sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

LINGUAGEM E VIDA

A experiência da realidade é definida pelo exercício de práticas discursivas e pela replicação de um conjunto de enunciados consensuais que nos tornam participantes de uma mesma imagem de mundo. 

Assim, a experiência da realidade é definida pela nossa consciência enquanto codificação linguística que estabelece o que é verdadeiro e o que é falso, o que tem ou não valor, através de práticas discursivas. 

Linguagem e experiência são um mesmo acontecimento no devir de nossas interações simbólicas. Mas a linguagem tem a si mesma como objeto e é exterior a nossa condição humana cujo exercício é o acontecer do corpo como devir e finitude.

É através da linguagem, entretanto, que estabelecemos o humano como simulacro, como jogo infinito  entre significante e significado, como um algo a mais em relação a nossa condição de organismo biológico.

quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

DISCURSO E FICÇÃO

Toda prática discursiva possui algo de arbitrário ou ficcional, mesmo quando orientada pela pretensão a qualidade de verdade. Pois parte de um cenário interpretativo, de um referencial simbólico que previamente estabelece a possibilidade de sentido de um enunciado.

Verdadeiro e falso são categorias inerentes à significação discursiva, a ordem de um discurso normativo configurado por um arcabouço disciplinar.

O fato é que todo discurso inventa a realidade que lhe confere significação estabelecendo o que pode e o que não pode ser dito.

quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

O LUGAR DO EU E DO OUTRO

“Tudo se reduz ao diálogo, à contraposição enquanto centro. Tudo é meio, o diálogo é o fim. Uma só voz nada termina, nada resolve. Duas vozes são o mínimo de vida.” (Mikhail Bakhtin)

O outro é a medida da incerteza de mim mesmo. É a imprecisão que circunscreve o falante e o ouvinte através dos enunciados.
O outro é o próprio discurso que se apresenta a partir de sua  estrutura e significações. É o que nos reduz a personas, no ato do dialogo, em oposição e identidade com aquilo que é comunicado, compartilhado, formatado pela linguagem. O sujeito é uma função da própria prática discursiva que simultaneamente o faz um eu e um outro na alteridade discursiva, na ação dialógica que pressupõe o próprio exercício  da linguagem como pratica que nos define a todos. Se o discurso é quem estabelece sentido a um dialogo, ele também define o eu e o outro como um lugar dentro do dizer, como uma função inerente a construção do discurso. Somos inventados pelo e para o discurso, nos fazemos através dele aquilo que somos na presença um do outro, na incerteza daquele que fala como eu e também se percebe como um outro.





terça-feira, 19 de dezembro de 2017

NOTA SOBRE JUNG E A MODERNIDADE

Ao pensar todo o desenvolvimento da cultura ocidental a partir de sua configuração pelo mito cristão, Jung estabeleceu uma leitura original da modernidade. Para ele o tema central da época moderna era o deslocamento do homem, enquanto imagem arquetipa, para o centro da consciência. Assim, o homem sentiu sua autoconsciência e seu envolvimento com o mundo material como uma experiência mais forte do que sua dependência de uma divindade onipotente. Tal processo encontra-se representado pelo drama alquímico que, de muitas maneiras, abriu o caminho para  conversão do homem a demiurgo de seu próprio mundo social através de uma natureza sacralizada e, ao mesmo tempo, passível de sua intervenção. Confrontado com seu próprio deus,  o homem surpreende-se capaz de intervir na criação substituindo este mesmo deus transformando a natureza. Emerge, assim, gradativamente o Homo Faber como imagem de um domínio da natureza e antropomorfização do mundo.

segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

DELINQUÊNCIA LINGUISTICA

Onde quer que estejam meus trapos verbais
Serei sempre este miserável
Que polui a face da escrita.

Sempre este provocador,
Destilando ódio e humor
Contra as cenas cotidianas
Das palavras abertas da ordem.

Aos amantes do bom dizer
E de boas  ideias de mundo,
Ofereço meu mais franco desprezo
Pelas regras  gramaticais,
Pela ordem de todos os discursos.

Não me engana qualquer disciplina,
Nenhum conceito  ou  verdade.
A linguagem selvagem, fechada sobre si mesma
Contra a normativa do sentido,
É minha trincheira de significação.

POR UMA ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA?


