quarta-feira, 6 de agosto de 2008

LITERATURA INGLESA XXXIV




Sir William Golding (1911-1993) foi um dos mais fascinantes escritores britânicos do pós guerra. Novelista e poeta graduado em literatura inglesa em Oxford nos anos 30, em 1940 entrou para a Marinha Britânica servindo na Segunda Guerra Mundial. Participou inclusive do histórico desembarque dos aliados na Normandia, em 1944.
Com o fim da guerra passou a lecionar e em 1954 publicou seu primeiro e mais impactante romance: O Senhor das Moscas. Até então só havia publicado uma coletânea de poemas em 1934. Seguiram-se, então, Os Herdeiros (1955) e Queda Livre (1959), dentre outros títulos.
O título de o Senhor das Moscas é uma referência a Belzebu (do nome hebraico Ba’al Zebub, בעל זבו), um sinônimo para o Diabo. Trata-se de uma obra profundamente alegórica e pessimista que nos defronta com o pior e mais elementar da condição humana. Uma das passagens que considero mais significativa desta singular narrativa é o momento em que Simon, um dos meninos perdidos na ilha, imagina uma voz em uma cabeça de porco coberta de moscas. Acreditando que a mesma pertence ao imaginário monstro que habita a ilha, a escuta dizer que jamais escapará dele, pois ele existe no interior de todos os homens. O personagem é pouco depois morto pelos seus próprios companheiros que ao verem saindo de uma floresta o tomam por engano pelo monstro imaginário.
O argumento para essa interessante obra pode ter sido sugerida pela experiência de Golding na Bishop Wordsworths School, uma escola católica para meninos, em Salisbury, na Inglaterra, onde ensinou língua inglesa a partir de 1945. O fato é que O Senhor das Moscas pode ser interpretado como uma critica a teoria do "bom selvagem" formulada por rousseau. Trata-se de um dos livros mais fascinantes que já li ...


" -És um menino tonto! -diz o Deus das Moscas. -Um menino tonto e ignorante!
Simão move a língua inchada, mas não profere palavra.
-Não estás de acordo? -pergunta o Deus das Moscas. Não és um menino
pateta?
Simão replica-lhe na mesma voz silenciosa.
-Ora bem -continua o Deus das Moscas. É melhor saíres daqui
para ires brincar com os outros. Pensam que tu és maluco. Tu não
queres que Rafael pense que és maluco, pois não? Gostas muito do Rafael,
não é verdade? E do Bucha e do Jack?
A cabeça de Simão levanta-se ligeiramente. Os seus olhos não podem
desfitar o Deus das Moscas, ali cravado naquele espaço diante de si.
-Que fazes tu aqui sozinho? Não tens medo de mim? Simão estremece.
-Não há ninguém que te ajude. Só eu. E eu sou a Fera. A boca de Simão
esforça-se, exprime palavras audíveis:
-Cabeça de porco num pau!
-Imagina tu! Pensar que a Fera era alguma coisa que se poderia caçar
e matar! -exclama a cabeça. Durante uns segundos, a mata e todos os
outros recantos indefinidamente entrevistos
ecoam com a paródia do riso. - Tu sabias, não é verdade? Eu sou
parte de ti próprio. Aproxima-te, aproxima-te ainda mais! Sou eu

o motivo por que não se pode ir mais além? Porque é que as coisas são
o que são?
O riso torna a arrepiá-lo.
-Ora vamos! -volve o Deus das Moscas. -Vais ter com os outros e esqueçamos
tudo isto.
A cabeça de Simão vacila. Os seus olhos estão semicerrados como se imitasse
aquela coisa obscena espetada num pau. Pressente que se avizinha
um dos seus momentos. O Deus das Moscas expande-se como um balão.
-É uma parvoíce. Sabes perfeitamente bem que só nos encontraremos lá
em baixo, de maneira que não tentes fugir!
O corpo de Simão arqueia-se, rígido. O Deus das Moscas fala-lhe com a
voz de um professor.
-Esta brincadeira já durou mais do que devia. Meu pobre menino desencaminhado,
tu pensas que sabes mais do que eu?
Uma pausa.
-Aviso-te. Vou zangar-me. Vês? Não precisam de ti. Entendes? Vamos
ter uma grande reinação nesta ilha. Entendes? Vamos
ter uma grande reinação nesta ilha! De modo que não tentes fazer de
esperto comigo, meu pobre menino desencaminhado, ou então...
Simão dá-se conta de que olha para uma bocarra imensa. Lá dentro há
negrume, um negrume que se expande.
-Ou então -prossegue o Deus das Moscas -acabamos contigo. Vês? O
Jack, o Maurício, o Roberto, o BilI, o Bucha e o Rafael. Vês?
Simão era tragado pela bocarra. Cai e perde os sentidos.
Uma visão da morte."

