quinta-feira, 16 de outubro de 2008

LITERATUITA INGLESA XXXVII


Aldous Huxley (1894-1963), pelo seu profundo pessimismo e visionária leitura da realidade de seu próprio tempo, tornou-se mais do que um mero escritor de literatura, afirmou-se como brilhante ensaísta. Sua obra, apesar dos condicionamentos de seu próprio tempo, tende a ser uma referência indispensável ao pensamento critico de todas as épocas possíveis do futuro humano mais imediato pelça sua problematização do autoritarismo, da democracia e da própria natureza humana.
Afinal, Huxley foi, além do autor do tão famoso romance futurista "Brave New World" (Admirável Mundo Novo), que até os dias de hoje lhe garante a fama, o criador do conceito de agnosticismo. Muito significativamente teve como interlocutores e amigos nomes como o de Lytton Strachey e Bertrand Russel.
Em sua vasta obra destacam-se alem do já citado e consagrado romance, a coletânea de ensaios The Doors of Perception / Heaven and Hell (As Portas da Perceção / Céu e Inferno), os romances Ape and Essence (O Macaco e a Essência), Island e os derradeiros ensaios de The Human Situation (A Situação Humana).
Pode-se , de modo muito genérico, sustentar que, bom leitor do cerebre Charles Darwin, Huxley jamais foi condencendente ou ingênuo com relação a fenomenologia da vida e existência humana...
Dentre todas as coletâneas de ensaios por mim conhecidas, a que me parece mais provocativa e atual, são os reunidos em Do What you Will ( traduzido para o portugues como Satânicos e Visionários).
Creio que um fragmento desta obra é mais do que apropriado para aqui dizer seu autor, mesmo que seja impossivel traduzir em um fragmento de momento a riqueza de seus escritos:

O ENIGMA


“Na forma em que os homens o têm colocado, o enigma do universo exige uma resposta teológica. Sofrendo ou gozando, os homens querem saber por que gozam e com que finalidade sofrem. Vêem coisas boas e coisas más, coisas bonitas e coisas feias, e querem descobrir uma razão- uma razão definitiva e absoluta- porque essas coisas devam ser como são. É extremamente significativo, entretanto, que só com respeito a questões que lhes tocam de perto é que os homens buscam razões teológicas- e não apenas buscam como as encontram, e em que qualidade! Com relação a questões que não lhes tocam tão diretamente, questões que estão, por assim dizer, a certa distância psicológica deles próprios, mostram-se relativamente indiferentes. Não fazem esforço algum para lhes encontrar uma explicação teológica; percebem o absurdo e a inutilidade de sequer procurar uma explicação. Qual a razão final e teológica, por exemplo, de ser verde a grama e de serem amarelos os girassois? Tem-se apenas que levantar a questão para logo se perceber que é de todo irrespondível. Podemos falar sobre ondas luminosas, eletrons vibratórios, de moléculas de clorofila e coisas que tais. Mas qualquer explicação que possamos oferecer em termos dessas entidades não passará de uma explicação de como a grama é verde, e não porque ela é verde. Não existe “porque” algum- absolutamente nenhum, cuja descoberta possamos conceber. A grama é verde porque é assim que a vemos; em outras palavras, é verdade porque é verde. Ora, não há diferença em espécie entre um fato verde e um fato doloroso ou bonito, entre um fato que é da cor dos girassois e fatos que sejam bons ou infernais: uma categoria de fatos é psicologicamente mais remota que a outra, nada mais. As coisas são nobres ou angustiantes porque são assim. Qualquer tentativa de explicar porque elas são assim será inevitavelmente fadada ao fracasso, como a tentativa de explicar porque a grama é verde. No que tange a condição de ser verde e outros fenômenos psicologicamente distantes os homens tem reconhecido a inutilidade da tarefa e não cuidam de propor explicações teológicas. Mas ainda continuam a torturar o cérebro com os enigmas do universo moral e estético, prosseguindo na invenção de respostas e até mesmo acreditando nelas.”
(Aldous Leonard Huxley. Satânicos e visionários/tradução de J L Dantas. RJ: Ed. Americana, 1975, p. 153-154).

REVOLUTION 69

Me basta um sonho vivo
Em delirante realidade
Para explodir verdades
Em cores, gritos,
Raios
E ventos antigos.

Um estranho futuro
Chegaria, então, sorrateiro
De mãos dadas a passados
À muito esquecidos,
Trazendo a infância do infinito
Ao cotidiano tédio
De mais um dia
Entre pessoas, famílias,
Cidades, países e absurdos
Que não cabem
Na poesia de um céu estrelado
Ou no mundo de uma folha de papel.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

APRENDIZ DE SATURNO

Sofro o tempo que passa
Nos silêncios de cada momento.

Meus passados reinventam
O presente
No involuntário acontecer
De uma discreta biografia.

Não sou desses
Que viveram impérios
Amores sempiternos
Ou as aventuras de um Ulisses.

Tive apenas na vida,
Noites de luas, estrelas
E tédios
A espera de algum vento bravo,
De alguma manhã entre aberta,
Adivinhada em qualquer musica muda
No fundo de um céu profundo.