Em seu Ensaio sobre o Homem, ao definir o Homem  como animal symbolicum, Ernest Cassirer lança as bases de uma antropologia filosófica fundado na individualidade humana como lugar de criação do próprio homem em sua universalidade. É como indivíduo que o ser humano configura sua própria experiência como espécie e, consequentemente, também com a constante incerteza sobre seu próprio futuro através do devir do tempo.

A linguagem, a técnica/instrumentos e as artes plásticas, inscrevem materialmente os símbolos nas praticas culturais. Isto é, a produção de artefatos cria a realidade através do qual o homem se inventa ou revela como animal symbolicum.

O imperativo da obra, do ato de criação produz seu criador. É expressão de uma rede de relações complexas entre o eu e o mundo, que conduz do signo ao símbolo, da natureza ao humano, do sensível ao abstrato.

O homem, esta questão demasiadamente tardia, como nos faz pensar Foucault em As Palavras e as Coisas, é um devir, uma sombra projetada pela imaginação, pela cultura como artificio da consciência através de suas formas simbólicas.


sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

FUGA

O dispositivo panóptico organiza unidades espaciais que permitem ver sem parar e reconhecer imediatamente […] A plena luz e o olhar de um vigia captam melhor que a sombra, que finalmente protegia. A visibilidade é uma armadilha” – Foucault, Vigiar e Punir

A indeterminação e o devir é tudo que saberão de mim.
Guardo o isolamento  como premissa do meu nomadismo,
das minhas rotas de fuga...
Dialogo com o aleatório e o inesperado
em um processo constante de desconstrução
de mim mesmo.
Nem mesmo sou idêntico a um eu 
nas tantas variantes de um rosto
que me assombra no espelho.

ETERNO RETORNO

Tenho vontade de voltar no tempo
E repetir tudo aquilo que fiz de mim mesmo.
Reescrever com as mesmas linhas tortas
Antigos erros,
Reviver acertos e vitórias
Na mais imperfeita imperfeição de ser.

Assim, seria feliz, sempre de novo,
Na perene eternidade do mesmo
Em gratuito e franco existir.
Sem propósitos e sem soluções
Seria inteiramente eu

Na profundidade rasa do meu querer. 

quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

TEATRO SIMBÓLICO

Sou responsável pelo bem estar de um gato.
Isso é tudo que penso quando volto para casa,
Depois do trabalho, engasgado com o dia
E sujo de cotidiano.

Tenho um compromisso com a existência do meu gato.
Por isso não posso desistir deste existir artificial
E do fardo da civilização.

Preciso garantir a alegria do meu gato.
Este é todo o proposito que move agora
Meu mundo.
Tudo que faço é pelo meu gato....


PALAVRAS


segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

PALAVRA


LINGUAGEM E SINGULARIDADE

O indivíduo se define como tal através de sua interação com outros indivíduos, da co-habitação em uma realidade social onde as trocas humanas acontecem mediante a replicação de signos e símbolos que personificam experiências concretas.

É através das praticas discursivas que se estabelece nosso sentimento de realidade e a própria existência enquanto construção social e cotidiana. Como seres singulares somos quase apêndices desta experiência coletiva que nos envolve, que nos subordina a relacionamentos.

A inserção de um indivíduo no ambiente cultural formatado pelas praticas discursivas pode se dá de forma passiva, quando o indivíduo limita-se a reprodução mimética e normativa no uso dos signos e símbolos, ou ativa, quando o indivíduo é capaz de ressignificar estes mesmos signos e símbolos em suas práticas discursivas.

A literatura, e especialmente a poesia, formatam tais práticas não pragmáticas de forma privilegiada. Mas esta singularização do dizer é corrente em nosso cotidiano mais elementar. Cada um elabora espontaneamente um modo próprio de se expressar e selecionar temas e questões que passam a mediar sua relação com o mundo e com os outros.

Quando o individuo se dedica a desenvolver ou levar as ultimas consequências seu mais intimo discurso de mundo ele se torna psicologicamente mais ciente de sua singularidade, menos dado a reprodução acrítica do dizer de todo mundo. A linguagem se torna para ele uma força viva.




SILÊNCIO

Abraço o silêncio como a um velho amigo.
Conheço  os segredos do não dito.
Tudo aquilo que dorme
dentro do que foi escrito.


O silêncio é o dizer do ausente
Não domesticado pelo segredo.
É o que permanece latente
E anuncia o desconhecido.

Um silêncio sempre fala
Através do dito
Alimentando questionamentos
E desconstruindo significados.

