sexta-feira, 4 de julho de 2008

ENCONTRO URBANO


Guardei seu rosto
No anonimato
Daquele momento
Em que em silêncio
Nos desencontramos
Na via pública.

Nunca saberei seu nome,
Nunca a verei novamente,
Nada tenho a lhe dizer.

Apenas guardei seu rosto
Quase como um testemunho
De tudo aquilo que jamais vivi
Ou perfeita ilusão de sonhos
Jamais sonhados por mim.

FREE AS A BIRD


Liberdade é para mim
O perene exercício
De me desconstruir no mundo
No vago intuir
De tudo aquilo que sou.

Pois nada me prende a nada,
Tudo é fronteira,
Passagem,
No aventurar-me no tempo
Entre as ambigüidades do acaso
E as frágeis realidades
De cada mínimo dia.

Fly as a bird,
Across the time…

Tudo passa na mimese do vento
Que aleatoriamente me sopra
Vida a fora,
Noite a dentro.

terça-feira, 1 de julho de 2008

DIVERSIDADE CULTURAL, HISTORIOGRAFIA E CONTEMPORÂNEIDADE


A coletânea de ensaios do historiador britânico Peter Burke, VARIANTES DE HISTÓRIA CULTURAL, originalmente publicada no Reino Unido e nos Estados Unidos em 1997, é uma referência indispensável não somente para historiadores, mas também para todos aqueles que, de algum modo, refletem sobre as transformações contemporâneas dos usos e significados da cultura.
Especial atenção merece o ensaio Unidade e variedade na História Cultural que, mais do que realizar um balanço historiográfico, analisa as tendências e perspectivas atuais do fenômeno cultural.
A pluralidade, sincretismos e hibridismos culturais atualmente em pauta diante das múltiplas dinâmicas introduzidas pelo fenômeno das globalizações contemporâneas de modo geral lançaram novas luzes sobre a construção da modernidade e sua correspondente e complexa “economia mundo”. Afinal, a experiência da modernidade foi, entre outras coisas, uma experiência de fronteiras, tensões e trocas culturais sem procedentes no mundo ocidental.
Deixando falar o autor:


“... Para retornar a linguagem “tradicional”, os indivíduos talvez tenham acesso a mais de uma tradição e optem por uma em vez de outra segundo a situação, ou se apropriem de elementos de duas para fazer alguma coisa por conta própria. Do ponto de vista “êmico”, o que o historiador precisa examinar é a lógica subjacente a essas apropriações e combinações, os motivos locais dessas opções. Por isso alguns historiadores tem estudado as respostas de indivíduos aos encontros entre culturas, em especial aqueles que mudaram de comportamento- quer os chamados “convertidos”, da perspectiva de sua nova cultura, ou “renegados”, do ponto de vista da antiga. A questão é estudar esses indivíduos- cristãos que viraram mulçumanos no Império Otomano, ou ingleses que viraram índios na América do Norte- como casos extremos e especialmente visíveis de resposta a situação do encontro e concentrar-se nas maneiras como eles reconstituíram suas identidades. As complexidades da situação são bem exemplificadas pelo estudo de um grupo de negros brasileiros, descendentes de escravos, que retornaram a África Ocidental porque a consideravam sua pátria, e descobriram que os habitantes locais os consideravam americanos.”

(Peter Burke. Unidade e Variedade na História Cultural. in Variedades de história cultural./ Tradução de Aldo Porto. RJ, Civilização Brasileira, 2000, p. 264)


No que diz respeito a nossa contemporaneidade cultural Burke acrescenta:

“ .... Retomemos a situação de hoje. Alguns observadores ficam impressionados com a homogeneização da cultura mundial, o “efeito coca-cola”, embora muitas vezes não levem em conta a criatividade da recepção e transposição dos sentidos discutidas antes neste capitulo. Outros vêem mixagem ou ouvem pidgin em toda parte. Alguns acreditam poder discernir uma nova ordem, a “creolização do mundo”. Um dos grandes estudantes da cultura em nosso século Michail Bakhtin, costumava enfatizar o que chamava de “heteroglossario”, em outras palavras, a variedade e conflito de línguas e pontos de vista dos quais, segundo sugeriu, se desenvolveram nossas formas de linguagem e novas formas de literatura ( em particular o Romance).
Retornamos ao problema fundamental de unidade e variedade, não apenas na história cultural, mas na própria cultura. É necessário evitar duas supersimplificações opostas: a visão de cultura homogênea, cega às diferenças e conflitos, e a visão de cultura essencialmente fragmentada, o que deixa de levar em conta os meios pelos quais todos criamos nossas misturas, sincretismos e sínteses individuais ou de grupo. A interação de subculturas as vezes produz uma unidade de opostos aparentes. Feche os olhos e ouça por um momento um sul-africano falando. Não é fácil dizer se o locutor é negro ou branco. Não vale a pena perguntar se as culturas negra e branca na África do Sul compartilham outras características, apesar de seus contrastes, conflitos, graças a séculos de interação?
Para alguém de fora, historiador ou antropólogo, a resposta é sem a menor duvida “sim”. As semelhanças parecem exceder em peso as diferenças. Para os de dentro, contudo, as diferenças talvez sejam mais importantes que as semelhanças. É provável que essa questão sobre diferenças em perspectiva seja válida para muitos encontros culturais . Portanto, deduz-se que uma história cultural centrada em encontros não deve ser escrita segundo um ponto de vista apenas. Nas palavras de Mikhail Bakhtin, essa história tem de ser “polifônica”. Em outras palavras, tem que conter em si mesma várias línguas e pontos de vista, incluindo os vitoriosos e os vencidos, homens e mulheres, os de dentro e os de fora, de contemporâneos e historiadores.”

