quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

LITERATURA INGLESA XVII


Seamus Heaney ( 1939- ...) é o mais expressivo e consagrado poeta contemporâneo da Irlanda do Norte. Poder-se-ia ainda dizer que, ganhador do Nobel de literatura em 1995, caso não seja o mais notável, está certamente entre os maiores poetas vivos da Grã Bretanha e de língua Inglesa, o que naturalmente está longe de ser atestado por um mero Nobel.
A poesia de Heaney é definitivamente única e, servindo-me de uma citação da introdução preparada por José Antônio Arantes para a edição de seus versos em portugues, recorro indiretamente ao próprio poeta para definir sua busca da poesia:

“Há mais de três décadas Heaney persegue uma definição de poesia cada vez mais depurada, uma linguagem destilada, enunciada por uma voz singular. (...) referindo-se a essa busca no artigo “Belfast”, publicado em 1972 e incluído em Preocccupations Heaney observa que começou a ser poeta “ quando ouve um cruzamento de minhas raízes com minhas leituras. Penso nas lealdades pessoais e irlandesas como vogais, e na consciência literária alimentada com o inglês como consoantes. Minha esperança é que os poemas sejam vocabulários adequados a minha experiência como um todo.”; ou: “ suponho que, para mim, o elemento feminino implica a questão da Irlanda, e a tendência masculina deriva do envolvimento com a literatura inglesa. Falo e escrevo em inglês, mas de modo algum partilho das preocupações de um inglês.”
( Jose Antônio Arantes. Inntrodução in Seamus Heaney. Poemas: 1966-1987/ tradução de Jose Antônio Arantes. SP: Companhia das Letras, 1998, p.10)

Falando agora da minha própria leitura de seus versos, se há algo de profundamente pessoal, rural, Irlandês na poesia de Heaney, também existe uma sofisticação universalista e mágica que nos projeta a experiência do próprio fenômeno humano imerso no fazer-se em paisagens de natureza na gratuidade do imediato e agora de cada simples acontecimento de ser. O poema Digging, que abre a citada coletânea é certamente o mais indicado para apresentar sua poesia, essencialmente um ato de escavação de sua identidade e essência humana, experiência simultaneamente coletiva e individual.
Cabe ainda observar que a cuidadosa edição em português de seus poemas, realizada por José Antônio Arantes, reproduz a seleção feita pelo próprio autor entitulada New Selected Poems: 1966-1987, originalmente publicada pela Faber and Faber em 1990.
Seguem algumas pequenas e delicadas amostras de sua poesia:


CAVAR

Entre o dedo e o dedão a caneta
Parruda pousa; como arma pega.

Sob minha janela, um som raspante e claro
Quando a pá penetra a crosta de carvalho:
Meu pai, cavando. Olho para baixo.

Até seu dorso reteso entre os canteiros
Encurvar-se, brotarem vinte anos atrás
Dobrando-se em cadência nos batatais
Onde estava cavando.

A chanca aninhada no reboldo, o cabo
Alçado contra o joelho interno com firmeza.
Ele extirpava talos altos, fincava o fio luzidio
Para espalhar batatas novas que colhíamos
Adornando a fresca dureza nas mãos.

Por Deus, o velho sabia usar uma pá.
Tal qual o velho dele.

Meu avô cortou mais turfa num dia
Do que outro homem no pântano de Toner.
Uma vez levei leite numa garrafa
Mal rolhada com papel. Ele aprumou-se
Para bebê-lo, e em seguida pôs-se a
Talhar e fatiar com precisão, lançando
Torões nos ombros, indo mais embaixo atrás
Da turfa boa. Carvando.

O cheiro frio de barro de barata, o chape o trape
De turfa emparada, os curtos cortes de um fio
Nas raízes vivas despertam em minha cabeça.
Mas a pá não tenho para seguir homens como eles.

Entre o dedo e o dedão a caneta
Parruda pousa.
Vou cavar com ela.


A ILHA EVANESCENTE


Mal presumimos ter-nos encontrado para sempre

Entre as colinas azuis e essas praias sem areia

Onde passamos nossa noite esvairada em prece e vigília,


Mal colhemos madeira flutuante, fizemos lar

E penduramos nosso caldeirão qual firmamento,

A ilha quebrou-se debaixo de nós qual uma onda.


O solo a nos suster parecia manter-se firme

Somente quando o abraçamos in extremis.

Tudo o que creio lá ter ocorrido foi uma visão.
( Tradução de Jose Antônio Arantes)

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Today

On not concentrated
as he spoke
my life
perco a existência
no bau do passado,
no livre ocorrer
Do futuro
Em acontecer mágico
de alma inquieta,
em aventura pelos
Labirintos de presentes
escuros
até me alcançar na terceira pessoa.

