quarta-feira, 31 de agosto de 2016

SOBRE O POUCO DIZER DAS COISAS

Dentre todas as possibilidades da minha cotidiana gramática da existência, escolhi os vácuos entre os silêncios para dizer quase nada. Melhor ser econômico com os pensamentos e não carrega-los com conceitos, teses, premissas ou conclusões fáceis e sistemáticas. Melhor passear a deriva entre uma e outra incerteza. Nenhuma verdade há de mudar o mundo. Então, por que me preocupar com o rigor do texto e o poder das minhas formulações? Pensar dever ser antes de tudo uma recreação, um esquecer de si mesmo. Não uma prisão ou o pathos de um intelecto que já não se reconhece nas pequenas e gratuitas coisas do mundo. 


A realidade não faz sentido. É puro entrelaçamento de acasos e erros que contrariam toda intencionalidade possível. Por isso não devemos ser escravos de nossas convicções. Tenho muito pouco a dizer que vale realmente a pena  ser ouvido.

segunda-feira, 29 de agosto de 2016

ALÉM DA DICOTOMIA SOCIEDADE/INDIVÍDUO

O eu é hoje um principio social tão decisivo que  não mais reconhecermos fronteiras muito nítidas entre nossa condição privada (pessoal) e pública (impessoal). 

Enquanto indivíduos não somos capazes de estabelecer uma relação com nós mesmos sem tender ao outro, ao que esta fora de nós. Assim, seria possível falar de uma zona irracional de interseção entre o individual e o coletivo. Simplesmente não podemos nos situar em relação ao primeiro sem nos inscrever no segundo.

Neste sentido, é saudável romper com a dicotomia construida pela modernidade entre o individual e o coletivo, pois existimos em individuação, em um cuidado de si que é também um saber e ser no mundo.

A intersubjetividade e as sociabilidades não se limitam a um pertencimento mecânico do individuo singular a uma comunidade ou sociedade. As paixões coletivas são geradas no plano dos sentimentos individuais. Já na micro-física de nossa intimidade,  ainda estamos longe de racionalizações que esgotem aquilo que cotidianamente nos faz humanos,  o retraimento e a futilidade que nos é imposto pelo nosso mais imediato "agir privado". Cabe hoje redefinir o campo da intimidade e seus protocolos irracionais. Quem somos quando não estamos em público revela o tipo de mascaras sociais que precisamos.


A IMAGINAÇÃO OCEÂNICA

Uma das minhas fantasias mais inspiradoras é a de descobrir uma “imaginação oceânica”, ampla, que nos inscreva no sentimento contraditório de existir como uma gota no oceano. Tal percepção subjetiva da nossa insignificância objetiva poderia conduzir a uma codificação menos confiante e mais realista de nossa condição humana. Aprenderíamos  a não nos levar demasiadamente a serio, a não proporcionar as situações cotidianas mais importância do que aquela que elas de fato possuem.


Não nos sentiríamos obrigados a viver e a pensar como deuses e muito menos a contar com qualquer forma de providencia na administração cotidiana da existência. Apenas não saberiamos que não somos especiais e o único sentido das coisas é sua assombrosa falta de sentido.

 A  imaginação oceânica nos minaria a vaidade e o excesso de confiança. Mas nos daria em troca uma certa n serenidade descrente, uma espécie de “descaso ontológico”. Não se trata de um caminho para a felicidade, mas para uma intensidade da experiência banal. Pois aprenderíamos, finalmente, que tudo o que pode ser vivido é superficial e transitório.

O CONCEITO DE BEM ESTAR

O sentimento de bem estar, ou seja, o estado de satisfação com a vida, carece de uma definição objetiva. Atualmente é muito comum vincular bem estar à qualidade de vida e, portanto, reduzi-lo a um determinado padrão de consumo ou ethos fundado em praticas endossadas pelos profissionais de saúde.


 Mas bem estar é algo muito mais sutil que podemos vincular a um determinado estado psíquico que não se vincula a ausência de problemas. Em outros termos, bem estar não é um sinônimo de felicidade e não se define exatamente como satisfação pessoal. Poder-se-ia, neste caso, falar de uma capacidade de manter a integridade psíquica frente aos fatos da existência sem deixar-se dominar por eles. Viver uma vida plena de sentido, estar plenamente no mundo, em sua imediaticidade e perenidade. Isso é aqui o que se entende por bem estar: A plena experiência de finitude.

quinta-feira, 25 de agosto de 2016

FANTASIA


Sinto falta do brilho que as coisas tinham
quando  vivia das minhas infâncias.
Cada simples momento era intenso
Na experiência do pleno sentido da realidade.

