quarta-feira, 26 de novembro de 2008

DELICADA QUIMERA


Todo tempo é futuro
Entre lutos e urros
No crepúsculo
De passados mudos
E ilusões de pensamento.

È ao por do sol
Que os amanhãs se reinventam
Para nutrir a noite
Embalando alvoradas incertas
Dentro de um tempo entre aberto.

Mudanças são
Como crianças inquietas
Vestidas de esperança
Sobre um céu desperto.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

LITERATURA INGLESA XXXIX


“Os conceitos da vida e do mundo que chamamos "filosóficos" são produto de dois fatores: um, constituído de fatores religiosos e éticos herdados; o outro, pela espécie de investigação que podemos denominar "científica", empregando a palavra em seu sentido mais amplo. Os filósofos, individualmente, têm diferido amplamente quanto às proporções em que esses dois fatores entraram em seu sistema, mas é a presença de ambos que, em certo grau, caracteriza a filosofia.”


Bertrand Russel- A Filosofia entre a religião e a Ciência in História da Filosofia Ocidental


Nascido no País de Gales, o filósofo Bertand Russel (1872-1970) merece sem sombra de duvidas um lugar privilegiado em qualquer panorama da literatura de língua inglesa. Não por acaso recebeu o Nobel de literatura em 1950. Embora consagrado no campo da filosofia pelos seus estudos sobre lógica e matemática, ao lado do amigo Aldous Huxley, Russel foi antes de tudo um grande ensaísta e humanista, um típico intelectual do século XX, ou seja, um escritor profundamente atento aos problemas e desafios do seu tempo e embalado por uma demasiada confiança na racionalidade humana. Fato comprovado por sua militância anti-nuclear em tempos de guerra fria inspirada por sua vivencia da barbárie de duas guerras mundiais.
Pretendo aqui apenas comentar um de seus ensaios ainda hoje mais populares: What I Believe.

Alan Ryan, professor de ciências políticas e diretor do New College da Universidade de Oxford, nos oferece na apresentação que faz a obra a seguinte e esclarecedora contextualização:

“ No que acredito foi inicialmente publicado em uma série de livros muito curtos- os editores os chamavam de “panfletos”- intitulados “Today and Tomorrow” ( Hoje e Amanhã). Eram livrinhos sobre assuntos os mais variados: “o futuro das mulheres, guerra, população, ciência, máquinas, moral, teatro, poesia, arte, musica,sexo, etc.” Dora Russel escreveu Hypatia para defender a libertação das mulheres, e Russell escreveu dois panfletos para série, dos quais No que acredito foi o segundo. Dedalus, de J.B.S. Haldane, havia oferecido uma visão otimista do que a ciência faria pela humanidade no futuro; Hussell replicou com Icarus, para mostrar que o filho de Dédalo, aprendeu a voar, mas não a voar de um modo inteligente. Já que a ciência enquanto fruto da inquirição racional do mundo poderia apenas nos dizer como atingir nossos objetivos, era de se esperar que o mais impressionante resultado do avanço científico seria transformar a guerra em um massacre de proporções globais. Se evitássemos tal destino, nós nos veríamos ou entediados à morte- na medida em que a burocracia em larga escala tomou as rédeas do mundo- ou seriamos transformados nas dóceis criaturas imaginadas no Admirável Mundo Novo de Huxley- livro provavelmente inspirado pelo Icarus de Russel-, geneticamente programadas para desempenhar nossos papéis sociais e alimentadas com drogas que conseguiriam realizar qualquer coisa que a eugenia já não o tivesse.”


( Bertrand Hussell. No que acredito/ tradução de André de Godoy Vieira. Porto Alegre: L&PM Editores, 2007, p. 17-18 )


A critica a religião levada a cabo por Hussel em “No que Acredito” fundamenta-se em uma defesa otimista da racionalidade e do desenvolvimento cientifico, adota uma retórica oposta a do seu Icarus, que chama atenção para as possibilidades sombrias desse mesmo desenvolvimento cientifico. Logo a contraposição entre fé e ciência que aqui aparece como premissa desse ensaio, e também é evidente em outros momentos da vasta obra do autor, como por exemplo, em “A conquista da Felicidade” ou “Ensaios Ceticos”, presupõe algo mais do que um mero antagonismo ou dualismo. Na verdade o que está em jogo é um redimensionamento dos sistemas de crenças humanas a partir de uma constatação do quanto o significado da existência e do próprio mundo, para o bem e para o mal, é uma construção humana. È nesse sentido que em dado momento da obra aqui discutida ele afirma:

“....No mundo dos valores, a natureza em si é neutra- nem boa nem ruim, merecedora nem de admiração nem de censura. Somos nós quem criamos valor, e são nossos desejos que o conferem. Desse império somos reis e de nossa realeza nos tornamos indignos se à natureza nos curvamos. Estabelecer uma vida plena cabe portanto a nós, e não natureza- nem mesmo à natureza personificada como Deus.”

