Publicado originalmente em 1905 pelo amigo Robert Ross, o longo relato epistolar, De Profundis, de Oscar Wilde, um de seus vários textos escritos durante o cárcere, é uma resposta do autor a sociedade conservadora inglesa de sua época, que lhe condenou a dois fatais anos de prisão por atentado a moral vigente devido a sua homossexualidade.
Cada uma de suas partes corresponde às cartas que Wilde escrevia para seu jovem ex-amante, Lord Alfred Douglas, pivô do processo que lhe condenou.
Trata-se de um texto realmente singular na história da literatura inglesa devido a sua melancólica intensidade e simultânea aposta do autor na recuperação póstuma de seu perdido prestigio literário.
Mas trata-se acima de tudo de uma intensa reflexão sobre a condição humana, seus autos e baixos, bem como sobre a natureza da arte...
Segue um interessante fragmento da comentada obra:
“O artista esta sempre buscando um modo de vida, no qual a alma e o corpo sejam uma coisa só, indivisível, em que o exterior seja a expressão do interior e a forma revele tudo. Tais modos existem, e não são poucos, Num determinado momento, a juventude e as artes que se preocupam com a juventude podem nos servir como modelo. Em outros, podemos talvez preferir a idéia de que na sua sutileza e na sensibilidade de suas impressões, na sua sugestão de um espírito que habita as coisas externas e faz de suas vestes de terra e de ar, de bruma e cidade, indistintamente, a moderna arte do paganismo, na mórbida afinidade do seu clima, dos seus tons e cores, realiza para nós, pictoricamente, aquilo que os gregos realizavam com tanta perfeição plástica. A música, na qual o tema é absorvido pela forma de expressão e não pode ser separado dela, é um exemplo complexo- e uma flor ou uma criança são um exemplo simples- do que estou tentando dizer, mas o sofrimento é o exemplo fundamental, tanto na arte quanto na vida.
Por trás das alegrias e do riso pode esconder-se um temperamento grosseiro, áspero e insensível. Mas por trás do sofrimento há sempre mais sofrimento. Diferente do prazer, a dor não usa mascara. A verdade na arte não é a correspondência entre a idéia essencial e a existência acidental, não é a semelhança entre a forma e a imagem, ou entre a forma refletida no espelho e a própria forma em si; não é o grito que ecoa no vale entre as montanhas, nem o poço de águas prateadas que refletem a imagem da lua para a lua, ou a imagem de Narciso para Narciso. A verdade na arte é a união da coisa com ela mesma, o exterior tornando-se expressão do interior, a alma revestida de forma humana, o corpo e seus instintos unidos ao espírito. Por essa razão, não há verdade que se compare ao sofrimento. Há momentos em que esta me parece ser a única verdade. Outras coisas podem ser ilusões dos olhos ou do apetite, feitas para cegar um e saciar o outro, mas é o sofrimento que tem construído os mundos, há sempre dor no nascimento de uma criança ou de uma estrela.”
( Oscar Wilde. De Profundis e outros escritos do cárcere/tradução de Julia Tetamanzy e Maria Ângela Saldanha Vieira de Aguiar. Porto Alegre: L&PM Editores, 2002, p. 101-102 )