A profunda transformação introduzida por Copérnico e Galileu na imagem de mundo convencionalmente aceita em sua época, tendo por ponto de partida o heliocentrismo, a conseqüente desconstrução do cosmo hierárquico aristotélico e sua gradual substituição pela idéia de um “universo infinito”, parece hoje fugir a experiência do homem contemporâneo. Ironicamente, tal revolução também passou despercebida a maioria dos seus contemporâneos. O conceito de “revolução cientifica” foi construído a posteriori e pode ser considerada um “mito historiográfico” já que se quer parece crível na cabeça de seus fundadores .
Um exemplo disso é o fato de Nicolau Copernico se quer fazer idéia das implicações futuras de sua obra e permanecer preso a uma imagem sagrada de mundo. Como se pode ler em sua clássica obra ele abalava as codificações tradicionais de realidade de seu tempo sem efetivamente questioná-las. Na mesma medida em que defendia o heliocentrismo sustentava, por exemplo, a imagem de um universo esférico, inspirando-se em falácias de fé ou, mais precisamente na imagem do circulo como símbolo da totalidade:
“Compete-nos notar desde o inicio que o universo é esférico ou porque seja esta a forma mais perfeita de todas, um todo inteiro sem qualquer junção de partes; ou porque ela própria seja a mais capaz das figuras e maximamente conveniente para encerrar e conservar todas as coisas; ou até porque as partes mais perfeitas do Universo, isto é, o Sol, a Lua e as estrelas, se apresentarem com esta forma e porque todo o Universo tende a ser por ela delimitado. E isto mesmo se vê nas gotas de água e nos outros corpos líquidos quando revestem a sua forma natural. Pelo que ninguém deverá hesitar em atribuir tal forma aos corpos celestes.”
( Nicolau Copérnico. As revoluções dos orbes celestes/ tradução de A. Dias Gomes. Portugal: Fundação Calouste Gulbenkian, s/d., p. 17)
A autonomia do saber científico, sua confrontação e independência do campo teleologico, é uma conquista que se deu apenas nos oitocentos com a reestruturação ou codificação do paradigma cientifico patrocinado pela ilustração. A ciência, em outras palavras, apenas muito recentemente, adquiriu sua maioridade e libertou-se da tutela do obscuro campo do sagrado. A verdadeira “revolução cientifica” esta apenas começando...