quinta-feira, 31 de março de 2016

OS LIMITES CONTEMPORÂNEOS DO LÚDICO

A ludicidade é um dos traços mais marcantes da cultura contemporânea. Através das redes sociais, cinema, jogos digitais, dentre outros artifícios, dedicamos muito tempo a evasão e ao lúdico como forma de expressão e construção de nossa subjetividade.

Mas a ludicidade encontra-se ironicamente cada vez menos vinculado a  um sentimento de espontaneidade e liberdade. Nos exemplos aqui citados observamos a mera reprodução de um comportamento mimético, coletivamente induzido por um cultura de massas que tende a normatização e padronização comportamental. Nossa espontaneidade é cada vez menos espontânea. O que não deve surpreender, pois o  termo lúdico é um sinônimo de jogo, remete a um  sistema de regras e objetivos. Atividades que se esgotam em si mesmas e sem implicações pragmáticas no cotidiano social, embora convencionalmente associadas a prazer e diversão, pressupõe alguma disciplina e direcionamento.


A criatividade moldada pela massificação castra o desenvolvimento do indivíduo reduzindo-o a uma unidade replicante de praticas e referencias culturais impessoais que dispensam a criatividade e o irracional como principio do exercício  da ludicidade. 

O JOGO DA VIDA

Algumas mínimas certezas...
É tudo do que precisamos
para suportar o mundo
e inventar a vida
como um jogo de signos
e símbolos.
Procure a chave
que esclarece a porta
Enquanto a pergunta
inventa a resposta.
Todas as questões
já estão dadas.
Apenas leia os vazios
entre nossas existências.

terça-feira, 29 de março de 2016

INDIVIDUALIDADE

Sei que sou invisível ao mundo em minha individualidade convulsa. Não passo de mais um rosto afogado na multidão. Entretanto, considero apenas o fato de que o mundo não cabe nesta pouca coisa que sou. Isso é tudo que me importa na orquestração dos atos contra os fatos que me definem no  anonimato cotidiano das ruas.  Realizo através dos  meus tantos eus  minha  mais limitada e concreta finitude.

segunda-feira, 28 de março de 2016

UM SONHO SOBRE FANTASMAS

Havia sonhado com fantasmas na noite passada. No sonho eu havia ido a uma festa. Mas havia chegado muito cedo ao local e a anfitriã me recebeu naquele estranho casarão colonial com formal cordialidade. Ela me conduziu a cozinha onde serviu uma pequena refeição  para ninguém. Depositou o prato em uma mesa vazia e voltou sua atenção para mim em seguida. Percebendo  minha aparente perplexidade diante do fato, me questionou se eu não podia vê-lo...

Depois disso comecei a enxergar pessoas portando trajes do século XIX em todas as partes.  Não eram exatamente aparições, estavam ali vivendo seu cotidiano indiferentes a mim. Mas eu sabia que não se tratava de uma viagem no tempo. Aquelas pessoas e seu tempo estava ali agora, simultaneamente ao meu presente.

Em dado momento uma delas me percebeu e atirou um objeto qualquer na minha direção.  Chamou minha atenção sua expressão de espanto quando o objeto arremessado simplesmente me atravessou.
O sonho sugeria  a ideia de que o passado continua acontecendo paralelamente ao tempo presente, como se em uma outra dimensão normalmente invisível.

Evidentemente, não estou formulando aqui qualquer teoria absurda sobre vida após a morte, mas apenas descrevendo uma curiosa experiência onírica, uma fantasia irracional. O que realmente me parece estar aqui em jogo é minha obsessão pelo passado, minha incapacidade de aceitar o simples fato objetivo de que a finitude e o devir configuram toda experiência  humana.


segunda-feira, 21 de março de 2016

ESCAPISMO

Tudo que eu mais precisava
era de um fortuito desencontro
com todas as coisas
na serenidade dos meus desenraizamentos.
Era urgente fugir as obrigações,
responsabilidades e ilusões de dia a dia.
Precisava me despir de todas as certezas
e explicações.
Sair por ai como um ninguém,
me perder dos outros

e do mundo.