( Idem, p.266-267)

THE TYGER BY WILLIAM BLAKE




O Tigre é certamente o mais conhecido dentre os poemas de Songs of Experience (1794) de William Blake.
Reproduzo aqui duas diferentes versões dos seus versos para o português a titulo de gratuito prazer... Afinal, certos poemas parecem nos atingir como um raio vestindo elegantemente o pensamento como um sofisticado traje de alma... considero este, definitivamente, um bom exemplo disso...

THE TYGER

Tiger, tiger, burning bright,
In the forest of the night,
What immortal hand or eye
Could frame thy fearful symmetry?



In what distant deeps or skies


Burnt the fire of thine eyes?
On what wings dare he aspire?


What the hand dare seize the fire?



And what shoulder, and what art,
Could twist the sinews of thy heart?
When thy heart began to beat,
What dread hand forged thy dread feet?



What the hammer? What the chain?
In what furnace was thy brain?
What the anvil?
What dread grasp
Dared its deadly terrors clasp?



When the stars threw down their spears
And watered heaven with their tears,
Did He smile his work to see?
Did He who made the lamb make thee?



Tiger, tiger, burning bright,
In the forest of the night,
What immortal hand or eye
Dare frame thy fearful symmetry?


William Blake

Tradução de Vasco Graça Moura, publicada em Laooconte, rimas várias, andamentos graves (Lisboa: Quetzal Editores, 2005).

O TIGRE


tigre, tigre, chama pura
nas brenhas da noite escura,
que olho ou mão imortal cria
tua terrível simetria?

de que abismo ou céu distante
vem tal fogo coruscante?
que asas ousa nesse jogo?
e que mão se atreve ao fogo?

que ombro & arte te armarão
fibra a fibra o coração?
e ao bater ele no que és,
que mão terrível? que pés?

e que martelo? que torno?
e o teu cérebro em que forno?
que bigorna?
que tenaz
pro terror mortal que traz?

quando os astros lançam dardos
e seu choro os céus põem pardos,
vendo a obra ele sorri?
fez o anho e fez-te a ti?

tigre, tigre, chama pura
nas brenhas da noite escura,
que olho ou mão imortal cria
tua terrível simetria?

O TIGRE

Tradução: José Paulo Paes

Tygre, Tygre, viva chama
Que as florestas de noite inflama,
Que olho ou mão imortal podia
Traçar-te a horrível simetria?

Em que abismo ou céu longe ardeu
O fogo dos olhos teus?
Com que asas atreveu ao vôo?
Que mão ousou pegar o fogo?

Que arte & braço pôde então
Torcer-te as fibras do coração?
Quando ele já estava batendo,
Que mão & que pés horrendos?

Que cadeia? que martelo,
Que fornalha teve o teu cérebro?
Que bigorna? que tenaz
Pegou-te os horrores mortais?

Quando os astros alancearam
O céu e em pranto o banharam,
Sorriu ele ao ver seu feito?
Fez-te quem fez o Cordeiro?

Tygre, Tygre, viva chama
Que as florestas da noite inflama,
Que olho ou mão imortal ousaria
Traçar-te a horrível simetria?

ROTINA


Não sei se queria da vida
Uma outra face de existência
Ou apenas descobrir em meu rosto
As possibilidades perdidas
De algum eu esquecido.
Melhor ocupar-me somente
Do previsível,
Do labor de semana
Que se impõe como fatalidade
No acontecer de um quase destino.
Pois minhas noites estão guardadas
Em algum canto sujo de tempo
Aguardando um dia perdido
Do calendário.