Em todos os tempos de mim
Nunca fui mais
Do que um aprendiz de futuros
A colher sonhos em madrugadas.

MEMÓRIA E DEVANEIO SEGUNDO BACHELARD


Em sua Poética do Devaneio, ao invocar as “cânticos de ilusões”, que nos conduzem a mais profunda experiência da relação existente entre imaginação e memória, Gaston Bachelard nos sugere uma reflexão sobre a experiência poética como uma espécie de “não lugar do tempo vivido”, como um "não factual da memória" que define nossas leituras e sentimentos biográficos tão profundamente quanto os acontecimentos concretos.
O que está em jogo aqui, não é a objetividade de qualquer lembrança possível de um dado momento ou situação vivida, mais a impessoalidade de certas lembranças, uma espécie de sentimento virtual de mundo que nos transcende em um irracional apreensão passional das coisas; como se fosse possível contemplar a aura mágica que envolve as configurações mais autênticas de nossas imagens de realidade .
Uma das principais funções da imaginação, afinal, é constantemente nos reapresentar o próprio mundo como significado vivido, como uma invenção ontológica... constantemente renovada, recriada...

Quando mais mergulhamos no passado, mais aparece como indissolúvel o misto psicológico memória-imaginação. Se quisermos participar do existencialismo do poético, devemos reforçar a união da imaginação com a memória. Para isso é necessário desembaraçar-nos da memória historiadora, que impõe os seus privilégios ideativos. Não é uma memória viva aquela que corre pela escala de datas sem demorar-se o suficiente nos sítios da lembrança. A memória-imaginação faz-nos viver situações não factuais, num existencialismo do poético que se livra dos acidentes. Melhor dizendo, vivemos um essencialismo poético. No devaneio que imagina-se lembrando-se, nosso passado redescobre a substância. Para lá do pitoresco , os vínculos da alma humana e do mundo são fortes. Vive então em nós não uma memória de história, mas uma memória de cosmos.”

(Gaston Bachelard. A poética do Devaneio/ tradução de Antônio de Pádua Danesi. SP: Martins Fontes, 1996, p.114)

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

CRÔNICA RELÂMPAGO XXXVII

As mas importantes mudanças que ocorrem na vida de um individuo, ocorrem silenciosamente; desafiam o acontecer cotidiano. Só nos damos conta delas quando nada mais é possível fazer para mudá-las.
Tal peculiaridade deve-se ao fato de ocorrerem gradativa e eventualmente no correr dos dias, como um descreto ocorrer de sombra e acaso no mais fundo da espontaneidade dos atos elementares.
As mais importantes mudanças que sofremos não brilham no rubro acontecer do mundo em tempo presente; surgem sempre como passado, como fato consumado, que nos consome na surpresa de nos sabermos repentinamente outros...
O estranhamento e deslocamento do cotidiano no fazer-se dos ciclos, períodos e etapas do acontecer da vida, é aquilo que mais profundamente revela o dinamismo da condição humana entre pessoas e identidades coletivas...

SONHOS E REALIDADE

Há sonhos
Que duram mais
Do que a própria vida
Existindo
Através dos homens
No sem tempo da história.

Na liberdade de devaneios
Tudo coexiste e se faz
Nas direções infinitas
Do vento.

Luas e noites acontecem,
enquanto vestido de sono
me faço parte da paisagem
sob a sombra do velho carvalho.

SOBRE FADAS E FANTASIAS


Uma alada ninfa
Guarda a magia
De uma antiga fonte
Como uma estrela pequenina
Entre os segredos
Da terra e do céu.

As vezes,
A vejo no bosque
Buscando acasos
E ocasos
Entre as flores
E belezas nos olhos
Da madrugada.

Magias me correm
Em estados d’alma
E me guardo,
Aguardo,
No impreciso
De um sentimento de eternidade,
o ocorrer de humildes liberdades
no colo de terras e luas nuas.

domingo, 12 de outubro de 2008

DESAFIO BIOGRAFICO

Fixo noites em meus silêncios.
Sigo manhães que não me viram.

Assim defino
Os toscos frutos dos atos,
O provisório fazer-se
De meus eus futuros.

Não estou entre aqueles
Que sonham verões e auroras.

Sou feito de invernos,
Infernos, Luas e ventos
No desafio da liberdade
Que me conduz
Através e além
De mim mesmo
No infinito acontecer do mundo.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

O MAL ESTAR DA LINGUAGEM E AS CONVENÇÕES DO REAL


“...pois hoje um número enorme de seres humanos já não domina a fala: exprimem-se por meio das frases dos jornais e das mídias, dizendo sempre a mesma coisa, sem contudo serem os mesmos.”


