É NÃO SER



O  essencial de cada um é invisível aos outros.
Quem sabe  meu mais profundo sentimento de mundo?
Quem conhece  onde eu  escapo a mim mesmo?
Sou aquele que foge,  que cala e interroga.
Não passo de um desconjuntado amontoado de memorias.
Tenho meu tempo, meus lugares e pessoas.
E isso é o mesmo que viver deserto.
O passado consuma o futuro.
O passado está sempre a diante.
Mas não sei dizer onde estou....