( Bertrand Hussell. No que acredito/ tradução de André de Godoy Vieira. Porto Alegre: L&PM Editores, 2007, p. 41 )

A crença de Russell nas potencialidades humanas e no predomínio de uma orientação racional da existência individual e coletiva revela sua grande e generosa aposta, enquanto pensador e intelectual engajado, em um potencial progresso da vida e da sociedade. Considerando, entretanto, os desafios que se apresentam ao destino humano nesse inicio de milênio, é significativo especular quanto à atualidade do pensamento de Russell no que diz respeito ao seu apego a uma positividade da razão e da racionalidade, mesmo que em sua filosofia a razão subordina-se ao desejo como essência da condição humana. Afinal, até que ponto a transfiguração da razão, o deslocamento de todos os valores e referências construídas pelo espírito moderno, não nos lança hoje a incerta aventura de deslocar o humano do centro do seu próprio mundo, a uma superação positiva de todo o humanismo?

NOW II

O desbotado instante
Desse agora
É menos que nada,
Não possui passado
Ou presente,
Nem vale a pena
A memória.

Lá fora as horas avançam,
Fatos decoram um dia chuvoso
Enquanto segue indiferente o mundo.

Mas pálido e estático
Em qualquer canto de alma
Um sonho dorme e sonha
O abstrato instante
Desse agora...

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

OF A' THE AIRTS THE WIND CAN BLAW...



Direção alguma é segura
No seguir da vida,
Nenhuma certeza é mais confiável
Que um golpe de acaso
Entre os fatos cotidianos.

Todo destino é
meu eu revelado
Entre as ruínas do desconhecido,
Não importa o caminho...

Apenas sigo por ai
Sem direção precisa...
Of a’ the airts the wind can blaw...

Sei a liberdade dos espaços
Abertos em labirintos,
Sei o espelho vazio
Diante do meu próprio rosto.

Of a’ the airts the wind can blaw...

THE FRATELLIS


Fundada em 2005, a banda escocesa The Fratellis, composta pelo trio Jon Fratelli (guitarra/vocais), Barry Fratelli (baixo) e Mince Fratelli (bateria, backing vocals), mesmo tendo lançado até o momento apenas dois albuns Costello Music e Here We Stand , figura no cenário do rock britânico contemporâneo como uma das mais promissoras e criativas bandas surgidas nos últimos anos.
Sua musicalidade transmite descontração e lirismo claramente influenciado por certa leitura dos Beatles, embora possua também uma batida inconfundivelmente pós punk. Em linhas gerais, a leveza de suas melodias e letras despretensiosas nos oferecerem o melhor do velho rock ‘n roll em uma boa roupagem contemporânea. Os mais moralistas podem considerar, obviamente, a temática de suas letras picantes, geralmente eróticas, “depravadas”ou “vazias”. O que, do ponto de vista do Rock, enquanto estilo cultural e movimento social, não tem a minima importância. Eu, particularmente, tomo a tematica de suas letras como irreverente expressão de descreta rebeldia e uma divertida apologia da vida em toda sua intensidade sensualista e concreta.
Dado meu especial carinho por essa banda britânica, sou suspeito para afiançar seu valor e importância. Mas é possível ouvi-la em sua pagina no My space ( http://www.myspace.com/) e melhor conhecê-la através de seu site ( http://www.thefratellis.com/)

CRÔNICA RELÂMPAGO XLI


Estou decididamente entre aqueles que pensam que a conquista da panacéia de um mundo de algum modo melhor ou perfeito seria um verdadeiro desastre, a doentia materialização de qualquer versão de felicidade coletiva arbitrariamente concebida por alguns e imposta a todos em ilusões de universalismos.
Afinal, existem potencialmente tantos mundos perfeitos quanto pessoas no mundo e nenhuma utopia poderia ser uma representação unânime de uma realidade ideal.
A verdade é que não concebo outra dinâmica para o existir coletivo do homem que não passe pela imperfeição e o conflito, onde não existam injustiças, crimes, dramas pessoais, desassossegos de toda natureza e incertezas quanto ao dia seguinte. De outra forma não seriamos humanos, pois se existe algo que possamos definir como humanidade, uma de suas premissas é certamente não se definir pelo primado de virtudes idealizadas ou imperativos categóricos. Não existe, em outros termos, um “bem” ou um “mal” pré determinados entre os quais apenas temos de escolher.
Aliais, fazer escolhas é diferente de dar respostas; essencialmente o que fazemos o tempo todo é formular respostas aos conflitos e problemas cotidianamente vividos a partir dos parcos recursos da consciência, respostas estas que não são pré determinadas, são construções, elaborações que se fazem em nós no calor das emoções, acontecimentos e atos. Quanto mais e melhor somos capazes de lidar com nos mesmos e com os outros, com as desarmonias e conflitos inerentes a existência, menos somos vitimas da ditadura de nossas certezas e sonhos infantis de realidades perfeitas...