CONHECIMENTO E DIZER DO MUNDO

É a possibilidade de um dizer que não mais se reconhece em si mesmo, que não se define através da intencionalidade pragmática, mas que toma a possibilidade de qualquer discurso como um fluxo, uma busca desinteressada pelo conhecimento através do entrelaçamento de significados e sentidos, que se oferece como alternativa ao deserto cenário das letras contemporâneas.

Nos aventuramos com um pensar que se volta para o paradoxo e para o não sentido, recusando-se como disciplina e forma de institucionalização de qualquer poder. Podemos toma-lo como uma reação a ditadura da informação e do virtual como mimese de um mundo verdade que já não mais se sustenta como imagem do realmente vivido.

Mas se o dizer e o saber se libertam de uma estratégia de sentido, não mais inventam um objeto bem definido e nem mesmo são um discurso sobre o humano, mas sobre as coisas e experiências, sua legitimação encontra-se em sua vocação para construção de consensos em um mundo linguagem.

A diversidade de nossas estratégias discursivas, de nosso dizer da realidade, estabelecem um campo de experiências simbólicas onde se desenham tensões e contrastes, onde o saber apresenta-se como um jogo. Nosso desafio, em poucas palavras, é a invenção de narrativas que extrapolem o conhecimento como norma, como expressão de poder e da ilusão de um mundo verdade.


O saber é lúdico exercício de invenção de significados que nos inscrevem em uma ordem simbólica, em um campo discursivo onde é possível o conhecimento como estética de vida.

quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

PÓS HUMANISMO

Coabitamos uma época
Dentro desta cidade
Imaginando entre nós
um mesmo sentimento de humanidade.

Mas somos tantos e tão diversos
Que pouco sabemos uns dos outros
Caminhando desfeitos em multidão.

Não somos irmãos
E nem mesmo exploramos
Os contornos do nosso próprio rosto.


Entre nós impera a solidão universal

ALÉM DO MUNDO-VERDADE

A grande ironia da contemporaneidade é que a realidade aprendeu  a rir de si mesma.  A ilusão aprendeu a verdade e nos surpreendemos perdidos em simulacros Agora aparência é profundidade. Ela é tudo que há de concreto diante da falência do mundo-verdade.

Só nos resta  a imaginação do lúdico, os paradoxos do jogo do significados e seus paradoxos.


segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

SIMULTANEIDADE E IMANÊNCIA

Me contento com prazeres pequenos e banais, com a experiência estética do efêmero. Exploro os mínimos detalhes do cotidiano, todas as possibilidades das coisas insignificantes.  A alegria é sutil em sua inconstância e não passa de um ponto de vista sem qualquer perspectiva. O eu nunca está no pleno comando da consciência e se forja nos usos e abusos compulsivos e aleatórios da experiência.

Procuro realizar a audácia do banal reconhecendo o outro que se insinua em meus atos como uma sombra, como desejo ou apetite que inspira cada gesto. Viver torna-se, então, vir a ser através dos objetos. Eu mesmo me faço objeto  do devir, do acontecer de tudo que me envolve como acontecimento. É como se todas as coisas juntas transcendessem suas peculiaridades, formando um abstrato campo de experiências sincrônicas.


segunda-feira, 27 de novembro de 2017

A LIBERDADE DAS PALAVRAS

A impecável defesa de uma tese qualquer recheada de referencias, comentários eruditos e citações diversas, estrutura enunciados pré definidos pela prisão de um discurso impessoal, de uma disciplina. Desde o inicio  ela define o que pode ser dito, faz-se limite entre o verdadeiro e o falso, entre o sustentável e o absurdo de uma narrativa.


Tudo que vai além disso é literatura. Não a literatura livresca e normatizada dos romances. Mas a literatura que inventa o estrangeiro, o continente selvagem da linguagem, onde o dizer não corresponde a qualquer coisa. A incerteza do significado, o paradoxo, é onde a linguagem ainda pode ser experimentada em liberdade.

O SER DA LINGUAGEM

O dizer nunca esgota a folha em branco,
Não se conforma a letra
Que não ultrapassa a margem da folha
Ou vence de vez o silêncio das vozes escritas.

O Ser da linguagem está na brancura
Da pagina solta,
Frequenta a utopia de uma gramática aberta.
Procura sempre o outro do texto
Que morre como livro.




sexta-feira, 24 de novembro de 2017

SOBRE FALAR E ESCREVER

Há algo de teatral no ato de falar e escrever. Comunicar-se é mais um exercício de expressão do que propriamente um intercâmbio entre o “eu” e o “tu”. È um ato solitário de linguagem onde nos relacionamos mais com os enunciados de um dado discurso que apresentamos do que propriamente com o receptor.