O MUNDO POR TRAZ DO MUNDO

O Mundo
Por traz do mundo
É apenas um sonho
De pensamento
Que escapa ao tempo
E inventa um espaço
Na imaginação
Da alma das coisas
Em matéria e ato.
O Mundo
Por traz do mundo
É o inefável sentimento vago
Do vazio de ser
Meu mínimo eu

MEMÓRIA E PÓS-MODERNIDADE


SEDUZIDOS PELA MEMÓRIA é o título de uma coletânea de ensaios escritos na última década do séc. XX por Andréa Huyssen, professor de literatura comparada e germânica da Universidade de Colúmbia, New York.
Em seu conjunto estes ensaios buscam dar conta da emergência de novas vivências e experiências mnemônicas típicas da sociedade pós-industrial,” como um dos fenômenos mais significativos da contemporaneidade. Pelo menos, dentre o conjunto de pontos abordados pelo autor este é o que considero aqui relevante.
O que me parece de fato decisivo para uma definição da consciência história contemporânea é o marco, delimitado por Huyssen do surgimento de uma nova sensibilidade mnemônica:

“ Discursos de memória de um novo tipo emergiram pela primeira vez no ocidente depois da década de 1960 no rastro da descolonização e dos novos movimentos sociais em sua busca por histórias alternativas e revisionistas. A procura por outras tradições e pela tradição dos “outros” foi acompanhada por múltiplas declarações de fim: o fim da história, a morte do sujeito, o fim da obra de arte, o fim das metas-narrativas. Tais declarações eram freqüentemente entendidas literalmente, mas, no seu impulso polêmico e na replicação do ethos do vanguardismo, elas apontavam diretamente para a presente recodificação do passado, que se iniciou depois do modernismo.”


(André Huyssen. Seduzidos pela Memória: arquitetura, monumentos, mídia / tradução de Sergio Alcides. RJ: Aeroplano Editora, 2000, p. 10)

Essa recodificação do passado pressupõe uma nova imagem e experiência da temporalidade que se expressa em aspectos múltiplos, desde a musealização dos centros urbanos até uma obsessão ilimitada pelo passado como contrapartida de um medo irracional do esquecimento, um verdadeiro “presentismo” que nivela todas as épocas e imagens históricas.

Huysen, assim diagnóstica a situação:

“... Mas quais são os efeitos desta musealização e como podemos ler essa obsessão pelos vários passados rememorados , esse desejo de articular a memória na pedra ou em qualquer outro material permanente? Hoje, tanto a memória pessoal quanto a cultural são afetadas pela emergência de uma nova estrutura de temporalidade gerada pelo ritmo cada vez mais veloz da vida material, por um lado, e pela aceleração das imagens e das informações da mídia, por outro. A velocidade destrói o espaço e apaga a distância temporal. Em ambos os casos, o mecanismo da percepção psicológica se altera. Quanto mais memória armazenamos em bancos de dados, mas o passado é sugado para órbita do presente, pronto para ser acessado na tela. Um sentido de continuidade histórica ou, no caso, de descontinuidade, ambos dependentes de um antes e um depois, cede lugar a simultaneidade de todos os tempos e espaços prontamente acessíveis pelo presente. A percepção da distância espacial e temporal está se apagando. Mas é evidente que essa simultaneidade, essa presentidade surgida pelo imediatismo das imagens, é em, larga medida imaginária, e cria suas próprias fantasias de onipotência: a troca incessante de canais vista como a estratégia contemporânea de desrealização narcísica. À medida que essa simultaneidade vai abolindo a alteridade entre passado e presente, aqui e ali, ela tende a perder a sua ancoragem na refencialidade, no rea, e o presente sucumbe ao seu poder mágico de simulação e projeção de imagens. Não se pode mais perceber a diferença real, a alteridade real no tempo histórico ou na distância geográfica. No caso mais extremo, os limites entre fato e ficção, realidade e percepção se confundem a ponto de nos deixar apenas com a simulação, e o sujeito pós moderno se dissolve no mundo imaginário da tela. Os perigos resultantes do relativismo e do cinismo têm sido muito debatidos nos últimos anos, mas a fim de ultrapassar tais perigos devemos reconhecer que eles são inerentes aos nossos modos de processar o conhecimento, em vez de simplesmente denunciá-los como se estivéssemos num jogo de intelectuais niilistas. O toque de corneta da verdade objetiva simplesmente não vai dar certo.”
( idem, p. 74)

As ciências Históricas vivem hoje o desafio de assimilar essa nova realidade do imaginário histórico onde realidade e ficção se confundem, onde a própria história ganha um novo sentido na pluralidade de possibilidades e simultaneidades de imagens e experiências justapostas. Em poucas palavras, o que atualmente se esboça é uma nova noção de temporalidade e de fato.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

READY

As mãos imperfeitas
Se perdem
No labor de futuros,
Escrevem
Na matéria bruta
Uma imagem,
Uma miragem
Ou paisagem de mundo.
Aguardo o acontecer
Sem brilho
Do meu quase presente
Onde tudo de repente
Se faz
To give a step further…

ANTI UTOPIA

Busco fugazes belezas
De mero cotidiano
E brandas respostas
Para o
Exercício da vida.

