terça-feira, 26 de outubro de 2010

UM CURIOSO FRAGMENTO DE JOHN LOCKE

"Comentários geram comentários, e explicações dão novos motivos para explicações. [... ] Não ocorre com frequência que um homem de capacidade comum entende muito bem um texto ou uma lei que ele lê até que vá consultar um comentarista ou procure conselheiros, os quais, quando tiverem terminado de lhe explicar, fazem as palavras não significar coisa alguma ou significar o que ele desejar?
(...) Hás-de concordar comigo, creio, que não existe coisa alguma em que os homens mais se enganam e desencaminham outros do que na leitura e escrita de livros, [mas] não discutirei se os escritores desencaminham os leitores ou vice-versa: pois parecem ambos dispostos a enganar e ser enganados."

John Locke, in 'Ensaio Sobre o Entendimento Humano' e 'Memorando enviado a John Freke'

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

FREE


TENTO ESCREVER EM CADA DIA
ENTRE OS OUTROS
QUALQUER PALAVRA DE MÁXIMA
LIBERDADE
TRANSMUTANDO VALORES E CERTEZAS
ATÉ GRITAR A EXISTÊNCIA
COMO UM ATO MÁGICO
E IMPRECISO
DE SABER O MUNDO
COMO SELVAGEM AVENTURA
DE MIM MESMO
ENTRE OS OUTROS....

Tommy - I'm Free - Roger Daltrey (The Who)

VIRGINIA WOOLF: CITAÇÃO DE DIARIO




(1920)
Segunda, 25 de Outubro (primeiro dia da hora de Inverno)


"Porque será a vida tão trágica?, tão semelhante a uma pequena faixa de passeio sobre um abismo. Olho para baixo; sinto vertigens; não sei se vou conseguir caminhar até ao fim. Mas porque sentirei eu isto? Agora que o digo já não o sinto. Tenho a lareira acesa, vamos à Beggar’s Opera. Só que isto paira em mim; não posso fechar os olhos a isto. É uma sensação de impotência: a sensação de não estar a realizar nada. Aqui estou eu, em Richmond, e, como uma lanterna no meio de um campo, a minha luz esfuma-se na escuridão. A melancolia diminui à medida que vou escrevendo. Então porque não escrevo eu mais vezes sobre isto? Bom, a vaidade proíbe-mo. Quero ser um êxito até aos meus próprios olhos. Contudo, este não é o fulcro da questão. É que não tenho filhos, vivo afastada dos amigos, não consigo escrever bem, gasto muito dinheiro em comida, envelheço – dou demasiada importância aos quês e porquês; dou demasiada importância a mim mesma. Não gosto que o tempo esmoreça. Se assim é, então trabalha. Pois é, mas o trabalho cansa-me logo – só posso ler um bocadinho, uma hora a escrever e já não posso mais. Ninguém vem para aqui entreter-se um bocado. Se isso acontece, zango-me. Ir a Londres é um esforço enorme. Os filhos da Nessa crescem e não posso tê-los cá para o lanche, nem levá-los ao Jardim Zoológico. O dinheiro para os meus alfinetes não dá para muito. Contudo, tenho a certeza de que estas coisas são triviais: é a própria vida, penso eu por vezes, que é assim tão trágica para esta nossa geração – não há um cabeçalho de jornal que não tenha um grito de agonia de alguém. Esta tarde foi o MeSwiney, e a violência na Irlanda; ou então é uma greve. Há infelicidade em todo o lado; está mesmo atrás da porta; ou há estupidez, o que é pior. Mesmo assim, não consigo arrancar este espinho. Sinto que voltar a escrever o Jacob’s Room me vai fazer recuperar a fibra. Acabei o Evelyn: mas não gosto do que escrevo agora. E apesar de tudo isto como sou feliz – se não fosse esta sensação de haver uma faixa de passeio sobre um abismo."


virgínia woolf
diário primeiro volume 1915-1926
trad. maria josé jorge
bertrand editora
1985

domingo, 24 de outubro de 2010

NOS JARDINS DO NADA



Colhendo as flores
Do nada
Em um jardim de espinhos,
Por um breve momento
Relembro futuros,
Seu rosto quebrado
Em um deserto de céu
Irremediavelmente perdido
E se apagando no tempo
Como se nenhum passado
Houvesse... 
ALONE...

