Charles Bukowiski (1920-1994) é
para mim o mais intenso e singular escritor do século XX. Sua literatura não
encontra paralelos e ocupa um lugar solitário na história das formas
literárias. È única e , como nenhuma outra, se faz carne, vida, através de cada
conto ou poema que o autor nos legou. O
eu autoral de Bukowiski é uma persona imperfeita, desconjuntada, que testemunha
os limites do humano, o desencantamento da existência cotidiana, em um mundo que já perdeu o sentido e nos legou o
hedonismo como um fardo.
Neste contexto, escrever é antes
de tudo uma estratégia de sobrevivência, uma forma de suportar o próprio peso.
È mesmo tudo que resta a fazer para não enlouquecer, como diz o titulo que
reúne suas cartas redigidas entre os anos de 1945 e 1993. Através de suas
missivas podemos desnudar uma fecunda
critica ao oficio de escritor e uma reavaliação do papel da literatura.
Em uma carta datada de
27 de março de 1986, destinada a William Packard, encontramos, por
exemplo, a seguinte e inspiradora passagem :
“Escrever é apenas o resultado daquilo
em que nos transformamos dia após dia ao longo dos anos, é uma maldita
impressão digital do eu e é isso ai. E tudo que foi escrito no passado não é
nada; o que é... é apenas a linha seguinte. E quando você não consegue chegar
na linha seguinte não significa que você esta velho, significa que você está
morto.”
(Charles
Bukowiski. Escrever para não enlouquecer. Porto Alegre: L&PM, 2016, p.222)
Para Bukowiki, escrever não era
uma técnica ou algo que se aprende, mas um exercício de si mesmo onde não
existem regras. Em uma outra carta de 16 de fevereiro de 1983, destinada a Loss
Glazier ele é ainda mais explicito neste sentido:
“ Se existem quaisquer bons
escritores , não creio que esses escritores saiam por ai, andem por ai, falem
por ai, por si, pensando ‘Eu sou um escritor’. Eles vivem porque não há nada
mais para fazer. O troço se acumula: os horrores e os não horrores e as
conversações, os pneus furados e os pesadelos, os gritos, as risadas e as
mortes e os longos espaços de zero e
toda essa coisa, isso começa a se totalizar e ai eles olham a máquina de
escrever e se sentam e o troço salta para fora, não há planejamento, apenas
ocorre: se eles ainda têm sorte.”
(idem, p.196)
Não há nada de grandioso ou
fantástico na arte de escrever. Trata-se apenas de um modo de saber o mundo e a
realidade como palavra viva que nos traduz em enunciados. Escrever é apenas uma espécie de muleta para
espíritos mancos. Bons escritores não são pessoas felizes...