domingo, 22 de junho de 2008

CRÔNICA RELÂMPAGO XXX

Algumas vezes, fazer a coisa certa, realizar em atos nossas mais positivas auto imagens, constitui um erro no aprendizado e experiência do mundo. Nem sempre seguir uma cartilha pessoal de existência é a melhor resposta a dadas situações vividas.
As vezes é imprescindível saber fugir ao próprio rosto e preceitos...desafiar-se e descobrir possibilidades até então não vislumbradas de estratégias de existência.
Na vida, muitas vezes, o mais decisivo é o improviso, o salto no escuro representado pela superação de padrões comportamentais insuficientes para dar conta de situações cuja dinâmica nos obrigam a qualquer novidade.
Isso acontece mais comumente na vida de qualquer pessoa do que se imagina. Mas quase sempre optamos pelo caminho fácil ou cômodo dos continuísmos. Tal atitude conservadora é em grande medida o que nos determina a singularidade do nosso destino e os limites de nossas individualidades.

AUTO CONTEMPLAÇÂO

Procuro viver
Sem saber
o tênue limite
Que diferencia
A dor e o sonho.

Tento ser menos
Do que realmente sou,
Desconstruindo meu suposto eu
Na ignorância de rotas perfeições.


Quero saber apenas
Meu mínimo absoluto
Em um canto de tempo
Onde contemplo
A vida espalhada ao acaso
Entre a bagunça dos fatos.

DIA NUBRADO

Uma paz antiga
Decora-me os atos,
Embriaga o tempo
Que se deixa lento
No fazer das coisas
Entre mansidões
E penumbras.

Há algo
De sonho e infância
No rosto de um dia
Sem sol com sabor de chuva.

Algo que escapa
A palavra
No intenso sentimento
De mim mesmo
Dentro das horas
E do frio.

quinta-feira, 19 de junho de 2008

ENCONTRO E ACASO

Quase não lembro seu rosto,
o contorno do seu corpo
diante de mim
como esfinge.

Nos vimos tão pouco
no viver de nossas personas
em ato e fato
das prisões cotidianas
entre labor e obrigações.


Muito pouco...

Mas na formalidade da ocasião,
do frio do dia,
um sonho acordou de repente
e sem pedir
pelo resto de toda a minha vida.

Assim aprendi seu nome,
sua poesia,
seu calor,
sentimento e sentido
dentro de mim.

LUDICO E SOCIEDADE

Vejo sem usar os olhos
mil coisas de pensamento
e imagens de mundo.

Vejo acasos de sombras nas pessoas,
o fundo escuro dos fatos em caos,
a duvida essencial
contra a qual nos insurgimos
buscando o falso de algum sentido.

Vejo o passado e o futuro
na face do meu presente.

Só não vejo a mim mesmo
brincando em meus entimentos.

quarta-feira, 18 de junho de 2008

SHAKESPEARE AND LOVE



O amor apresenta-se na obra de Shakespeare de modo tão complexo e surpreendentemente familiar que ainda em nossos dias são publicadas coletâneas de citações do velho bardo sobre o tema. Um bom exemplo é o “livro presente” Helen Exley intitulado Shakespeare e o Amor, originalmente publicado no reino Unido em 1999 pela Exley Ptd.
Na obra de Shakespeare, vale dizer, o amor surge como um jogo de linguagem e um desregramento dos atos e pensamentos. Ele é como um raio fulminante a transfigurar a razão e os sentimentos.


“ O amor não é mais do que uma loucura
podendo eu asseverar-vos que merece
quarto escuro e chibatadas, da mesma forma
que os dementes”
(Como Gostais, III : ii)


Sarcasmos como esse misturam-se em sua obra a representação do amor como expressão do maravilhoso, das extravagâncias e obsessões ocasionadas por suas fantasias e atmosfera feerica.
Por outro lado, sujeito ao capricho das dificuldades, sejam aquelas impostas pela família, a sociedade ou pelo próprio destino, a maior fonte de incerteza do amor esconde-se em sua própria natureza. Pois o amor em Shakespeare é também inconstância e incerteza; é como o olhar que corre...

“ O amor é pleno de contradições;
menino caprichoso, trapalhão,
Ele nasce no olhar e, como o olhar,
Cheio de formas soltas, usos, hábitos,
Muda de tema com o olhar que corre,
Variando de objeto como o que v~e.
( Trabalhos de Amor Perdido, V ii, 700-5)


Nada disso, entretanto, apaga a poesia dos amantes, a iniciação e sabedoria personificada pela experiência amorosa, pela contemplação mágica dos olhos da amada .

“ Isso aprendi dos olhos femininos:
Deles tirou sua chama Prometeu;
Eles são livro, arte, academia,
Em que o mundo se mostra e
Se alimenta."
( Trabalhos de Amor Perdido, IV, iii, 350-4)


Em Shakespeare encontramos o amor codificado em uma linguagem que, embora ainda não corresponda a formula moderna do amor romântico, também não se enquadra inteiramente na codificação do amor cortês, embora dela esteja de alguma maneira mais próxima...

SKEPSIS ( INDAGAÇÃO) II


Toda reflexão autêntica, pressupõe uma suspensão do juízo e tem como meta uma serenidade do pensamento. Algo que apenas podemos conceber quando transcendemos as armadilhas das certezas e significados fechados em conceitos, quando a idéia de verdade dissolve-se em um fluir de possibilidades e diversidade de sentidos.
Desta forma, toda reflexão autêntica é inconclusiva, provisória e fragmentada e se define como um ato de imaginação.
A realidade não passa, afinal, de um sonho aberto em mundo e matéria...

terça-feira, 17 de junho de 2008

SKÊPSIS ( INDAGAÇÃO) I

"O verdadeiro cético não é aquele que duvida de propósito deliberado e que reflete sobre sua dúvida; nem mesmo aquele que não crê em nada e afirma que nada é verdadeiro, outro significado da palavra que deu lugar a muitos equívocos. É aquele que de propósito deliberado e por razões gerais duvida de tudo, exceto dos fenômenos, e permanece em dúvida.” (Victor Brochard).


Uma colagem de idéias e fragmentos de imagens e pensamentos é o que chamo de reflexão contemporânea. Trata-se de um exercício de fantasia e linguagem que já não mais se orienta por qualquer referencial de verdade, pela "certeza do significado" ou sua correspondência direta a um objeto.
O ato de pensar tornou-se performance , uma teleológica construção subjetiva e aberta mediante a qual inventamos e reinventamos o mundo.Algo alem disso? Tudo depende do temperamento de cada pessoa. Já não perseguimos fantasmagóricas sombras de universais... Somos todos filhos de Pirro.

The Word’s Morning

Compartilho a manhã
Com os anônimos rostos
Da multidão
Em fluxo.

Vivo entre os outros
A banalidade de ritos
Que definem uma nova manhã
No acordar do dia.

Mas sei apenas de mim mesmo
Nos cotidianos atos de existência.

Save me from that...


A previsibilidade das horas seguintes
Domesticam o inesperado.
Nada sei de mim
Nos atos vagos em cenário de labor.

Save me from that...

Um arcaico vento do norte
Visita meu rosto
Acordando lembranças
De coisas jamais vividas.

segunda-feira, 16 de junho de 2008

NADA

Neste instante
Coisa alguma me importa.
Apenas a inércia
De estar em lugar algum
Trancado em mil silêncios.

O mundo lá fora
É como um distante sonho triste,
Algo que me escapa inteiramente
No exercício
Do meu viver provisório.

Neste instante,
Reúno todos os meus nadas,
Dou-me as costas
E rasgo todos os pensamentos.