Busco a fórmula mágica
De viver imerso
Em todas as coisas
No paradoxo da manhã aberta.

Busco tudo aquilo que se perde
Na inconstância e fluir da existência.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

CRÔNICA RELÂMPAGO XV

A fala e o corpo da chuva lá fora me comunicam a serenidade máxima de todas as coisas. Por alguns imprecisos momentos tudo se faz o encontro da terra e do céu no fluir gratuito da natureza, na serenidade de não pensar em nada rendido a inércia da existência. Preguiças metafísicas roubam-me os atos no vazio de projetos, sonhos e sombras. A própria vida não vai além do cândido silêncio das horas cinzas e chuvosas. Absolutamente nada mais importa, nada possui realidade ou valor. Viver é a única meta possível no involuntário exercício de ser em meio ao deserto fenomenológico das apreensões do mundo.

SAMUEL JOHNSON: PREFÁCIO A SHAKESPEARE


Publicado em 1765, o Prefácio a Shakespeare do crítico e dramaturgo Samuel Johnson ( 1709-1784), apesar de polêmico, permanece sendo uma referência para uma leitura e avaliação do universo literário Shakespeariano.
Com o declarado propósito de examinar sob a perspectiva do tempo as virtudes e os defeitos da obra do grande bardo, Johnson recusa o convencional caminho da apologia e afirmação fácil do inegável talento de Shakeapeare. Sua preocupação maior é com a afirmação de uma universalidade ética através da arte, com a qualidade moral de uma obra, coisa que ele deixa bem claro ao considerar as deficiências e limites do autor, que atribui em parte a rudeza do tempo e da sociedade para a qual escrevia e, em parte a displicência de sua escrita.
Independentemente de concordarmos com Johnson, sua critica ainda nos dias de hoje é incontornável. Seguem dois significativos fragmentos da comentada obra:

"A Inglaterra, à época de Shakespeare, ainda estava lutando para sair da barbárie. A filologia tinha sido transplantada para cá no reinado de Henrique VIII e as línguas eruditas haviam sido cultivadas com êxito por Lilly, Linacer e More; por Pole, Cheke e Gardiner e depois por Smith, Clerk, Haddon e Ascham. O grego era agora ensinado aos meninos nas principais escolas, e quem aliviava o requinte à instrução lia com grande empenho os poetas italianos e espanhóis. Mas a literatura ainda estava restrita aos eruditos notórios ou a homens e mulheres de alta posição. O povo era rude e ignorante, e saber ler e escrever era uma qualidade ainda valorizada Por sua escassez.”

( Samuel Johnson. Prefácio a Shakespeare/ tradução, estudo e notas de Enid Abreu Dobránszky, SP: Iluminuras LTDA, s/d, p.54)

Shakespeare, tanto quanto qualidades, possui defeitos, e defeitos suficientes para obscurecer e superar qualquer outro mérito. Eu os explorei conforme me vinha a mente, sem malícia invejosa ou veneração cega. Nenhum assunto pode ser discutido de maneira mais inofensiva do que as aspirações de um poeta morto à celebridade, e não merece atenção o fanatismo que eleva a inventividade acima da verdade.
Seu primeiro defeito é aquele a qual pode ser imputado a maioria dos males nos livros e nos homens. Ele sacrifica a virtude à conveniência, e sua preocupação em agradar é tão maior do que em instruir que ele parece escrever sem nenhum objetivo moral. De suas obras, sem dúvida, pode-se compor uma ordem de deveres sociais, pois quem raciocina com sensatez necessariamente pensa segundo princípios morais; mas seus preconceitos e axiomas brotam casualmente; ele não distribui com justiça o bem e o mal nem cuida de mostrar no virtuoso a censura ao perverso; conduz seus personagens sem nenhum outro cuidado, deixando seus exemplos agirem ao acaso. Esse defeito a barbárie da sua época não pode justificar, pois o dever de um escritor é sempre tornar o mundo melhor, e a justiça é uma virtude independente do tempo e do lugar.”

( Samuel Johnson. Prefácio a Shakespeare/ tradução, estudo e notas de Enid Abreu Dobránszky, SP: Iluminuras LTDA, s/d, p. 45)

DESTINY

Em algum ponto
Do caminho
Perdi o sonho
De qualquer amanhã.
Calei-me na certeza única
Do existir presente
Vestindo da noite
O manto.

Do you need help?
Pergunta o vento do norte
Enquanto as Nornas
Escrevem-me destinos.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

POEMA INCREDULO

Nunca fui
Estúpido e crédulo
Devoto
Das tolas certezas
Do céu e do mundo.
Sou filho impróprio
Do absurdo
A escrever paradoxos
Nas horas contínuas
E infinitas
Que aos poucos
Me desfazem e apagam
da infinitude do humano.