domingo, 22 de junho de 2008

DIA NUBRADO

Uma paz antiga
Decora-me os atos,
Embriaga o tempo
Que se deixa lento
No fazer das coisas
Entre mansidões
E penumbras.

Há algo
De sonho e infância
No rosto de um dia
Sem sol com sabor de chuva.

Algo que escapa
A palavra
No intenso sentimento
De mim mesmo
Dentro das horas
E do frio.

quinta-feira, 19 de junho de 2008

ENCONTRO E ACASO

Quase não lembro seu rosto,
o contorno do seu corpo
diante de mim
como esfinge.

Nos vimos tão pouco
no viver de nossas personas
em ato e fato
das prisões cotidianas
entre labor e obrigações.


Muito pouco...

Mas na formalidade da ocasião,
do frio do dia,
um sonho acordou de repente
e sem pedir
pelo resto de toda a minha vida.

Assim aprendi seu nome,
sua poesia,
seu calor,
sentimento e sentido
dentro de mim.

LUDICO E SOCIEDADE

Vejo sem usar os olhos
mil coisas de pensamento
e imagens de mundo.

Vejo acasos de sombras nas pessoas,
o fundo escuro dos fatos em caos,
a duvida essencial
contra a qual nos insurgimos
buscando o falso de algum sentido.

Vejo o passado e o futuro
na face do meu presente.

Só não vejo a mim mesmo
brincando em meus entimentos.

quarta-feira, 18 de junho de 2008

SHAKESPEARE AND LOVE



O amor apresenta-se na obra de Shakespeare de modo tão complexo e surpreendentemente familiar que ainda em nossos dias são publicadas coletâneas de citações do velho bardo sobre o tema. Um bom exemplo é o “livro presente” Helen Exley intitulado Shakespeare e o Amor, originalmente publicado no reino Unido em 1999 pela Exley Ptd.
Na obra de Shakespeare, vale dizer, o amor surge como um jogo de linguagem e um desregramento dos atos e pensamentos. Ele é como um raio fulminante a transfigurar a razão e os sentimentos.


“ O amor não é mais do que uma loucura
podendo eu asseverar-vos que merece
quarto escuro e chibatadas, da mesma forma
que os dementes”
(Como Gostais, III : ii)


Sarcasmos como esse misturam-se em sua obra a representação do amor como expressão do maravilhoso, das extravagâncias e obsessões ocasionadas por suas fantasias e atmosfera feerica.
Por outro lado, sujeito ao capricho das dificuldades, sejam aquelas impostas pela família, a sociedade ou pelo próprio destino, a maior fonte de incerteza do amor esconde-se em sua própria natureza. Pois o amor em Shakespeare é também inconstância e incerteza; é como o olhar que corre...

“ O amor é pleno de contradições;
menino caprichoso, trapalhão,
Ele nasce no olhar e, como o olhar,
Cheio de formas soltas, usos, hábitos,
Muda de tema com o olhar que corre,
Variando de objeto como o que v~e.
( Trabalhos de Amor Perdido, V ii, 700-5)


Nada disso, entretanto, apaga a poesia dos amantes, a iniciação e sabedoria personificada pela experiência amorosa, pela contemplação mágica dos olhos da amada .

“ Isso aprendi dos olhos femininos:
Deles tirou sua chama Prometeu;
Eles são livro, arte, academia,
Em que o mundo se mostra e
Se alimenta."
( Trabalhos de Amor Perdido, IV, iii, 350-4)


Em Shakespeare encontramos o amor codificado em uma linguagem que, embora ainda não corresponda a formula moderna do amor romântico, também não se enquadra inteiramente na codificação do amor cortês, embora dela esteja de alguma maneira mais próxima...

SKEPSIS ( INDAGAÇÃO) II


Toda reflexão autêntica, pressupõe uma suspensão do juízo e tem como meta uma serenidade do pensamento. Algo que apenas podemos conceber quando transcendemos as armadilhas das certezas e significados fechados em conceitos, quando a idéia de verdade dissolve-se em um fluir de possibilidades e diversidade de sentidos.
Desta forma, toda reflexão autêntica é inconclusiva, provisória e fragmentada e se define como um ato de imaginação.
A realidade não passa, afinal, de um sonho aberto em mundo e matéria...

terça-feira, 17 de junho de 2008

SKÊPSIS ( INDAGAÇÃO) I

"O verdadeiro cético não é aquele que duvida de propósito deliberado e que reflete sobre sua dúvida; nem mesmo aquele que não crê em nada e afirma que nada é verdadeiro, outro significado da palavra que deu lugar a muitos equívocos. É aquele que de propósito deliberado e por razões gerais duvida de tudo, exceto dos fenômenos, e permanece em dúvida.” (Victor Brochard).


Uma colagem de idéias e fragmentos de imagens e pensamentos é o que chamo de reflexão contemporânea. Trata-se de um exercício de fantasia e linguagem que já não mais se orienta por qualquer referencial de verdade, pela "certeza do significado" ou sua correspondência direta a um objeto.
O ato de pensar tornou-se performance , uma teleológica construção subjetiva e aberta mediante a qual inventamos e reinventamos o mundo.Algo alem disso? Tudo depende do temperamento de cada pessoa. Já não perseguimos fantasmagóricas sombras de universais... Somos todos filhos de Pirro.

The Word’s Morning

Compartilho a manhã
Com os anônimos rostos
Da multidão
Em fluxo.

Vivo entre os outros
A banalidade de ritos
Que definem uma nova manhã
No acordar do dia.