sexta-feira, 18 de março de 2016

FORTUNA

Triunfalismos sempre nos conduzem a derrotas.
Pois não há vitória que não se reverta.
Alternamos posições na roda da fortuna
e o dia depois do outro
é nossa  única certeza .
Não recomendo, portanto,
o engodo da felicidade.
Não estamos destinados ao sucesso,
mas a arte de reinventar
constantemente o possível
sem grandes expectativas.


terça-feira, 15 de março de 2016

ANOTAÇÕES SOBRE WATCHMEN

Watchmen representa para mim uma das mais ousadas experiências já realizadas no campo das Histórias em Quadrinhos. Mas seria redundante falar sobre a originalidade da trama que  revela os aspectos sombrios do mundo dos super- heróis.  Nenhum dos personagens de Allan Moore e David Gibbons são exemplos morais, todos demonstram fragilidades, fraquezas, contradições e dilemas. Embora, de um modo geral, se considerem de alguma maneira acima dos simples mortais e imponham a sociedade seus próprios  paradigmas.

O cenário de guerra fria que serve de pano de fundo a história, ambientada nos anos 70/80, associada à iminência de uma terceira guerra mundial, sugere um mundo amoral e decadente onde os super- heróis, que tomam para si o papel de seus salvadores,  acabam se revelando como agentes de suas  contradições. Assim, os heróis de Moore não são virtuosos ou dignos de admiração, são perturbadores por sua radical e conturbada humanidade.

Os dilemas filosóficos do Dr. Manhattan, o singelo e ingênuo romance entre Espectral e o Homem Coruja, tal como a insanidade de Rorschach, quando contrastadas, compõem um mosaico de situações  realmente caóticas, diante do qual, nos questionamos se o conjunto das coisas vividas ainda fazem qualquer sentido. O jogo entre fantasia e realidade dar-se ainda através dos Contos do Cargueiro Negro, uma história em quadrinhos lida por um rapaz em uma banca de revistas. A história dentro da história é mais do que um exercício metalinguístico , mas expressão do lugar dos quadrinhos em um mundo onde os super heróis são reais.

São muitas as chaves de leitura e detalhes que poderia explorar aqui, mas me limitarei a uma passagem fascinante do Dr. Manhattan,

O tempo é simultâneo, uma joia intricada que os humanos insistem em ver apenas por um ângulo, quando o desenho completo é visível em todas as suas facetas.”

A transcendência de todas as questões, a indiferença que caracteriza O DR. Manhattan e o conduz ao exílio, representa uma postura niilista com relação à condição humana, com a própria vida.




AS AGONIAS DO TEXTO

Texto é sinônimo de tessitura, é um a trama  que envolve contextos, uma ocorrência linguística  e semântica   que se fecha sobre si mesma.

O adversário do texto são as interpretações , as reconstruções de seu significado. Não é raro que as interpretações substituam o próprio texto e passam a falar por ele.

O texto tenta salvar-se através de notas de roda-pé...

sexta-feira, 11 de março de 2016

VIDA

Viver é brincar de realidade enquanto o tempo passa e a gente aprende o relativo da vida em sociedade. No fundo, o existir coletivo é um desencontro de todo mundo, um caos do eu e dos outros domesticado pelo senso comum. Cada um de nós é menos do que isso...




DEFINIÇÃO DE SOCIEDADE

Sociedade é o modo como os indivíduos se associam em nome da sobrevivência da espécie inspirados por um conjunto de representação de mundo e fantasias coletivas. A capacidade de comunicação entre os seres humanos é a premissa do existir social, aquilo que nos torna o que somos no intercâmbio de consciências individuadas pelas representações culturais. Cada um de nós é objeto de símbolos e imagens impessoais que configuram nossa singularidade e experiência diferenciada de mundo.

quinta-feira, 10 de março de 2016

TÉDIO E REPETIÇÃO

Concentre-se no possível,
no pouco do agora
contra as vontades urgentes.
Esqueça todas as soluções,
os inquéritos, dilemas e impasses
sobre a realidade das coisas.
Tudo é ilegível e perecível.
Não vale qualquer reflexão.
No fundo existir  é feito de tédio

e repetição.