Elias Canetti- O Oficio do Poeta in A Consciência das Palavras


Na vida cotidiana a linguagem funciona tanto quanto um sistema de trocas simbólicas e comunicativas quanto um estranho meio de geração de equívocos e enganos. O uso rasteiro e pragmático que lhe damos em uma mesa de bar, na banalidade de uma ligação telefônica ou na conversa forçada durante uma viagem de elevador, são mais do que suficientes para atestar os concretos limites da utilização oral de uma língua.
É sustentável o argumento de que naquele estranho e impreciso amalgama de realidades que rotulamos de senso comum nos movemos em um campo de signos, símbolos e significados imprecisos ou inorgânicos no mais rudimentar “acriticismo” da fala e as discussões sobre a natureza e as possibilidades da linguagem não podem ser reduzidas a esse campo.
Tendo, ao contrário, a levar demasiadamente a sério o “senso comum” e seus profundos arcaísmos. No que diz respeito ao tema desta postagem, parece-me suficiente a constatação simples e falsamente obvia de que na vida cotidiana vivenciamos uma espécie de divorcio entre palavra e pensamento, o quanto a atividade da reflexão é excepcional ou na melhor das hipóteses circunstancial para o homem médio em seu cotidiano. Mas mesmo que não pare para pesar sobre isso, o fato é que para esse indivíduo médio o mundo é um pequeno conjunto de certezas verbais e referências fixas de realidade traduzidos e socializados pela fala. Em outras palavras, nada mais conservador do que o dinamismo elementar de nossas rotinas cotidianas. Indo um pouco mais adiante diria que a prisão do falar torna para muitas pessoas o mundo das letras escritas uma terra incógnita. Isso não deve causar grande surpresa se considerarmos que a construção e massificação de uma cultura do livro só foi possível no Ocidente ao longo dos últimos séculos e de modo muito descontínuo.A verdade é que a domesticação do livro e a experiência profunda da consciência através da palavra escrita parece não ser totalmente integrável a cultura e a vida cotidiana das sociedades modernas e contemporâneas.
Parece-me interessante como uma descompromissada mais significativa ilustração disso, uma referência de Georges Jean em seu manual intitulado “A Escrita: Memória dos Homens”:

“ Em fins do século XVI, quando a Contra Reforma e a Inquisição tomam a frente e perseguem as idéias novas, a Holanda protestante torna-se terra de exílio do livro, dos tipógrafos e dos impressores da Europa, onde o absolutismo real adapta-se mal à independência de espírito desses homens eruditos que, desde 1550, desprezando o latim, empenhavam-se em imprimir e difundir os clássicos gregos e latinos nas línguas nacionais.
A lembrança do martírio de Etienne Dolet está ainda viva na memória deles. Esse impressor lionês foi queimado em praça pública, em Paris, a 3 de agosto de 1546. Suas publicações de Rabelais, de Marot e, sobretudo, do Manuel du chevalier chrétien ( Manual do cavaleiro cristão) de Erasmo desencadearam a fúria dos inquisidores. A Holanda torna-se, então, o celeiro de uma literatura proscrita em qualquer outro lugar. Elzevir, não deixando passar ocasião oportuna, popularizou as edições de formato menor- as edições de bolso- anteriormente lançadas por Manuce em Veneza.
(...)
Provavelmente devido a irritação causada pelo sucesso do livro holandês, o Rei Sol é levado a prescrever a reforma da imprensa francesa, assim como já havia mandado construir o terrível Hôpital General ( O Hospício Geral), destinado a aprisionar os loucos, os pobres e os vagabundos.”


( George Jean. A Escrita: memória dos Homens. RJ: Objetiva, 2002, p. 101-102)
Em nosso mundo contemporâneo, cujas trocas simbólicas são cada vez mais imagéticas e a palavra escrita reduzida a “informação”, a experiência redentora da leitura, tão temida no séc. XVI, já não passa de um fenômeno pouco evidente ou então, simplesmente, muito pouco crível, constatação sobre o qual não cabe nenhum juízo de valor.
O que realmente me preocupa é que, mesmo hoje em dia, aquilo que se diz ou se escreve, em termos de vida cotidiana, ainda possui certa “força de verdade”, a ilusão de que todo discurso tende a espelhar algo de verdadeiro. Se um tablóide de grande circulação publicasse em sua primeira página, por mera travessura alguma noticia absurda sobre o fim do mundo, ou a aparição de um ET, dependendo do rigor de redação da reportagem, seria crível a maioria absoluta de seus leitores. De modo semelhante, acredita-se que a publicação de uma norma moral como decreto-lei do poder executivo de um governador ou presidente, é suficiente para transformar a realidade moral e concreta...
O equivoco gerado pelo uso da palavra em nosso dia a dia passa em grande medida pela tendência para se acreditar ingenuamente que aquilo sobre o que falamos corresponde de algum modo a realidade, quando não passa de convenções sociais arbitrárias ; muitas vezes vazias.

ETICA E REALIDADE

Há silêncios
Que são mais urgentes
Do que qualquer palavra .

Há fatos dos quais fugimos
Pelo medo ao erro
De um grito.

Como saber
O adequado gesto ou fala
Quando o relativo certo
Se faz por motivos
Inequívocos e errados?

Mas nenhuma moral
Vale mais
Que o instinto que aflora
No absurdo intimo
De um indivíduo.