Nesta perspectiva, comunicar-se é solitário e pode ser considerado a variante, mesmo contraditória, do monologo. Afinal, a leitura e a escuta muito frequentemente apenas precariamente ecoam o objeto.  O diálogo é um luxo entre os seres humanos. 

sexta-feira, 17 de novembro de 2017

SOBRE O VAZIO DA IDENTIDADE



Procedemos diariamente à encenação de nós mesmos como um rito de identidade (s). Mas são os outros quem nos define a persona, a trama e o próprio destino. Se a vida social é um teatro, um simulacro, nele não temos direito se quer a definição de nós mesmos.  Mas se fosse possível tal prerrogativa, seriamos capazes de nos  auto impor algum rosto que não fosse o simples esboço de nossas imprecisões?  


segunda-feira, 13 de novembro de 2017

O JOGO DOS OPOSTOS DE NOSSA CONSCIÊNCIA DO MUNDO

Duas tendências opostas nos condicionam a existência: por um lado a vocação para nos conformar ao mundo como exterioridade, como norma coletiva. Em contrapartida, sofremos a tendência para experimenta-lo como um outro de si mesmo, enquanto interioridade subjetivada. Nosso bem estar depende de um equilíbrio entre estas duas tendências do movimento introjetivo da consciência das coisas.

O conformismo é a submissão natural ao bom uso do impessoal da linguagem como forma de inscrição no jogo social, o cultivo da individualidade é, de modo complementar, a codificação aleatória e subjetiva de todo material e experiência simbólica, a vocação para estabelecer arranjos próprios dentro do horizonte de uma perspectiva ou visão de mundo. Uma tendência tende a conformar-se a outra através do perigoso caminho do cultivo da verdade. Mas a única verdade que nos é realmente possível é o devir, a perenidade de todas as coisas. É neste ponto que as duas tendências devem coincidir.



SUBJETIVAÇÃO

Sou filho dos meus gritos
E sobra dos meus silêncios.
Metade de mim é imperfeita,
Outra metade é desejo.
Sou por inteiro
Feito de inacabamentos.
Parte de mim já se foi,
Outra nunca acontecerá.
Existo de modo impreciso
Entre a vontade e a representação
De um eu sempre em construção.


NOTA SOBRE INSPIRAÇÃO E CRIATIVIDADE


ROSTO

O que melhor define o corpo
É o rosto.
A paisagem da carne viva
No gosto das coisas,
no sentimento do outro
Que é o mundo
que através do olhar
Nos faz tudo
Entre ver e ser visto
Mediante o sentimento
E sentido da paisagem,
Como se fosse um quadro de carne.

sexta-feira, 10 de novembro de 2017

RETÓRICA

Entre quem escuta e quem fala existe a regra,
O pré-dito no silêncio que antecede a fala.

Existe mais do que nós ...
O SENTIDO,
O vazio, o acaso
E a memória.
 Talvez haja, inclusive,
um "Isto".

Mas o corpo não existe.
Ele simplesmente é,
Contra o ilegível
Que dorme dentro
De qualquer palavra.


CÉU AZUL

Este céu azul
não é o mesmo 
Da minha infância.
Mas ainda me serve
Como matéria de sonhos
E a evasão
Que me reinventa criança
Contra todas as certezas do mundo.

O CORPO NA ALMA

O corpo preso à alma das coisas
Inventa a realidade compartilhada
Na prisão da verdade.

Nada é absoluto quando o absoluto
É relativo à carne que pensa,
Que sente e sofre significados
Gritando o absurdo de tudo.

                                           

quinta-feira, 9 de novembro de 2017

ARQUEOLOGIA DO SABER

Minha essência é ausência,
Uma falta de ser,
Que me define como um fantasma
Dentro de um espelho.

Digo apenas o que pode ser dito
E penso apenas o que pode ser pensado
A margem do ser da linguagem.
Sou o original e a cópia
De um discurso fechado.
Para mim quem é por que
Na arqueologia de Foucault

quarta-feira, 8 de novembro de 2017

MATURIDADE INTELECTUAL

As molduras do meus pensamentos estão gastas. Nem mesmo sei dizer se ainda penso, no sentido de qualquer reflexão nômade, ou se apenas insisto em repetir velhas receitas pseudo acadêmicas que já não me definem, que não dão mais conta de minhas tantas inquietações.
                    
