quarta-feira, 30 de julho de 2008

ROLLING STONES: O CORPO COMO MUSICA EM MOVIMENTO



Nunca tive o trabalho de mapear todas as bandas que fizeram parte da chamada “invasão britânica” dos Estados Unidos liderada pelos Beatles depois da turnê de 1964. Mas é fato que se tratou de um movimento plural, diverso, ao ponto de uma das maiores forças da invasão britânica, os Rolling Stones, representarem em sua essência um profundo sincretismo entre a linguagem impar do rock britânico e a musica popular norte americana.
Se os Beatles são os herdeiros e mais originais continuadores da primeira geração do rock, a ponto de estabelecer uma ruptura de conseqüências impares, os Stones são seus leitores mais originais. Sua musicalidade nos atinge o corpo, os sentidos, e passa longe do pensamento e das angustias existenciais. É apenas puro e bruto roch’n roll... musica para dançar no mais cru primitivismo que o rock pode representar do ponto de vista da cultura clássica ou inspirada pela tradição da “boa sociedade”.
Não é nada fácil definir o som dos Stones... Talvez eles representem o pensamento do não pensamento... uma linguagem musical inspiradora de vertigens e sensações de corpo de alma. Algo só compreensível quando somos embalados por clássicos como Satisfaction, Sympathy for the divel, I’m free ou No expectations até o esgotar de todas as nossas ansiedades e energias em qualquer forma de melancolia como em paint it black, as tears go by e lady jane.


Segundo Paul Friedlander foi em 1968 que os Stones atingiram sua maturidade assegurando um lugar certo para Mick, Keith e Brian na história mágica do rock...


...Na primavera de 1968, porem, nem gravações no estúdio londrino Olympic, eles produziram uma musica que reverberou por todo o mundo da música. Era uma inovação, o som era encrespado e as idéias musicais eram mais sofisticadas. A temática das letras tinha expandido o anterior foco em envolvimentos românticos/sexuais para incluir temas como preocupação política e social. Mesmo assim, a cozinha ritma a inda vibrava, Jagger continuava a rosnar e uivar, e perigo e tabu ainda se escondiam por entre as letras. Os Rolling Stones amadurecidos não eram não eram nada submissos. Eles produziram um quarteto de discos clássicos- Beggars Banquet, Let It Bleed, Sticky Fingers e Exile on Main Street- que garantiriam que os Stones seriam considerados eternamente um dos maiores grupos de rock and roll.”
Pode-se apontar o produtor Jimmy Miller como o responsável pelo amadurecimento musical e por uma nova sofisticação nos arranjos e no som. Miller, um per cussionista americanom já tinha produzido álbuns para Spook Tooth e o Traffic quando foi convidado para assistir as gravações dos Stones. A relação profissional foi estabelecida ne Miller continuou como produtor da banda nos cinco discos seguintes, sendo que os quatro primeiros são o ponto alto da carreira da banda. Um dos aspectos mais marcantes deste período ( graças, talvez, a genialidade de Miller no estúdio) é a linha de instrumentos de percussão no inicio de sucessos como Sympathy for the Devil e Gimme Shelter.”


( Paul Frederich. Rock and Roll: Uma história social/ tradução de A. Costa-4º ed. RJ: Record, 2006, p.164 )

CRÔNICA RELÂMPAGO XXXII


Sei que sou feito por tudo aquilo que passou; pelo que perdi, sonhei e conquistei neste decepcionante resultado informe de copia carbono de sonhos desfeitos... que é simplesmente meu eu...
Mas se o que nos tornamos na vida é conseqüência dos limites, desafios e escolhas que fazemos, não há satisfatória conceituação que desvele O SUPLEMO IMPRECISO DE NÓS MESMOS, esta fantasmagórica metáfora que expressa o mais irracional e intenso fundo de nossas almas, aquilo que nos leva a uma insaciável sensação de desconforto e insatisfação permanente.
A vida é essencialmente um estado constante de inquietação...

OS FANTASMAS DO TEMPO

Preencher de vida
O tempo de cada dia
É a única tarefa
Que nos ocupa.

Vivemos para
E através do tempo...