NOVÍSSIMO ENIGMA


Perdido em meus próprios atos
Espalho-me entre as coisas
Que desenham à tarde,
Entre os silêncios
Que povoam meus restos
De destino
Tentando entender a soma
De fatos e sentimentos
Que definem
O instante de agora...

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

PLEASE, KILL ME II

Alguns depoimentos que integram a coletânea Mate-me Por Favor nos permitem vislumbrar o impacto simbólico do modo singular  de se vestir introduzido pela cultura punk no cenário dos anos 70, então dominado pelos hippies.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                       
É o caso do depoimento Mary Harron, ex-escritora de matérias para revista Punk
“Tive discussões terríveis com as pessoas durante todo aquele tempo que fiquei na Inglaterra, com todos os meus velhos amigos. No começo do punk todo mundo pensou- sem dúvida quando o punk inglês começou, e até mesmo o punk americano-, todo mundo pensou que fosse uma coisa horrível  de direita nazi-violenta, racista e contra a todas as boas coisas da vida.
Eu era a favor do punk instintivamente, mas tive que me guiar pelo meu gosto instintivo, por causa dos símbolos.
Levei um tempo pra elaborar isto, porque agora é banal que as pessoas usem símbolos de maneira irônica. Mas na época  hippie, modos de vestir ou símbolos não eram usados ironicamente. Era tipo:”Isso é o que você é; você tem cabelo comprido; você veste isso; você é uma pessoa de paz.” Por isso, se você usava suásticas, você era um názi.
E de repente, sem nenhuma transição, sem ninguém dizer nada, surge um movimento, e estão usando suásticas e não tem a ver com aquilo; é uma roupa e é uma agressão. Tem a ver com alguma coisa completamente diferente- tem a ver com encenação e tática de choque. Meio que percebi isto instintivamente, mas não tive como articular por muito tempo. Só há alguns anos que de fato consegui sentar e escrever uma análise. Mas é isto que fez a coisa ser tão interessante, você não conseguia escrever uma análise, você não sabia que porra estava acontecendo, estava acontecendo muito rápido.”
(Legs McNeil e Gillian McCain; tradução de Lucia Brito. Mate-me Por Favor Volume II. Porto Alegre: L&PM, 2007, p.33)    
Já o seguinte depoimento de legs McNeil, nos fornece uma interessante pista para o impacto sociocultural do surgimento do Punk no início dos anos 70:
“O punk foi assim: isso é novo, isso é agora, dapoteótico, poderoso. Mas não foipolitizado. Quer dizer, talvez isto seja um lance político. O que quero dizer é que o grande lance do Punk foi não ter nenhum compromisso político. Teve a ver com liberdade verdadeira, liberdade pessoal. Teve a ver também com fazer qualquer coisa que ofendesse um adulto. Ser simplesmente tão ofensivo quianto possível. O que pareceu delicioso, simplesmente euforizante. Ser quem a gente realmente era. Adorei aquilo, sabe?
Lembro-me que meu programa noturno favorito era ficar bvêbado e caminhar pelo East Village chutando latas de lixo. A noite, simplesmente. Apenas a noite. Apenas uma questão de esperar que fosse noite de novo. E você pudesse sair, sabe? Parecia simplesmente glorioso. E você ficava cantarolando aquelas canções maravilhosas e qualquer coisa podia acontecer, e geralmente era muito bom. Você pegava alguma mina. Tinha uma aventura. Vivia uma fantasia que nunca tinha vivido antes.”
( idem p.96)