Hoje sofro o peso do tanto que ignorei, do pouco que considerei, e lamento a impertinente tendência a me considerar alto suficiente, senhor dos meus próprios enunciados, quando apenas me fartava de cultura livresca e requentada.
O tempo passa indiferente aos  quadros de pensamentos que decoram nossas praticas cotidianas. Não é por acaso que a grande maioria não se ocupa dos jogos do pensamento, não os pendura nas paredes da alma.


A verdade não nos leva a nada além do inútil vicio da verdade. Mas aquilo que nos faz livres são as dúvidas e inquietações que não se intimidam com a autoridade de qualquer livro, que ignoram as molduras do pensamento, mas buscam a sua essência na folha em branco.

segunda-feira, 6 de novembro de 2017

VIDA E EXPERIENCIA DO REAL



O vivido é o ponto de chegada da experiência e não o seu ponto de partida. Pois aquilo que é vivenciado só ganha forma e significado na medida em que é representado. Antes disso o vivido é puro e cego reflexo do exterior, mero automatismo.


O vivido é um campo complexo da consciência do real que não remete propriamente a ação e a sua experiência, mas aquilo que lhe atribuímos posteriormente como significado. Posso simplesmente atravessar uma rua visando chegar a algum lugar. Isso é diferente de atravessar determinada rua, em determinado dia e ocasião. A valoração da experiência é o que lhe define como tal no jogo simbólico da representação dos nossos próprios atos. 

O QUE É UM ACONTECIMENTO?


Um acontecimento não se reduz a sua materialização como evento concreto. Pode-se dizer que é um processo em grande parte virtual. Mesmo que não definido por qualquer causalidade, mas pela simultaneidade de determinados eventos.
Como, afinal, poderia uma coisa acontecer fora da simultaneidade de tantos outros acontecimentos? A multiplicidade é sua característica mais elementar. Por isso pouco entendemos um acontecimento, pois geralmente não estabelecemos sua rede de relações, não percebemos que um acontecimento só é pleno na medida em que estabelece uma descontinuidade dentro de uma cadeia de eventos, criando uma situação inédita. Assim, um fato não é necessariamente um acontecimento, mas a continuidade de uma cadeia de eventos.
Um acontecimento não tem sujeito, é devir que liga um passado e um presente saltando para o futuro. Ele é uma singularidade que personifica o desdobramento da própria vida como movimento que nos ultrapassa, como algo que não se curva a nossa previsibilidade e muito menos a nossas apostas e certezas teleológicas. Fatos criam continuidades, acontecimentos inventam o inédito através da acausalidade.







DEVIR E AGENCIAMENTO

Busco a palavra que me faça
Um devir água, 
Um devir folha, 
Um devir animal ou inseto,
Que me ponha novamente
Em movimento
contra as inercias deste vazio
de ser gente.

DO TEMPO AO TEMPO

Tudo que precisava era de tempo.
Tempo para trabalhar,
Para viver, viajar,
Amar, sofrer e gritar.
Precisava de tempo
Para dormir mais um pouco
E até para esquecer o tempo.
O tempo nunca era suficiente.
E, apesar de toda perda de tempo,
Sempre reclamava da falta de tempo.

SOBRE ESCREVER


Escrever depende da nossa capacidade de escutar silêncios no âmago do cotidiano. Não se trata de usar as palavras para dizer qualquer coisa da qual a fala não dá conta entre o signo e o simbolo.

É preciso calar a si mesmo para escrever, contemplar imprudente vazios e absurdos dentro da gente até que as palavras alcancem o limite do significado.

Escrever é uma situação extrema, uma vertigem que ameaça nossa própria existência. São muito raras as pessoas que sabem escrever.

terça-feira, 31 de outubro de 2017

O PARADOXO DE UMA AUSÊNCIA

A existência nos ultrapassa como indivíduos
Tudo que pensamos, sentimos ou dizemos
é um ato impessoal de imaginação.
Só podemos ser compreendidos
Na medida em que nos apagamos
No falar mais íntimo e profundo
Das representações.
O eu é o paradoxo de uma ausência.