Arrumamos a vida
Em calendários e relógios
Desarrumando o lúdico
Dos desejos brutos.

Tudo para cumprir o oficio
De inventar sociedades.
Mas devaneios de infância
Espreitam a madrugada.

Em face de lua e encanto,
Em embriagados vazios,
Algum eu rebelde me invade
sonhando infinitos
e outras realidades.

domingo, 27 de julho de 2008

C G JUNG E O TEMPO PRESENTE: CIVILIZAÇÃO EM TRANSIÇÃO



Em um breve ensaio sobre a situação da mulher na Europa, originalmente publicado na Alemanha em 1929, C. G.Jung tece certas considerações interessantes sobre o significado do tempo presente que ainda hoje se aplica aquilo que muito imprecisamente podemos conceituar como contemporaneidade, ou seja, o profundo e inédito “vazio” cultural ou desconstrução da tradição que define a dinâmica cultural de nossos dias. Assim sendo, vale a pena aqui reproduzir a seguinte passagem como mais um elemento, ou fragmento, sobre a a nova fenomenologia do contemporâneo já muitas vezes abordada neste espaço:


“... O que chamamos presente não passa de uma fina camada superficial que se cria nos grandes centros da humanidade. É muito fina, como na antiga Rússia, e assim é irrelevante ( como os acontecimentos mostraram). Mas quando atinge uma certa espessura e força, já podemos falar de cultura e progresso, surgindo então problemas característicos de uma época. É neste sentido que a Europa tem um presente, e há mulheres que vivem nele e estão sujeitas aos seus problemas. E só dessas mulheres podemos dizer alguma coisa. Aquelas que se sentem satisfeitas com os caminhos e possibilidades que a Idade Media lhes oferece não tem qualquer necessidade do presente e suas experiências. Mas o homem que é do presente- seja qual for a razão- já não pode retornar ao passado, sem sofrer uma irreparável perda. Não raro esse retorno se torna impossível, mesmo que se esteja disposto a sacrifícios. O homem do presente deve trabalhar para o futuro e deixar a outros a tarefa de conservar o passado. Por isso, alem de construtor, é também um destruidor. Ele e seu mundo tornaram-se ambíguos e questionáveis. Os caminhos que o passado lhe indica e as respostas que dá aos seus problemas são insuficientes às suas necessidades presentes. Os confortáveis caminhos do passado já foram obstruídos e novas trilhas foram abertas, com novos perigos, totalmente desconhecidos do passado. Segundo o provérbio, nada se aprende da história; também quanto aos problemas do tempo atual, via de regra nada dirá. O novo caminho deve ser traçado em terreno virgem, sem qualquer pressuposto e, infelizmente, muitas vezes sem dó nem piedade.”


(C G JUNG. A Mulher na Europa, in Obras Completas Volume X/3- Civilização em Transição. Petrópolis: Vozes, 1993, p. 112)


É interessante como Jung , em sua inegável sensibilidade pensa sua história contemporânea como uma ruptura radical com a tradição e para o significativo detalhe de que a maior parte das pessoas no mundo vivem de modo a-histórico, não alcançam qualquer interpretação ou preocupação realmente significativa com as questões e dilemas definidoras do tempo presente. A historicidade enquanto uma modalidade de sentimento ou percepção das coisas é praticamente um privilégio reservado a uma parcela pequena da população mundial contraposta a grande massa ainda mergulhada de alguma forma em um mundo fantasmagórico definido pela tradição. Recorrendo a uma segunda passagem do mesmo ensaio:


“... Trata-se, afinal, de saber se queremos ser a-históricos e, assim, fazer a história ou não. Ninguém pode fazer história se não quiser arriscar a própria pele, levando até ao fim a experiência de sua própria vida, e deixar bem claro que sua vida não é uma continuação do passado, mas um novo começo. Continuar é uma tarefa que até os animais são capazes de fazer, mas começar, inovar é a única prerrogativa do homem que o coloca acima dos animais.”