Mas sei apenas de mim mesmo
Nos cotidianos atos de existência.

Save me from that...


A previsibilidade das horas seguintes
Domesticam o inesperado.
Nada sei de mim
Nos atos vagos em cenário de labor.

Save me from that...

Um arcaico vento do norte
Visita meu rosto
Acordando lembranças
De coisas jamais vividas.

segunda-feira, 16 de junho de 2008

NADA

Neste instante
Coisa alguma me importa.
Apenas a inércia
De estar em lugar algum
Trancado em mil silêncios.

O mundo lá fora
É como um distante sonho triste,
Algo que me escapa inteiramente
No exercício
Do meu viver provisório.

Neste instante,
Reúno todos os meus nadas,
Dou-me as costas
E rasgo todos os pensamentos.

domingo, 15 de junho de 2008

MORTE E CULTURA



“A morte é a sanção de tudo o que o narrador pode contar. É da morte que ele deriva sua autoridade.”


( Walter Benjamim in O Narrador: Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov in Magia e Tecnica, Arte e Politica: Ensaios sobre Literatura e História da Cultura
Obras Escolhidas. Vol I / Tradução de Sergio Paulo Rouanet. SP: Brasiliense, 4º ed.; p.208 )


Falar sobre a morte é antes de tudo um modo de falar sobre o sentido instintivo e humano de toda narrativa possivel, de nosso modo de construir o real como linguagem e fato vivido.
Mas a morte também é um fenômeno limite, algo que desafia nossas melhores certezas e imaginações de mundo nas convenções cotidianas do exercício de viver, já que toda vida guarda o germe do seu desfalecer e apagar-se na “irrelevância” do fazer-se de todas as coisas vividas em prol de sentidos e significados. De certa maneira, vivemos para morrer e ver morrer...
O que me parece, entretanto, significativo, é que em nosso tempo, mesmo esta obscura dimensão do existir humano já tenha se tornado monopólio de especialistas, uma questão de saúde pública...
Neste sentido, reproduzo aqui um fragmento do historiador francês Philippe Áries, em seu clássico História da Morte no Ocidente, que enfoca a experiência tradicional “do se morrer” no Ocidente como um ponto de reflexão sobre aquilo que, pelo menos na antiga Grécia, nos diferenciava dos deuses, ou seja, a mortalidade. Hoje em dia, possuímos, afinal, rituais de sepultamento e luto, mas a morte tornou-se “selvagem” e estranha, um domínio da medicina e dos hospitais:


Time for Dyng ( fragmento)


"No ritmo em que vão as coisas, certamente tudo se passa como se esquecêssemos como se morria há apenas trinta anos. Em nossos países de civilização ocidental isso se passava de maneira muito simples. Em primeiro lugar, o sentimento (mais que pressentimento) de que tinha chegado a hora: “ Um rico lavrador, sentindo a morte próxima...” Ou um velho: “ Enfim, sentindo-se perto do termino dos seus dias...” Um sentimento que nunca enganava: cada individuo era, ele próprio, o primeiro a ser avisado de sua morte. É o primeiro ato de um ritual familiar. O segundo era preenchido pela cerimônia pública das despedidas, à qual o moribundo devia presidir: “Fez com que seus filhos viessem e lhes falou sem testemunhas...”ou, ao contrário, diante de testemunhas; o essencial era que dissesse alguma coisa, que fizesse seu testamento, que reparasse seus erros, que pedisse perdão, que exprimisse suas últimas vontades e, que se despedisse. “ Aperta a mão de todos, e finalmente morre.” É tudo. Assim as coisas se passavam normalmente. Convinha que o moribundo morresse sem pressa mas também sem lentidão, para que a cena das despedidas não fosse nem escamoteada nem prlongada. A Fisiologia e a Medicina respeitavam, na maioria das vezes, a duração media exigida pelo costume. Este, portanto, só era contrariado em casos excepcionais, como a morte súbita e “improvisada” ( a subitânea et improvisa morte, libera nos, Domine); a trapaça do moribundo que se recusava a reconhecer os signos sempre claros
Do fim (pratica denunciada e ridicularizada pelos moralistas e satíricos); uma irregularidade da natureza, quando o moribundo não acabava de morrer.
Hoje nos damos conta de que esses casos, outrora raros e aberrantes, tornaram-se modelos. Deve-se morrer como antigamente não se devia. Mas quem decide sobre o costume? Primeiramente, os donos do novo domínio da morte e das suas móveis fronteiras- a equipe do hospital, médicos e enfermeiras, sempre certos da cumplicidade da família e da sociedade.
(...)
A morte recuou e deixou a casa pelo hospital; esta ausente do mundo familiar de cada dia. O homem de hoje, por não vê-la com muita freqüência e muito de perto, a esqueceu; ela se tornou selvagem e, apesar do aparato cientifico que a reveste, pertuba mais o hospital, lugar da razão e da técnica, que o quarto da casa, lugar dos hábitos da vida cotidiana.”


(Philippe Áries. História da Morte no Ocidente/ Tradução de Priscila Viana de Siqueira. RJ: Ediouro, 2003, p. 290 et seq)

FREEDOM

No saber dos limites
De mim e do mundo,
Descubro infinitos
No impreciso sopro
De um vento sem nome.
Gente e lugar algum
Me aguarda em retorno.
O horizonte distante
É todo o meu passado
E futuro.
Tudo que sei
É o céu aberto
Como caminho,
Angustia
E susto
De descobrir-me
Perigosamente livre.