SER E ENUNCIAÇÃO

O Ser da linguagem é o vazio do homem como significante. Somos para nossos enunciados como receptáculos descartáveis de sentido. Pois o lugar do humano é o não sentido. Somos pensados pelas palavras e existimos de modo humano apenas onde ela existe. Aquilo que eu digo é onde eu existo.

segunda-feira, 30 de outubro de 2017

CORPO E REALIDADE

A realidade é uma condição fisiológica e não uma objetividade, algo que independentemente de nós existe como exterioridade. Por isso o mundo é sempre  como tal  nos parece possível.

Mesmo o "eu" que percebe  e pensa é tão virtual quanto as linguagens que o configuram. Em outras palavras, o corpo é a medida da realidade.

domingo, 29 de outubro de 2017

O TEATRO DO VERBO

Quando alguém acorda a vida das palavras, escreve sempre algo mais do que quer dizer. As palavras inventam o autor como um ator do  grande teatro dos significados.  Tudo que importa é a encenação dos enunciados inventando um enredo mais verdadeiro do que a própria existência. Mas raramente nos danos conta do quanto habitamos um mundo que a palavra inventa.

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

A INUTILIDADE DA TAGARELICE

“...do mesmo modo que vinho, que foi inventado para o prazer e para a boa convivência, é transformado por aqueles que são forçados a bebê-lo muito e sem mistura num veneno intragável, assim também a linguagem, o mais agradável  e o mais humano dos símbolos, torna-se, por aqueles que o empregam mal e negligentemente, inumana e insociável: julgando-se encantadores, eles são enfadonhos; admiráveis, eles são ridículos; amáveis, eles são desagradáveis. Do mesmo modo que aquele que, pela insígnia mágica, repelindo e afastando seus companheiros, é privado de encanto, assim também aquele que, pela palavra, mostra-se enfadonho e odioso é verdadeiramente sem estilo e sem arte.”
Plutarco in Sobre a Tagarelice


Ninguém nunca tem a palavra final em uma discussão. As boas discussões, aliais, nunca terminam. Pode-se chegar ao silencio sobre a polêmica, mas nunca a sua conclusão. Afinal, ninguém é convencido de um ponto de vista contrário. Estamos inclinados a cultivar desentendimentos, seja por vaidade ou por mera teimosia. Sempre há um componente irracional na adesão a um ponto de vista ou convicção. Por isso é conveniente evitar discussões, muito embora isso não elimine as diferenças ou antipatias. O grande mal é sempre a tagarelice, o dizer sem escutar. A compulsão em falar e opinar é mais forte do que a faculdade de pensar. É por isso que nos distanciamos uns dos outros quando nos engalfinhamos em polêmicas que nos transcendem e que jamais conduziremos individualmente a bom termo sem um pouco de renuncia a nossas certezas. É sempre oportuna a capacidade de escutar os silêncios que povoam todo dialogo.

Um texto realmente divertido e ainda útil de Plutarco, filosofo e prosador grego que  viveu entre os anos 45 e 120 da chamada era cristã, é seu pequeno tratado Sobre a Tagarelice. Trata-se de um elogio ao silêncio que nos oferece uma arte de bem conversar. Segundo ele, diante de qualquer pergunta, há sempre três tipos de resposta: o necessário, o amável e o supérfluo. Que a medida daquele que responde seja a intenção daquele que perguntou. Pois é saudável evitar a vaidade  e a futilidade tanto nas palavras quanto nos atos. Por isso é prudente  cultivar o hábito de calar em uma conversa até que todos tenham renunciado a responde. Só assim é possível interrogar as pessoas sem requerer respostas.

Afinal, o que é a tagarelice além de uma surdez voluntária? A incapacidade de se calar também é uma incapacidade de ouvir.


O TEMPO A CONTRAPELO

As experiências estendidas
Sobre o espaço desmembrado
Na extensão do tempo
Inventam o passado.

Hoje é tarde,
Quase agora.
Não confie no seu relógio.
Ele mente mais do que o calendário.