Sabia a simplicidade dos acontecimentos,
O sentimento sereno de perceber dentro de mim mesmo
O mundo inteiro.

Tudo era seguro, possível e razoável no correr da vida.
Não sabia grandes duvidas ou angustias
Em meus dias.
A felicidade estava sempre ao alcance da mão.
Mesmo quando me sentia triste.

Sinto falta do brilho que não se via
Mas reinventava meu sentimento das coisas.



quarta-feira, 24 de agosto de 2016

UM BOM LIVRO

Um leitor passivo se apropria de um livro apenas para confirmar aquilo que pensa e sente e que jamais foi capaz de materializar como narrativa. Todo texto é refém de interpretações, mas não se deixa escravizar por elas. Pode-se dizer que nenhuma leitura esgota um bom livro. Ele transcende o real como acontecimento para abstrai-lo como uma rede de imagens e significados que extrapolam o imediato da vivencia cotidiana. O sentido de um bom livro é, portanto, propiciar através da imaginação, uma experiência de evasão e degredo de tudo aquilo que vivemos como imediato.

terça-feira, 23 de agosto de 2016

SOBRE O SILÊNCIO QUE HABITA AS PALAVRAS

O mundo existe na palavra compartilhada,
Mas é essencialmente silencio.
No fundo escutamos pouco uns aos outros.
O entendimento é aquela vivencia comum
Compartilhada por todos
Que ofusca o dizer  privado dos dias.
Mas o sentir não cabe em palavras,
É essencialmente corpo.
Corpo onde a voz se revela
Escondendo a experiência incomum
Onde inventamos a gramatica de nossa individualidade.
Não me julguem pelo que digo.

Tentem escutar meus silêncios.

FABULAÇÃO LITERÁRIA HOJE: ESCREVER PARA NÃO ENLOUQUECER

A capacidade de narrar, de inventar imagens literárias, tornou-se um inadequado exercício a existência  comum. Quando mais absurda a natureza de uma história, mais profundamente ela nos inspira o desconforto com a realidade e  assim revela-se fiel  a contemporaneidade do dizer literário.

O que é literatura hoje? Apenas vertigem e mau estar...O desconforto é tudo que nos resta buscar em um texto ficcional. Logo, ele não nos ensina nada, não  pretende nada... É um entretenimento gratuito e banal como um filme B.

Cada livro deve ser o colapso de alguma certeza, de algum sentimento ou sonho. Nem mesmo a forma romance me parece ainda uma estratégia narrativa valida por sua tendência natural à teleologia de um eu racional.


A fabulação literária, como Bukowiski afirmava,  deve ser apenas uma compulsão, um modo de salvar o próprio rabo ou, simplesmente, uma forma de terapia contra o peso da realidade vivida e pensada.

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

NADA ESTÁ SOB CONTROLE

A margem dos acontecimentos existe todo um micro universo de fatos  que afetam o mais imediato do  nosso acontecer como  indivíduos. Falo daqueles acidentes  que em um  milésimo de segundo redefinem o rumo das coisas. Pode ser um desvio na estrada, um esquecimento, ou qualquer imprevisto que nos leve a situações  que contrariam todas as expectativas e planejamentos. Não são raras as pessoas que guardam boas histórias  sobre  acidentes e situações inesperadas.

A verdade é que nem sempre nossas vidas fazem sentido, nem tudo pode ser codificado de modo racional ou objetivado  mediante um encadeamento de causalidades. O aleatório e o não sentido  fazem parte de nossas biografias,deforma surpreendentemente decisiva quando pensamos no modo como certas coisas acontecem.Esta ausência de significado, este  silencio teleológico, é o que torna no fundo a existência interessante. Nada está sob controle...


terça-feira, 16 de agosto de 2016

MEMÓRIA DA PÓS IDENTIDADE

Minhas lembranças não valem  um instante de agora,
Não valem as marcas das perdas sofridas,
As saudades e as vontades quebradas
Cujos cacos se espalharam  pela realidade.

Como pesa a memória sobre os meus  ombros....
Quase tornam viver indesejável a sombra de tanto passado.
Mas o futuro não me proporcionará  mais do que ontem.

Tudo que me resta agora é inventar quem fui

Para saber onde estou e depois me esquecer.

