Embora possua uma obra bastante extensa e possa ser considerado o pai da moderna prosa norte americana, Herman Melville (1819-1891) é lembrado em todo mundo pela consagração de seu mais impactante e fascinante romance, definitivamente revolucionário para época em que foi publicada, sobre a baleia branca e seu incansável algoz.
Moby Dick possui lugar privilegiado no cânone da literatura universal. Por isso é realmente irritante vê-lo convencional e corriqueiramente classificado como um romance de aventura, dadas suas tantas versões condensadas destinadas ao público infanto-juvenil.
Trata-se, afinal, de uma narrativa épica e complexa cujo grande tema é a própria condição humana e sua teleologia, nossa dramática aventura através do mundo natural que, tomando como parâmetro a imanência como essência do humano, cotidianamente nos confere significado e propósito.
As intermináveis descrições de aventuras e lembranças de sua viagem de três anos pelos mares do sul abordo do baleeiro Pequod, pelo narrador identificado como Ismael, os grandes trechos de não-ficção sobre variados assuntos, desde a caça as baleias à reflexões metafísicas, conferem a obra uma densidade só comparável a de um bom tratado de filosofia.
Não seria, aliais, exagero dizer que no fundo é justamente isto que Moby Dick é, um tratado de ontologia ou teologia... Afinal, a obsessão do capitão Ahab por sua baleia branca é de natureza religiosa no mais radical sentido passível de ser atribuído a tal palavra.
Estamos falando de um trágico confronto entre a razão humana e a razão animal em um combate épico onde o que está em jogo é o significado e conteúdo da própria existência, mas que aos poucos vai revelando apenas a fragilidade de nossas mais arraigadas convicções e valores humanos...
Mob Dick nos lembra o quanto sermos humanos definitivamente não quer dizer absolutamente grande coisa...
Segundo o escritor e tradutor Carlos Heitor Cony na introdução que fez a sua tradução condensada da obra para o português,
“Melville conseguiu impor ao seu romance um significado que transcende ao de simples aventura. Moby Dick é, sobretudo, o Absoluto, o Absurdo, o Infinito, talvez o próprio Deus, que os homens teimosamente tentam apreender e assimilar. A obstinação do capitão Ahab em busca de sua enorme baleia branca tem um patente significado místico e talvez sexual. Sua luta contra o monstro inatingível é a própria busca de um destino que por ser absurdo não deixa de ser profundamente humano. E sua derrota é humana também.”