O futuro apenas nos conduz ao passado.

segunda-feira, 23 de outubro de 2017

A ESCRITA COMO LABIRINTO

"...Se fosse um escritor, só falaria a partir da minha própria linguagem e no encantamento de sua existência hoje. Não sou nem uma coisa nem outra, estou nessa distância entre o discurso dos outros e o meu. E meu discurso nada mais é do que a distância que tomo, que meço, que acolho entre o discurso dos outros e o meu. Nesse sentido, meu discurso não existe, e é por isso que não tenho de modo algum a intenção nem a pretensão de fazer uma obra. Sou o agrimensor dessas distâncias, e meu discurso não é mais que o metro absolutamente relativo e precário por meio do qual meço todo esse sistema de afastamento e de diferença. Medir a diferença com aquilo que não somos, é nisso que exerço minha linguagem e é por isso que lhe dizia agora há pouco que escrever é perder seu próprio rosto, perder sua própria existência. Não escrevo para dar à minha existência a solidez de monumento. Tento antes reabsorver minha própria existência na distância que a separa da morte e, provavelmente, por isso mesmo, a guia para morte."
Michel Foucault in O Belo Perigo. Conversas com Claude Bonnefoy

Escrever sempre foi para mim uma forma de me perder através da abstrata geografia deste estranho artifício humano chamado linguagem. Aprendi desde cedo a viver um desencontro sempre renovado entre o dizer e o ser lidando com o tempo e a morte no acontecer de mim mesmo.
O ser da linguagem nos absorve quando nos rendemos a escrita, torna-se extra territoriedade onde a imaginação inventa seus próprios fatos futucando a nervura do real. Escrever é uma estratégia de estranhamento do cotidianamente dado, do ordinário dos signos e símbolos.
Não posso ser naquilo que escrevo ou penso, pois todo meu discurso reinventa velhas leituras na transpessoalidade da existência onde as coisas transfiguradas em linguagem se dobram sobre si mesmas.
Ninguém inventa seus próprios discursos, apenas se perde em um labirinto de significados e enunciados se tornando instancia de significação ao vestir a persona autoral. Mas aquilo que ´é próprio da linguagem sempre nos escapa através dos significados....

sábado, 21 de outubro de 2017

CULTURA URBANA

A vida na cidade é um viver para o exterior. A cidade em suas funções e paisagens abriga a diversidade, o fluxo constante de indivíduos e uma variedade vertiginosa de estratégias de  produção de sentido e atividades. O habitante da cidade  esta quase sempre a céu aberto. O espaço privado, os interiores se acoplam ao cotidiano cidadino quase como um apêndice da vida publica em suas redes de deslocamentos.

Habitamos pessoas e lugares. As ruas são como veias abertas no corpo feminino da Urbes que cada vez menos pode ser definida a partir de qualquer identidade. Sua geografia é o remendo de diversas referencias territoriais e funcionais desenhadas pelas vias expressas que nos levam de uma parte a outra. A cidade é nômade. Mesmo que nosso sedentarismo privado faça parecer o contrário.

A cidade é sempre lugar de comercio de coisas e pessoas, de fluxos e representações.  A cidade é essencialmente movimento. Dentro dela nos sentimos pequenos, insignificantes na multidão.  Sabemos que sempre estamos sendo observados, reconhecidos pelo enquadramento simbólico e não por quem somos. No espaço urbano ninguém é ninguém. Tudo é imediata geografia simbólica, espetáculo e simulacro.


SOBRE OS LIMITES DO CONHECIMENTO

“Armamos para nós um mundo, em que podemos viver-ao admitirmos corpos, linhas, superfícies, causas e efeitos, movimento e repouso, forma e conteúdo: sem estes artigos de fé ninguém toleraria agora viver! Mas com isso ainda não são nada de demonstrado. A vida não é argumento; entre as condições da vida poderia estar o erro.”
F. Nietzsche in A Gaia Ciência

O uso do conhecimento é diferente da crença no conhecimento.  Posso valorizar um determinado saber sem lhe converter em uma chave absoluta de compreensão. Meu modo de codificar a realidade não reduz o conhecimento em um filtro e instancia de julgamento.  O toma mais como um instrumento do que como  uma espécie de revelação.
Não é prudente reduzir o mundo aos enunciados de qualquer forma de conhecimento filosófico ou cientifico.  Deve-se  mesmo descartar o ideal de um domínio racional absoluto da realidade, pois a realidade não pode ser reduzida a razão.Não existe um mundo verdade a ser revelado a nossa consciência. Toda imagem de mundo e realidade é um capricho sempre provisório da imaginação.


PROBLEMA EXISTENCIAL

Adivinho o que sinto através do saber das coisas.
Mas tudo que sei é incerto, raso e abstrato.
Apenas o que vivo é concreto,
Mesmo que ilegível dentro do que sinto.
Estou perdido em um dilema abstrato
Onde saber e sentir engendram o querer
Como fácil resultado de uma falsa equação.