NAUFRAGO

Naufrago de mim mesmo
Abandonei-me
Em ilhas imaginárias
Perdidas no fundo d’alma.

Esqueci rosto
E palavra
Despido de sonho
E vontade.

Cai em minha sombra
Como quem cai em abismos
Mutilado pelos silêncios
Do meu passado entreaberto.

Vislumbro esquecimentos
Em minhas ausências
Degredando futuros
E sonhos selvagens de felicidade.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

MONTY PHYTON: FLYING CIRCUS



IT’s...
No episódio 2 ( Sex and Violence) da primeira temporada de FLAING CIRCUS do Monty Phyton encontramos uma série de sketchs singularmente divertidas e acidas sobre alguns dilemas contemporâneos. Penso particularmente no esquete The Epiloque: A question of Belief ( O Epílogo: Uma questão de crença), simulação de um programa de debates onde na noite em questão, os debatedores representados por um lado pelo Monsenhor Edward Gav, emissário pastoral visitante da Universidade de Teologia Somerset, autor do best seller “Meu Deus” e, por outro lado, pelo Dr. Tom Jack, humanista, jornalista, palestrante e autor de livros como “Ola Marinheiro”, decidem substituir os incansáveis e infrutíferos debates sobre a existência ou não de Deus por uma boa briga em um ringue em uma disputa de três assaltos...
Algumas esquetes depois, em outra simulação de um programa sobre atualidades, The World around us (O mundo a nossa volta) nos confrontamos com o delicado problema da descriminação e preconceito contra os “homens- ratos”, ou seja o caso de homens que pensam que são ratos e adotam um comportamento desviante fantasiando-se como tal e adquirindo hábitos d e ratos.
Mas em que pese todo o preconceito e falta de informação existente sobre o delicado tema, após depoimentos de homens ratos e opiniões de especialistas, somos induzidos a crer que, como demonstram os exemplos históricos de Cezar e Napoleão, os “homens-ratos” podem ocupar um lugar útil na sociedade.
... Já no final do episódio, retomando o esquete The Epilogue, cabe informar o resultado do combate pela existência ou não de Deus: Deus existe por duas quedas contra um nocaute... Resultado que, pessoalmente, considero terrivelmente injusto... Até hoje aguardo pelo sketch de uma revanche que certamente provaria que Deus não existe!

ENIGMA PESSOAL



Nenhum instante
Ou retalho de tempo sentido
Define-me nos dias
Ou na alma.


Significados me fogem
Quando tento
Inutilmente agarrá-los
Em sombras de memórias
E certezas de rosto.


Sou a soma
De perdas e conquistas
No provisório balanço
De mim mesmo.


Entre transformações e buscas
Abandono-me ao vento
Que me desfaz e refaz
No movimento da vida.

PENSAMENTO E CONTEMPORÂNEIDADE


“Sem os punhos de ferro da modernidade,
a pós-modernidade precisa de nervos de
aço”
.
BAUMAN, Zygmunt: Modernidade e Ambivalência

O exercício de pensar na contemporaneidade pressupõe toda economia simbólica como um jogo de linguagem deslocado de qualquer objeto de eleição, de qualquer correspondência viva entre as palavras e as coisas.
A consciência tornou-se, em muitos sentidos, o único sujeito e objeto possível do pensamento que, cada vez mais, volta-se para e contra si mesmo no produzir irrestrito do conhecimento.
Já não é mais possível apropriar-se do mundo pelo pensar, reduzi-lo a uma espécie de ciframento, codificação ou desvelamento de uma realidade passível de revelação. Pois tudo que vemos hoje é uma espiral de conceitos, métodos, ideações e arbitrarias eleições cognitivas que se mesclam em um amalgama de informações inconclusas, historicamente determinadas, em sua inevitável perenidade ou provisório e relativo valor.
Aqueles que ainda se entregam à chamada “vida do espírito” encontram-se diante do desafio de reconhecer o esforço de pensar, antes de tudo, como uma atividade lúdica não mais destinada a fomentar valores morais, princípios e certezas de mundos imaginados como realidades.
O conhecimento hoje em dia, parafraseando Jean Francois Lyotard em A Condição Pos Moderna, é basicamente performance... Acrescentaria ainda: ele é incredubilidade e descrença na fundamentação ultima de todo discurso, isto é, o sentimento de verdade.

A ESSÊNCIA DO FUTURO



Muito do que sou hoje
É puro futuro
Do qual ainda
Não sou capaz.


O porvir, afinal,
É o vazio que da forma
Ao tempo,
Uma insaciável ausência
Que nos faz
Desesperadamente
Viver...