INTENCIONALIDADE

Desconheço a vontade que me conduz adiante,
Que me faz tentar enxergar mais longe
Até o ponto de me perder do chão.
Mas ela me move e faz acontecer à vida
Apesar de todas as minhas inercias.
Quase não penso nela.
Apenas deixo que ela aconteça
Como uma segunda pessoa
Dentro do meu corpo
Inventado outras teleologias.
Não tento antecipar o significado dos meus atos,
Nem imprimo grandes intenções ao exercício da minha vontade.
Na maior parte do tempo apenas aconteço.


segunda-feira, 15 de agosto de 2016

INDIVÍDUO E LINGUAGEM

Nossas habilidades cognitivas não são inatas, mas uma consequência do domínio da linguagem e da capacidade de abstrações simbólicas. O que é o mesmo que dizer que o que torna o pensamento possível é a linguagem. Pois ele acontece através de  seu exercício.

Mesmo considerando que cada ser humano nasce com uma capacidade minima para interpretar e interagir com os estímulos do mundo exterior a partir de certa intencionalidade rudimentar, cabe ponderar que sem a base logica conceitual do pensar intencional mais sofisticado, não é possível estabelecer uma imagem de mundo que torne a realidade  inteligível a partir de alguma crença instrumental.

A possibilidade da ação, a  racionalização ou direcionamento objetivo da vontade através de escolhas, pressupõe a interiorização de uma imagem consensual de realidade no plano linguístico.

 Mas isso não significa que somos formatados por simulacros racionais em nossa relação com a realidade. O componente subjetivo, a fantasia, insere-se em nosso aparato cognitivo de modo privilegiado. Caso fizéssemos a diversas pessoas provenientes de lugares diferentes, e com variados graus de instrução e histórico vivencial,  diversas sobre perguntas abstratas como o sentido e o significado da vida , obteríamos respostas provavelmente peculiares a cada um.
 A forma  como estabelecemos uma leitura pessoal da realidade, mesmo compartilhando um só  instrumental linguístico cognitivo, aponta para o fato de que cada personalidade é um arranjo  único de consciência.  

Somos corpo, voz e palavra. Isso define nossa singularidade enquanto indivíduos, nosso modo próprio de acontecer no mundo. Mas, ao mesmo tempo, por si só, não é isso que nos proporciona distinção ou assegura a singularidade. Pois esta se estabelece na relação com os outros na medida em que compartilhamos um arranjo singular de realidade e de mundo, uma forma própria de codificar o real.


sexta-feira, 12 de agosto de 2016

ANTI DOGMATISMO

Já não carrego grandes verdades no bolso.
Nem mesmo tenho uma carteira de identidade.
Estou farto de princípios e definições.
Quero ser livre do peso de todas as certezas
E não ter qualquer compromisso com as boas opiniões.
A vida não cabe em qualquer pensamento
E preciso de algumas duvidas
Para respirar liberdade.
Não sou destes que vivem binários
Oscilando entre o sim e o não.



terça-feira, 9 de agosto de 2016

A INDETERMINAÇÃO DO DESTINO


Não sei se existe liberdade nas pré fabricadas escolhas que moldam meu cotidiano, meu destino e possibilidades. As circunstancias sempre definem a vida, Mas  não determinam  o que sinto. Como todo indivíduo eu porto a possibilidade do inesperado, do inédito que pode de repente mudar o rumo de todos, reescrever o cotidiano e sorrir ao futuro.

Não se trata aqui de livre arbítrio, mas da invenção de si mesmo como uma equação complexa de variáveis diversas. Mesmo quando a realidade fala mais alto do que o desejo, há sempre a opção do  degredo em sonhos e devaneios que nos conduzem além de nós mesmos.

Por isso categoricamente me oponho a todos os determinismos e absolutismos. Não sou um dado objetivo, mas uma auto invenção e reinvenção constante de mim mesmo. Minha mente é a medida de todas as coisas...

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

PARA UMA FILOSOFIA DO CORPO

As  manifestações  linguísticas de nossas vivências privadas são banais, mesmo quando pretendem profundidade.   Falo aqui da publicidade cotidiana  de um “eu” que não se realiza no jogo semântico . Sempre guardamos  algum voluntário ou involuntário silêncio quando falamos  sobre nós mesmos. Não há como fugir disso, pois o próprio “eu” do discurso se edifica a partir de indeterminações e fronteiras ontológicas.  Entre o biológico e o artifício cultural este eu se afirma a margem da natureza, revela nossa incapacidade de codificar a realidade enquanto totalidade de fenômenos abstratos inscritos em um corpo vivo inspirado por pulsões. Sempre nos movemos no campo das idealizações abstratas e parciais.

Assim, é preciso que se diga, que a saúde física é mais essencial do que qualquer  representação ideal  de felicidade. Mesmo quando infelizes, é essencial a manutenção de nossa integridade física, pois dela sempre depende a possibilidade de nosso acontecer no mundo. Claro que um corpo no pleno gozo de suas funções não nos torna mentalmente saudáveis ou garante uma existência criativa e fecunda.


