Sir William Golding (1911-1993) foi um dos mais fascinantes escritores britânicos do pós guerra. Novelista e poeta graduado em literatura inglesa em Oxford nos anos 30, em 1940 entrou para a Marinha Britânica servindo na Segunda Guerra Mundial. Participou inclusive do histórico desembarque dos aliados na Normandia, em 1944.
Com o fim da guerra passou a lecionar e em 1954 publicou seu primeiro e mais impactante romance: O Senhor das Moscas. Até então só havia publicado uma coletânea de poemas em 1934. Seguiram-se, então, Os Herdeiros (1955) e Queda Livre (1959), dentre outros títulos.
O título de o Senhor das Moscas é uma referência a Belzebu (do nome hebraico Ba’al Zebub, בעל זבו), um sinônimo para o Diabo. Trata-se de uma obra profundamente alegórica e pessimista que nos defronta com o pior e mais elementar da condição humana. Uma das passagens que considero mais significativa desta singular narrativa é o momento em que Simon, um dos meninos perdidos na ilha, imagina uma voz em uma cabeça de porco coberta de moscas. Acreditando que a mesma pertence ao imaginário monstro que habita a ilha, a escuta dizer que jamais escapará dele, pois ele existe no interior de todos os homens. O personagem é pouco depois morto pelos seus próprios companheiros que ao verem saindo de uma floresta o tomam por engano pelo monstro imaginário.
O argumento para essa interessante obra pode ter sido sugerida pela experiência de Golding na Bishop Wordsworths School, uma escola católica para meninos, em Salisbury, na Inglaterra, onde ensinou língua inglesa a partir de 1945. O fato é que O Senhor das Moscas pode ser interpretado como uma critica a teoria do "bom selvagem" formulada por rousseau. Trata-se de um dos livros mais fascinantes que já li ...
" -És um menino tonto! -diz o Deus das Moscas. -Um menino tonto e ignorante!
Simão move a língua inchada, mas não profere palavra.
-Não estás de acordo? -pergunta o Deus das Moscas. Não és um menino
pateta?
Simão replica-lhe na mesma voz silenciosa.
-Ora bem -continua o Deus das Moscas. É melhor saíres daqui
para ires brincar com os outros. Pensam que tu és maluco. Tu não
queres que Rafael pense que és maluco, pois não? Gostas muito do Rafael,
não é verdade? E do Bucha e do Jack?
A cabeça de Simão levanta-se ligeiramente. Os seus olhos não podem
desfitar o Deus das Moscas, ali cravado naquele espaço diante de si.
-Que fazes tu aqui sozinho? Não tens medo de mim? Simão estremece.
-Não há ninguém que te ajude. Só eu. E eu sou a Fera. A boca de Simão
esforça-se, exprime palavras audíveis:
-Cabeça de porco num pau!
-Imagina tu! Pensar que a Fera era alguma coisa que se poderia caçar
e matar! -exclama a cabeça. Durante uns segundos, a mata e todos os
outros recantos indefinidamente entrevistos
ecoam com a paródia do riso. - Tu sabias, não é verdade? Eu sou
parte de ti próprio. Aproxima-te, aproxima-te ainda mais! Sou eu
o motivo por que não se pode ir mais além? Porque é que as coisas são
o que são?
O riso torna a arrepiá-lo.
-Ora vamos! -volve o Deus das Moscas. -Vais ter com os outros e esqueçamos
tudo isto.
A cabeça de Simão vacila. Os seus olhos estão semicerrados como se imitasse
aquela coisa obscena espetada num pau. Pressente que se avizinha
um dos seus momentos. O Deus das Moscas expande-se como um balão.
-É uma parvoíce. Sabes perfeitamente bem que só nos encontraremos lá
em baixo, de maneira que não tentes fugir!
O corpo de Simão arqueia-se, rígido. O Deus das Moscas fala-lhe com a
voz de um professor.
-Esta brincadeira já durou mais do que devia. Meu pobre menino desencaminhado,
tu pensas que sabes mais do que eu?
Uma pausa.
-Aviso-te. Vou zangar-me. Vês? Não precisam de ti. Entendes? Vamos
ter uma grande reinação nesta ilha. Entendes? Vamos
ter uma grande reinação nesta ilha! De modo que não tentes fazer de
esperto comigo, meu pobre menino desencaminhado, ou então...
Simão dá-se conta de que olha para uma bocarra imensa. Lá dentro há
negrume, um negrume que se expande.
-Ou então -prossegue o Deus das Moscas -acabamos contigo. Vês? O
Jack, o Maurício, o Roberto, o BilI, o Bucha e o Rafael. Vês?
Simão era tragado pela bocarra. Cai e perde os sentidos.
Uma visão da morte."