PHOTOGRAPHY

Algumas fotografias
São mais que o revelar-se
De um momento capturado,
Dizem mais que a imagem estática,
Prisioneira de eternidades,.
Guardam algo vivo
No dizer de cores,
Rostos e paisagens.

Algumas fotografias
São essencialmente
O próprio tempo presente,
A janela de um AGORA
Do qual nos perdemos
Nas ilusões do tempo.

domingo, 16 de novembro de 2008

C. G. JUNG E A VIDA APÓS A MORTE


A obra epistolar de C. G. Jung não é de forma alguma menos interessante do que seus trabalhos científicos. Pelo contrário, nos permite melhor compreende-los, o que torna justificável a reprodução aqui de uma de suas missivas que aborda especificamente a posição do autor em relação a um tema espinhoso como a vida após a morte... Não temos aqui a posição de um místico, mas do adepto de uma imagem de ciência que transcende o mito da própria ciência através do racional, questionando toda noção de verdade...

“A uma destinatária não identificada
Luxemburgo
30.05.1960


Minha idade avançada e a necessidade de repouso me fazem evitar as muitas visitas e por isso devo limitar-me o quanto possível a respostas por cartas.
Quanto a sua pergunta sobre a vida após depois da morte, posso responder-lhe tão bem por escrito como oralmente. Na verdade, esta pergunta ultrapassa a capacidade da mente humana, que nada sabe dizer que vá alem da mesma. Além disso, qualquer afirmação cientifica é apenas provável. Só é possível formular a pergunta assim: existe alguma probabilidade de a vida continuar após a morte? É fato que- como todos os nossos conceitos- também o tempo e espaço não são axiomas, mas basicamente verdades estatísticas. Evidencia-se assim também que a psique não esta sujeita até certo ponto a estas categorias. Ela é capaz de, por exemplo, de percepções telepáticas e precognitivas. E enquanto isso, ela esta num continuum, fora do espaço e do tempo. Pode-se esperar então que ocorram fenômenos post-mortem que devem ser considerados autênticos. A relativa raridade desses fenômenos sugere em todo caso que as formas de existência dentro e fora do tempo estão de tal forma separadas, que a ultrapassagem desses limites apresenta as maiores dificuldades. Mas isto não impede que paralelamente à existência dentro do tempo corra uma fora do tempo, isto é, que existamos simultaneamente mos dois mundos, tendo as vezes algum pressentimento disso. Mas o que está fora do tempo não pode mudar mais, segundo nossa concepção. Isto tem relativa eternidade.
Talvez a senhora conheça ,meu ensaio “Seele und Tod” no volume Winklichkeit der Seele. Para fundamentação cientifica chamo sua atenção para meu escrito “Sincronicidade: Um principio das conexões acausais” em OC, vol.VIII, p. 437.
Estas são as minhas idéias principais que, oralmente, tembém não exporia de outra maneira.
Com elevada consideração
Sinceramente seu
( C. G. Jung). “

( Cartas de C.G. Jung: Volume III, 1956-1961/ editado por Aniela Jaffé em colaboração com Gerhard Adler; [tradução de Edgar Orth].- Petrópolis: Vozes, 2003, p. 256-257)

O MAIS BANAL E TRANSFORMADOR DA VIDA


Amo o contraste
Entre o azul profundo do céu
E a rua em frenético movimento
De pessoas e coisas
Banhadas por um sol brando
De tarde em morte e serenidade.

Amo o vento macio,
Frio e leve,
Que embala as pequenas sensações
Dos mais simples atos
Dos fatos ordinários de simplesmente viver.