Penso porque sinto onde não existo.

terça-feira, 17 de outubro de 2017

DUALISMO

O corpo acontece
entre a reflexão e o reflexo,
inventa o ato
abstrato e concreto
de sua própria ilusão
quando resume em si mesmo
todo o possível da realidade
entre razão e desrazão.

OS LIMITES DA LINGUAGEM

Sigo onde não há sujeito ou objeto. Apenas o devir de imagens, afetos e representações abstratas.
Sigo onde tudo é imperfeito...
A consciência é precária e se perde nos abismos da linguagem, nas falhas do meu dizer pequeno.
Conceitos  e representações são como bolas de sabão. 
Os discursos são paisagens, geografia existencial.
A narrativa é o lugar nenhum da existência como espelho de um corpo vivo.
Por isso pouco me importo com tudo aquilo que pode ser dito.

segunda-feira, 9 de outubro de 2017

O PROBLEMA CONTEMPORÂNEO DA AMIZADE

O cuidado com o outro é indispensável ao cuidado de si. Por isso não é de surpreender o lugar fundamental que a amizade ocupa na obra tardia  de Foucault. Em sua reflexão sobre sexualidade ele vai além da dicotomia entre eros e philia  e estabelece uma ética da amizade que ultrapassa a perspectiva individual, a centralidade do sujeito e do egocentrismo, avançando para  praticas de subjetivação baseadas em  novas modalidades relacionais não normativas. Tal tema , que remonta a antiguidade, portanto, também afeta relacionamentos héteros, embora no último volume da História da Sexualidade tenham privilegiado o  homossexualismo. Afinal, a reflexão de Foucault aponta para uma nova forma de sociedade não centradas  no erotismo.

Se os vínculos orgânicos definidos pelas relações sociais comunitárias baseadas no funcionalismo de personas hoje já não fazem mais sentido, a amizade emerge  como um campo de experimentações de vínculos estabelecidos pelo prazer e, ao mesmo tempo, como reabilitação da sociabilidade enquanto construção de si e de uma “cultura de existência”, como uma nova ética que despersonificando os sujeitos inventa a vida como o desafio do inédito.

A amizade não é uma relação privada, mas um campo de circulação de significados e sentidos coletivos onde cada um de nós inventa o outro como parte de si mesmo.



sexta-feira, 6 de outubro de 2017

AGENCIAMENTO E IMANÊNCIA

Em Deleuze o conceito de agenciamento entrelaça um regime de signos com um conjunto de relações materiais correspondentes. A existência, enquanto imanência, acontece através de variados  agenciamentos sociais definidos por códigos específicos. Todo agenciamento remete ao campo do desejo, sob o qual se constiui na polaridade entre a forma de maquina abstrata (instituições) e das relações de força. Os agenciamentos produzem os enunciados que são um jogo do fora de nós, do coletivo. Assim, não existe sujeito do enunciado.
Como Deleuze define em seus Dialogos com Claire Parnet

“O que é um agenciamento? É uma multiplicidade que comporta muitos termos heterogêneos e que estabelece ligações, relações entre eles, através das idades, sexos, reinos - de naturezas diferentes. Assim, a única unidade do agenciamento é o co-funcionamento: é a simbiose, uma ‘simpatia’”.

Como experiência da imanência os agenciamentos assim se caracterizam:

"Segundo um primeiro eixo, horizontal, um agenciamento comporta dois segmentos, um de conteúdo, outro de ex­pressão. De um lado ele é agenciamento maquínico de cor­pos, de ações e de paixões, mistura de corpos reagindo uns sobre os outros; de outro, agenciamento coletivo de enunciação, de atos e de enunciados, transformações incorpóreas atri­buindo-se aos corpos. Mas, segundo um eixo vertical ori­entado, o agenciamento tem ao mesmo tempo lados territo­riais ou reterritorializados, que o estabilizam, e pontas de desterritorialização que o impelem." 

Não há fronteira definida entre o subjetivo e o mecânico 

na abstração do agente que intervém no mundo, que 

estabelece seu contorno através da construção do 

sentido, através do vagante de mutações imagéticas que

 nos configuram em meio ao devir coletivo como 

territorialização constantemente impelida a sua própria 

transcendência.




Todo desejo é maquinado ou agenciado revela o 

estatuto paradoxal de qualquer acontecimento possível. 

Como apontado no inicio, o agenciamento remete a uma 

reciprocidade entre a 

forma do conteúdo (regime maquínico) e a forma de 

expressão (regime de signos).