O corpo é a medida de tudo aquilo que somos, o meio, o fim e o principio de nossa condição humana. Cada um é em todos os sentidos seu corpo e, através dele, sua voz entre os outros como testemunho de sua singularidade e ação. O próprio pensamento torna-se um fenômeno físico através de nossos atos.

quarta-feira, 3 de agosto de 2016

CORPO E SIGNIFICADO

A fala e o pensamento reinventam o corpo
Através do significado que traduz o gesto,
O movimento de ser para o outro do mundo
Na mera expressão de mim mesmo.

Toda a condição humana
Não passa de um ato linguístico
Onde a vida se define como envolvimento,

Ato e relação.

Do eu ao outro...
aconteço.

terça-feira, 2 de agosto de 2016

POESIA É APENAS POESIA

É certo que a poesia nunca mudará o mundo.
Poemas não  corrigem erros
Ou transformam a realidade.

Poemas são apenas poemas;
Mas são mais que palavras...
Há algo neles que nos preserva da vida,
Dos absurdos e silêncios da realidade.

A poesia não muda o mundo,
Mas transform palavras
E, quem sabe,
inventa um pouco as pessoas.


HANNAH ARENDT E A DIGNIDADE DA POLITICA

“Essa falta de significado não é um problema inventado. É um fato real que experimentaríamos todos os dias se nos déssemos ao trabalho de não apenas ler o jornal, mas também, por indignação com a balbúrdia em que se transformaram todos os problemas políticos, de levantar a questão de como, dada essa situação, as coisas poderiam ser feitas de forma melhor.”

ARENDT, Hannah. A Promessa da Política. Rio de Janeiro: DIFEL, 2008.

Qualquer intervenção em um mundo comprometido em suas significações deve recusar o terreno das idealizações e utopias sociais. Mais do que isso, deve partir do banal, da micro realidade do existir cotidiano, para recodificar o mundo que existe em cada indivíduo. Pois a simples manutenção da existência privada e o consumo de bens aprisionou o eu a suas próprias imagens, o afastou do plano da ação politica ao colocar-se no centro de nossas preocupações coletivas.


Quando o ciclo produtivo se tornou a suprema preocupação da sociedade moderna  a politica deixa de garantir a vida em seu sentido mais amplo, parou de se ocupar do mundo e se degenerou na simples consideração da produção e reprodução material da existência, afastando-se de qualquer ideal de liberdade.


A CONDIÇÃO PÓS MODERNA E O FLUXO DO AGORA

A imersão na contemporaneidade, no moderno como imediato agora onde o simples instante se faz eternidade submergindo a consciência, é o que nos induz ao transe da inflação de todos os cinco sentidos.

Tudo que importa é o fluxo frenético do raso de experiências que inventam subjetividades desfocadas.

A tradição e a verdade apodrecem na geladeira da História enquanto cozinhamos o futuro em fogo brando.

Nada mais importa muito, nem mesmo nossas vidas presas no espelho.


SOBRE O O LADO DE FORA DAS PALAVRAS

“A palavra não é desprovida de sentido, já que atrás dela existe uma operação categorial, mas ela não tem esse sentido, não o possui, é o pensamento que tem um sentido, e a palavra continua a ser um invólucro vazio (...), a linguagem é apenas um acompanhamento exterior do pensamento” 
Merleau-Ponty

 Nascemos do mundo e nascemos no mundo. Esta ambiguidade nos define como seres viventes inventando cotidianamente a realidade , antes de tudo, como um fato gramatical, como narrativa.
A palavra é o mundo que só existe na medida em que o digo, em que o significo. Existe , portanto, uma exraterrtoriedade da palavra que é sua dimensão de experiência, de consciencia da coisas. Mesmo que toda a possibilidade de ser só tem realidade através de nossos enunciados.


segunda-feira, 1 de agosto de 2016

SOBRE A DECADÊNCIA DO DIÁLOGO

Uma condição para realização de um dialogo é o compartilhamento de determinados pressupostos comuns que tornem possível o entendimento mútuo. É necessário que o existe certa cumplicidade conceitual ou gramatical  entre os  interlocutores. Mas hoje em dia  tal coisa não acontece muito frequentemente na arena da vida  concreta. São cada vez mais diversas as possibilidades de codificação da realidade que chego a duvidar as vezes se habitamos todos o mesmo mundo. Por  isso predominam os dissensos  e antagonismos. Diálogos autênticos são cada vez mais raros...