Amos sem sentimento
O ócio profundo
Que foge ao tempo
E se perde
No acontecer breve
De um pequeno e superficial momento
Sem grandes acontecimentos.

sábado, 15 de novembro de 2008

CONHECIMENTO CIENTIFICO E SUBJETIVIDADE

A especificidade do discurso científico é definida tanto a partir de critérios como coerência, consistência, originalidade e objetivação, quanto pelo paradigma da alteridade. O estatuto de verdade, ou a construção do consenso científico, pressupõe persuasão e legitimação coletiva. Neste sentido, sua premissa básica é a universalidade.
Todavia seria um grave equívoco reduzir o discurso científico a mera combinação de critérios internos e externos pois tanto no que diz respeito a sua estrutura e a sua finalidade, o que predomina é o esforço subjetivo de um pesquisador individual que procura traduzir sua experiência singular em termos objetivos ou socialmente estabelecidos por convenção. Não se trata de assimilar e utilizar uma “técnica” pré-determinada e por si mesma inequívoca. Diante da pluralidade do saber científico nas ciências sociais, no que diz respeito a metodologia e referencias ideologicas, nada mais natural do que reconhece-lo como um complexo jogo de opções e escolhas que pré condicionam o olhar de qualquer pesquisador.
Não seria incorreto afirmar que o estudo dos métodos de pesquisa no campo da epstemologia conduz paradoxalmente tanto a uma afirmação quanto um questionamento do estatuto do conhecimento formal. Cabe lembrar que a partir das primeiras décadas do século XX as chamadas ciências humanas, ou como se prefere hoje, ciências sociais, no que diz respeito ao método e aos critérios de verdade, começaram a distanciar-se abertamente dos modelos tomados de empréstimo das ciências naturais.
Desta forma, gradativamente surgiram inúmeras possibilidades novas de legitimação e representação do discurso científico. Basta pensar na contribuição de tendências do pensamento científico como as representadas pela fenomenologia, a hermeneutica ou a semiótica e, no que diz respeito mais especificamente as ciências históricas, a profunda redefinição do conceito de fontes e documentos iniciada pela chamada Escola dos Analles.
Como bem observa LUCIEN GOLDMAN,
“As ciências históricas e humanas não são pois, de uma parte, como nas ciências físico químicas, o estudo de um conjunto de fatos exteriores aos homens, o estudo de um mundo sobre o qual recai sua ação. São ao contrário a análise dessa própria ação., de sua estrutura, das aspirações que a animam e das alterações que sofre.”[1]

Desta subjetividade elementar que define o objeto das ciências humanas, ou seja, o próprio universo humano em suas tantas manifestações simbólicas como a cultura, a sociedade, a religião, a arte, o direito, etc. deduz-se a inadequação da lógica formal como fundamento metodológico da construção do conhecimento científico.
Recorrendo novamente a GOLDMAN é justo lembrar que,
“O processo do conhecimento científico é ele próprio um fato humano, histórico e social; isso implica, a identidade parcial entre o sujeito e o objeto do conhecimento. Eis porque o problema da objetividade se coloca diferentemente nas ciências humanas e na física ou na química.”[2]

Em outras palavras, entre a pesquisa no campo da química ou da fisiologia e a pesquisa no campo das ciências sociais há uma diferença de natureza que demonstra claramente os limites do método empírico dedutivo e a chamada lógica formal, ainda hoje, apesar de muitas resistências, adotada no campo das ciências sociais de forma indiscriminada e mecânica. Neste ponto GALVANO DELLA VOLPE nos permite ir um pouco mais longe através de sua crítica ao positivismo lógico. Segundo ele,
“ A principal dificuldade em fazer-se uma idéia adequada e fornecer um juizo crítico completo da lógica formal moderna ou lógica formalizada (=formalista), propugnada pelo positivismo lógico, reside na sua natureza una-dúplice de teoria do pensamento e teoria da linguagem: pelo que, quando se encarou a primeira teoria e se demonstrou a sua capacidade para valer como lógica tout court ou lógica filosófica ( como se vê ad oculos no problema por resolver da lei científica), resta enfrentar a Segunda enquanto semiótica (Carnap) demasiado abstrata ou parcial, que, na sua peculiar obsessão pela linguagem “correta” ou linguagem da “verdade”, dogmatiza uma linguagem meramente técnica(de tipo matemático), falhando como semiótica(ou semântica) geral, verdadeiramente filosófica.” [3]

O equacionamento da linguagem técnica e a interpretação, problemática que nos é aqui muito bem apresentada pelo autor, é um dilema que vivenciamos inevitavelmente quando nos lançamos a árdua tarefa de formular um projeto científico e desenvolver uma pesquisa. Não existem no que diz respeito a isso respostas prontas ou acabadas. Como o próprio conhecimento científico esta é uma questão em eterna construção e reconstrução. Só podemos, de acordo com nossas opções subjetivas, lhes proporcionar as respostas que o nosso presente e nossa referências permitem.

[1] GOLDMAN, Lucien. Ciências humanas e Filosofia. SP: Difusão Européia do Livro, 1967; p.27.
[2] Ibidem
[3] DELLA VOLPE, Galvano. A lógica como ciência histórica. Lisboa: Edições 70; s/d; p.242 et seq.