quarta-feira, 9 de março de 2016

OBJETIVIDADE

Sou em meus delírios
um provisório objeto dos outros,
apenas um assessório qualquer
que nem decora a paisagem.
Quase não sou notado.
As pessoas seguem suas vidas
indiferentes ao cenário.
Eu, ao contrário,
permaneço estático
enterrado no inanimado
a espera de qualquer coisa
que jamais será
algum dia

um acontecimento.

terça-feira, 8 de março de 2016

O ILEGÍVEL E A REALIDADE

Me surpreendo mais lucido na exata medida em que a realidade me parece cada vez menos legível.  A precariedade das estratégias ainda vigentes de  codificações de mundo revela-se assim uma virtude para a possibilidade do conhecimento. Perdidos entre os objetos aprendemos  a flertar com o absurdo e tecer considerações extremas. Tudo existe como  símbolo e o signo... o resto é simples estranhamento da existência.   


segunda-feira, 7 de março de 2016

ESTRATÉGIAS DE SUBJETIVIDADE

Enquanto a vida passa
de um dia ao outro
vou me relendo ao longo do tempo.
Não me reconheço hoje
naquilo que acreditava ontem.
Não quero mais ser  na ilusão
de qualquer outro.
Prefiro viver livre
dos pressupostos,
dos cálculos e objetivos
de um futuro que nunca será.
a vida está apenas passando
e o tempo já não me diz
coisa alguma.
Preciso respirar em espaços abertos,
provar o  vento
e reinventar distâncias.


AS ESTRATÉGIAS DA INDIVIDUALIDADE

Existe um paradoxal dialogo entre o improvável e o inevitável que obscurece o alcance de nossas opções subjetivas.  Nossas escolhas estão condicionadas a representações coletivas e jogos intersubjetivos. Não somos livres das convenções e circunstancias interpessoais. No exercício de nossa autoconsciência e posicionamentos mais irracionais e circunscritos em nossas configurações privadas de mundo e realidade, apenas em nossa desfuncionalidade podemos nos considerar relativamente autônomos diante da existência coletiva.

O exercício da individualidade, suas  estratégias de construção, a operacionalidade privada inspirada em alguma não muito clara noção de interioridade, não é um problema muito simples. Mas precisa ser enfrentado.

Na sociedade ocidental /contemporânea cada individuo  tende a apostar no improvável contra o inevitável do curso de uma trama de acontecimentos. Somos  inspirados pelo desejável de um arranjo feliz das coisas vividas. Mas isso nos conduz normalmente a decepção e a frustração.


sexta-feira, 4 de março de 2016

ELOGIO A JEAN BAUDRILLARD

Enxergamos o mundo através dos objetos, da sua sedução e capacidade de formatar a realidade.  Movidos pela necessidade que se produz e se reproduz continuamente através dos nossos corpos, vivemos no fluxo das coisas, no intimo acontecer dos signos e símbolos que estruturam abstratamente a própria vida.

Em grande medida, viver é apenas um ato de imaginação.  Inventamos o mundo através das coisas que criamos e, cada vez mais, as coisas se justapõem ao humano na orgia dos objetos.


quinta-feira, 3 de março de 2016

TRANSVALORAÇÃO

Falta a palavra agora
a possibilidade da novidade,
a capacidade de redizer o mundo
através de uma única frase
antes que o cotidiano
definitivamente nos mate.
Talvez seja tarde
para dizer o que transcende
a verdade.


terça-feira, 1 de março de 2016

EU E OS OUTROS

Não importa o que eu faça,
minha existência apenas acontece
sob o olhar dos outros.
Os outros tem sempre a palavra,
a realidade na ponta da língua
enquanto o  mundo me aperta a cabeça
no dizer do meu próprio pensamento.
Preciso ir embora,
fechar a porta e abrir a janela.
Nada será diferente depois de amanhã.
Só preciso dormir um pouco

na contramão dos outros.

REALIDADE ILEGIVEL

Todos os discursos me parecem vazios e limitados
no opaco de todo significado e possibilidades de enunciados.
Estamos saturados de palavras,
afogados em frases feitas, conceitos, valores
e filosofias.
Já estamos fartos de  verdades.
O que ainda pode ser escrito,
fazer sentido e não ser banal?
As palavras não mudam o mundo,
não transformam a vida.

Nada esta acontecendo agora...