Sem querer,
Entretanto,
Vislumbro apenas passados
Em meus horizontes
E sigo no tempo
Como um sereno vento.

domingo, 3 de agosto de 2008

MONTY PHYTON: FLYNG CIRCUS


IT’S...

O personagem maltrapilho. Cabeludo e barbudo das aberturas dos episódios da série Flyng Circus do Monty Phyton, exibida pela BBC entre os anos de 1969 e 1973 é um naufrago que nos sugere o naufrágio de nosso próprio mundo... Leitura possível para uma apropriação do humor singular e único do Monty Phyton em linguagem filosófica/satirica. Podemos, inclusive considerar esse mágico sexteto britânico, sem embargos, como os melhores continuadores da “literatura de costumes” tão em voga entre os escritores vitorianos...
Sim... somos náufragos de nos mesmos e rir disso é uma vitória do pensamento.

LOVE...

I get my love back
At evening.

O mundo explode
Lá fora em brilho fosco de noite
Nessa cidade que nos ignora
Como ignoramos um ao outro.

Free...

Fidelity?
Loyalty?
Attachment?

Oh, these are
Abstractions
Sobre um céu nublado
E lindo.

SHIP

Entre o céu e a terra
Correm diversos ventos,
Que percorrem nossos momentos
Como um verso exilado
Em busca da forma
De um pensamento.


Sinto-me o mero e provisório
Produto
De algum destes ventos
Que sopram
Sem direção ou rumo.

Sei que sou o esforço
E esboço
De algum futuro informe
Que nunca busqueiComo nau em mar profundo

quarta-feira, 30 de julho de 2008

ROLLING STONES: O CORPO COMO MUSICA EM MOVIMENTO



Nunca tive o trabalho de mapear todas as bandas que fizeram parte da chamada “invasão britânica” dos Estados Unidos liderada pelos Beatles depois da turnê de 1964. Mas é fato que se tratou de um movimento plural, diverso, ao ponto de uma das maiores forças da invasão britânica, os Rolling Stones, representarem em sua essência um profundo sincretismo entre a linguagem impar do rock britânico e a musica popular norte americana.
Se os Beatles são os herdeiros e mais originais continuadores da primeira geração do rock, a ponto de estabelecer uma ruptura de conseqüências impares, os Stones são seus leitores mais originais. Sua musicalidade nos atinge o corpo, os sentidos, e passa longe do pensamento e das angustias existenciais. É apenas puro e bruto roch’n roll... musica para dançar no mais cru primitivismo que o rock pode representar do ponto de vista da cultura clássica ou inspirada pela tradição da “boa sociedade”.
Não é nada fácil definir o som dos Stones... Talvez eles representem o pensamento do não pensamento... uma linguagem musical inspiradora de vertigens e sensações de corpo de alma. Algo só compreensível quando somos embalados por clássicos como Satisfaction, Sympathy for the divel, I’m free ou No expectations até o esgotar de todas as nossas ansiedades e energias em qualquer forma de melancolia como em paint it black, as tears go by e lady jane.


Segundo Paul Friedlander foi em 1968 que os Stones atingiram sua maturidade assegurando um lugar certo para Mick, Keith e Brian na história mágica do rock...


...Na primavera de 1968, porem, nem gravações no estúdio londrino Olympic, eles produziram uma musica que reverberou por todo o mundo da música. Era uma inovação, o som era encrespado e as idéias musicais eram mais sofisticadas. A temática das letras tinha expandido o anterior foco em envolvimentos românticos/sexuais para incluir temas como preocupação política e social. Mesmo assim, a cozinha ritma a inda vibrava, Jagger continuava a rosnar e uivar, e perigo e tabu ainda se escondiam por entre as letras. Os Rolling Stones amadurecidos não eram não eram nada submissos. Eles produziram um quarteto de discos clássicos- Beggars Banquet, Let It Bleed, Sticky Fingers e Exile on Main Street- que garantiriam que os Stones seriam considerados eternamente um dos maiores grupos de rock and roll.”
Pode-se apontar o produtor Jimmy Miller como o responsável pelo amadurecimento musical e por uma nova sofisticação nos arranjos e no som. Miller, um per cussionista americanom já tinha produzido álbuns para Spook Tooth e o Traffic quando foi convidado para assistir as gravações dos Stones. A relação profissional foi estabelecida ne Miller continuou como produtor da banda nos cinco discos seguintes, sendo que os quatro primeiros são o ponto alto da carreira da banda. Um dos aspectos mais marcantes deste período ( graças, talvez, a genialidade de Miller no estúdio) é a linha de instrumentos de percussão no inicio de sucessos como Sympathy for the Devil e Gimme Shelter.”


( Paul Frederich. Rock and Roll: Uma história social/ tradução de A. Costa-4º ed. RJ: Record, 2006, p.164 )