SEGUNDA FEIRA

Provo o sereno afago
De um sol morno e radiante
A banhar as pequenas rotinas
E cansaços de uma comum
Segunda feira.
Nada me diz meus futuros adiados
Ou passados perdidos
No desencontro dos atos vazios
De mero cotidiano.
Mas há preguiças em meus pensamentos
E uma vontade discreta
De saber urgentemente
Sobre qualquer outro dia...

sábado, 28 de junho de 2008

LEGADOS E PERMANENÇAS DO IMAGINARIO CELTICO



Em seu competente estudo sobre o druidismo e a cultura celta, W. Rutherford apresenta uma peculiaridade digna de nota: busca identificar as permanências e legados desta cultura no imaginário moderno, nos oferecendo elementos interessantes para a reflexão em torno de sua expressiva marca sobre o imaginário e a cultura ocidental. É neste sentido que julgo pertinente a reprodução aqui de um significativo fragmento de sua obra:

"Em determinado nível, as lendas devem ser tomadas como a sobrevivência de um aspecto do druidismo. Os druidas eram os guardiões da mitologia. As velhas divindades pagãs estão presentes até em versões tão modernas como a de Malory. O que é surpreendente é a facilidade com a qual elas conseguem subsistir com o cristianismo, mesmo da forma como era aceito e praticado no final da Idade Média. A resposta, na verdade, é que o cristianismo céltico era um tipo muito especial, pelo menos aproximado ao tipo original.
Sem duvida alguma, a Igreja céltica era muito diferente das demais. Talvez por ser mais fundamentalista e austero, sempre mais perto do povo e de suas necessidades, o clero se constituía de homens estudiosos e caridosos. E mesmo aqui, em uma religião tradicionalmente antifeminista; havia maior igualdade para as mulheres do que em outras partes. Uma carta ainda existente, datada do séc. VI, e que foi mandada a dois sacerdotes bretões chamados Locvocat e Catihern, adverte-os no sentido de pararem de celebrar a missa com a ajuda de mulheres. Essas mulheres sacerdotisas, chamadas conhospitae, serviam o vinho enquanto os homens sacerdotes distribuíam o pão da eucaristia. Só quando o cristianismo se tornou uma religião estatal, sob o comando de Constantino, passando a ser forçada ao resto do mundo ocidental com essa forma por Carlos Magno, foi que a figura do sacerdote sofreu completa modificação, tornando-se um servidor do estado secular- a propósito, uma situação desconhecida dos celtas, mesmo nos tempos pagãos. No que dizia respeito ao povo, esta imagem trouxe consigo aquele pluralismo por meio do qual os membros do corpo eclesiástico chegaram a possuir títulos de nobreza e até propriedades feudais.
É interessante observar que os celtas estiveram entre aqueles que primeiro aceitaram a Reforma, e foi no País de Gales, na Escócia, na Irlanda do Norte, na Ilha de Man e nas Ilhas do Canal que ela foi mais profunda.
Teria isso acontecido, pelo menos em parte, por causa de algum efeito residual das idéias druidicas sobre os celtas? Não existem duvidas de que as seitas protestantes mais fundamentalistas poderiam ser descritas como cultos de possessão e, de fato, sentir-se-iam orgulhosas por esta descrição. Nas cartas que mandou depois de uma visita à Ilha de Man, John Wesley é pródigo em elogios pelo zelo religioso de seu povo. Em Jersey, onde os sacerdotes huguenotes já eram nomeados para a reitoria de St. Helier desde meados do século XV e continuariam a exercer este cargo mesmo durante a Contra Reforma Mariana, ele encontrou tantos seguidores que logo teve de nomear um sacerdote que falava francês para pastorear o seu rebanho. Este aspecto xamanista deve ter sido notado de maneira especial nos primeiros tempos quando, proibidos de usar edifícios permanentes, eles realizaram suas reuniões a céu aberto, geralmente em lugares remotos onde estavam livres de perseguição.
E, por acaso não existe uma nota fatalista no druidismo, que poderíamos até chamar de calvinista? Ela por certo esta presente nas lendas de Cão Chulainn. John Steinbeck, que morreu no momento em que trabalhava em uma versão da Morte d’ Arthur para os leitores modernos, observa algo parecido ao espírito grego nas páginas desse livro. Quando Arthur sugere a Merlin que o conhecimento do futuro deve permitir ao homem tomar medidas evasivas, o velho mago usa seu próprio caso como exemplo. Apesar de saber muito bem a maneira como vai encontrar sua morte, também sabe que, quando o momento chegar, ele não terá condição de resistir a ela- como fica provado depois.
Se olharmos para o advento do protestantismo, vendo-o como uma das grandes linhas divisórias nas lutas pela liberdade, travadas pelo espírito humano, teremos que reconhecer que pelo menos algumas de suas raízes foram implantadas pelo druidismo. Colocando isso sobre o prato da balança, ao lado dos efeitos que a mitologia, conforme expresssa nas lendas de Arthur, exerce sobre a nossa civilização, teremos de reconhecer a enorme divida que temos para com o passado celta.
É claro que esses efeitos persistem. Uma prova disso está não apenas em sua permanente popularidade- é difícil passar um ano sem que eles reapareçam, de uma forma ou de outra, e nem sempre em “histórias infantis”- mas também na relevância dada a eles pelas sucessivas gerações, cuja maneira de vida é tão diferente daquela que impera nos tempos em que elas vêm a existência. Basta que lembremos-nos de que a Morte d’Arthur foi um dos primeiros livros saídos dos prelos de Caxton.
Quando procurava por um nome para aquela experiência pela qual, segundo seu modo de ver, cada criança do sexo masculino passava, Freud se lembrou do drama Édipo, de Sófocles. Hoje, todos reconhecemos que o profundo efeito exercido em nós pela obra resulta, em grande parte, de sua capacidade de tocar forças que se encontram no fundo de nosso inconsciente. Não podemos evitar a impressão de que existe algo parecido nas lendas arturianas, e de resto em todos os mitos célticos, apesar das distorções com as quais chegaram até nós.
É como se os druidas tocassem determinadas cordas na mente humana, cuja ressonância persiste. Nada exemplifica isso melhor do que as inúmeras histórias nas quais a potência sexual de um homem idoso é ameaçada quando um rapaz começa a cortejar sua filha ou enteada. Como é sabido, os pais de filhas nestas condições, em geral, enfrentam crises psicológicas em momentos assim.
Outro interessante insight céltico é dado por Eliade, em sua obra Imagens e Símbolos. O rei- Pescador cai doente e, à maneira típica dos celtas, sua enfermidade afeta todo o ambiente. As torres desmoronam, os jardins secam, os animais deixam de reproduzir, as águas das fontes deixa de correr e os frutos desaparecem das árvores. Todos os meios conhecidos são usados na tentativa de cura-lo. Mas tudo malogra, até que um jovem cavaleiro chamado Percival ( provavelmente o Peredur das antigas lendas do Pais de Gales) surge de repente entre os cortesões. Ele faz uma pergunta: “Onde esta a taça?” E a pergunta já é o bastante: o rei se levanta de sua cama, permitindo o reavivamento de todo o mundo que o circunda.
Segundo Eliade, “o mundo perece por causa da... indiferença metafísica”. A simples colocação da pergunta é o bastante para mostrar que a indiferença desapareceu.
E esta mesma noção é profundamente inerente às idéias druidicas. Conforme César nos diz, eles gostavam de se entregar à especulação metafísica. Assim, nós encontramos os cavaleiros de Arthur em aventuras nas quais correm perigo de morte, em expedições cujos objetivos declarados são sempre muito diferentes dos verdadeiros. Podemos fazer a pergunta, como é destino dos homens- onde esta a Taça. Mas a resposta ainda não é conhecida. Ou, quando menos, cada ser humano tem a escolha que lhe permite ignorá-la, colocando-se como um moribundo, a exemplo do Rei-Pescador, ou então sair à procura de sua resposta ou, mais provavelmente, apenas de alguma pista a respeito.”


