quinta-feira, 18 de maio de 2017

BUKOWISKI E A LITERATURA

Charles Bukowiski (1920-1994) é para mim o mais intenso e singular escritor do século XX. Sua literatura não encontra paralelos e ocupa um lugar solitário na história das formas literárias. È única e , como nenhuma outra, se faz carne, vida, através de cada conto ou poema que o autor nos legou.  O eu autoral de Bukowiski é uma persona imperfeita, desconjuntada, que testemunha os limites do humano, o desencantamento da existência cotidiana, em um  mundo que já perdeu o sentido e nos legou o hedonismo como um fardo.
Neste contexto, escrever é antes de tudo uma estratégia de sobrevivência, uma forma de suportar o próprio peso. È mesmo tudo que resta a fazer para não enlouquecer, como diz o titulo que reúne suas cartas redigidas entre os anos de 1945 e 1993. Através de suas missivas podemos  desnudar uma fecunda critica ao oficio de escritor e uma reavaliação do papel da literatura.
Em uma carta  datada de  27 de março de 1986, destinada a William Packard, encontramos, por exemplo,  a seguinte e inspiradora  passagem :

“Escrever é apenas o resultado daquilo em que nos transformamos dia após dia ao longo dos anos, é uma maldita impressão digital do eu e é isso ai. E tudo que foi escrito no passado não é nada; o que é... é apenas a linha seguinte. E quando você não consegue chegar na linha seguinte não significa que você esta velho, significa que você está morto.”
  (Charles Bukowiski. Escrever para não enlouquecer. Porto Alegre: L&PM, 2016, p.222)

Para Bukowiki, escrever não era uma técnica ou algo que se aprende, mas um exercício de si mesmo onde não existem regras. Em uma outra carta de 16 de fevereiro de 1983, destinada a Loss Glazier ele é ainda mais explicito neste sentido:
“ Se existem quaisquer bons escritores , não creio que esses escritores saiam por ai, andem por ai, falem por ai, por si, pensando ‘Eu sou um escritor’. Eles vivem porque não há nada mais para fazer. O troço se acumula: os horrores e os não horrores e as conversações, os pneus furados e os pesadelos, os gritos, as risadas e as mortes e os longos espaços de zero  e toda essa coisa, isso começa a se totalizar e ai eles olham a máquina de escrever e se sentam e o troço salta para fora, não há planejamento, apenas ocorre: se eles ainda têm sorte.”
(idem, p.196)


   Não há nada de grandioso ou fantástico na arte de escrever. Trata-se apenas de um modo de saber o mundo e a realidade como palavra viva que nos traduz em enunciados.  Escrever é apenas uma espécie de muleta para espíritos mancos. Bons escritores não são pessoas felizes...

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