(Ward Rutherford. Os Druidas. Tradução de Jose Antônio Ceschin. SP: Editora Mercuryo, 1994, p.180-182)

WAKING



No primeiro momento do despertar
Não lembro quem sou
Nem sei da vida que levo.
Mínima amnésia
Que quase passa despercebida
No espaço de um instante.
Pois logo visto meu rosto,
Acorda a consciência...
Deixando-me apenas
O abstrato e saudoso gosto
Do vazio do sono
E dos hábitos de sonhos
E outros mundos jamais pensados.

...AND A FLOWER IT TAKES A SUMMER

Invade-me a vontade inútil
De perpetuar o agradável
De um mero instante,
Como se toda a vida
Ganhasse pleno sentido
Na migalha
De uma gota de tempo.
Futuro algum faz sentido
Quando nos guardamos
No aconchego de algum agora,
Quando vislumbramos
A vida inteira plena e estática
Na alma de um perene momento
Em que o mundo quase não existe
Lá fora.
Somos contra o saber do tempo
Como flores
Que ignoram o jardim.

REENCONTRO INTIMO

Em alguma parte do horizonte
Espero encontrar a sombra
Dos meus eus perdidos,
Recuperar sonhos, gostos
E ilusões
Que sustentavam a emoção
De um sorriso.
Sei que em algum lugar de mim,
Fantasmagoricamente futuro,
Aguardam-me com um abraço
Meus rostos passados,
Todas as perdas sofridas
Ao longo da vida.