( Idem p. 114)


Evidentemente seria uma lamentável miopia tomar essas palavras de Jung, arrancadas de seu contexto, em alguma espécie de discurso revolucionário estilo sécs. XIX e XX. O que aqui me parece ser problematizada é a tendência que temos na definição de nossas próprias vidas para seguir o confortável rumo dos valores impostos por esta ou aquela tradição cultural desconsiderando o inédito, o potencial criativo e inventivo que potencialmente existe em cada individualidade humana.
Nossa contemporaneidade é em certo sentido a percepção abstrata desta possibilidade inedita que afirmou-se para o homem ocidental através das revoluções comportamentais e verdadeira reviravolta de valores e certezas que teve lugar no último século. Somos hoje todos um pouco vazios de cultura/tradição, verdadeiros bárbaros contemporâneos entre os destroços do mundo da tradição.

IRON BUTTERFRY: IN A GADDA DA VIDA: 40 anos depois...



Um dos mais contundentes registros da efervescência cultural de fins dos anos 60, a banda Iron Butterfry, de certa forma, sintetiza a proposta do Acid Rock, da contra cultura personificada pelo movimento Hippie.
Gravado em 1968, o LP “In-A-Gadda-Da-Vida”, do qual a música homônima, diga-se de passagem, com 17:05 minutos de duração, tornou-se a época um hino para os jovens americanos e seus sonhos de liberdade é um retrato musical singular dos anos 60.
Talvez os longos e destorcidos solos de guitarra, acompanhados por um baixo marcante, bateria frenética e um teclado alucinante e inconfundivelmente psicodélico, tudo isso ao sabor de letras inspiradas na filosofia do love and piece, nos pareçam hoje demasiadamente datados e distantes.
Isso não impede, entretanto, que In-A-Gadda-Da-Vida irradie um certo encanto atemporal, um apelo à evasão e transcendência das nossas desbotadas paisagens cotidianas que de muitas formas nos é contemporânea.
Quem já ouviu In-A-Gadda-Da-Vida pela manhã antes de mergulhar em rotinas e pueris papeis pessoais sabe o gosto de imprecisos e doces infinitos de pensamento que esta musica nos proporciona com sua atmosfera mágica e radicalmente psicodélica.
Tudo o mais e acid...

LIMITES



Sei que sou apenas isso...
Um indefinido rosto
Perdido
No fundo de multidões.


Mas busco a liberdade dos pássaros
Que rasgam o azul do céu
Sem o peso de qualquer sentimento,
De qualquer certeza.


Restrito aos meus limites
Mergulho em infinitos sonhados
Me faço no sem sentido
De cada ato abstrato
De mero pensamento.


Escapo ao mundo
No buscar a mim mesmo
Desfeito no tempo
Da minha própria vida.

sexta-feira, 25 de julho de 2008

WORD

A palavra me rouba
O aprendizado do silêncio.

Em cacos vislumbro meu rosto
Opaco na variação de emoções
E humores.

Visto um verso
Para despir sentimentos,
Buscar o invisível e incompreensível
Segredo do acontecer da existência
Sob os desígnios do acaso.

Mas tudo que vejo e faço
Transfigura-se no raso
De um imperfeito discurso.

TIME

A soma das horas
Da minha vida
Jamais definirão
O que fui e sou
Entre o céu, a terra
E o devir.

Quantos de mim mesmo,
Afinal,
Posso sonhar, ser
E saber
Na matéria bruta dos fatos?

Nenhum retrato diz meu rosto
Nos dias,
Nenhum pensamento esclarece
O movimento da carne d’alma
Dentro do tempo.

Tudo que sei é que passo
Em atos de liberdade
No finito de cada passo.

terça-feira, 22 de julho de 2008

O CANTO DE MARLENE DIETRICH


Ouvia agora a pouco uma coletânea de Marlene Dietrich. Dei-me conta, na aventura da musica decorando a noite, do quanto, mesmo como cantora ou one woman show, ela representa o mais enigmático, ambíguo e misterioso símbolo feminino de sexualidade já construído pela mítica e irracional linguagem do cinema da primeira metade do século XX.
Interpretando peças musicais, Marlene é uma realmente singular... uma musa profunda e expressiva que parece, com a ambigüidade de uma esfinge desafiar-nos com a sóbria interpretação quase masculina de canções tão preciosas como Lili Marlene, Simphonie, Black Market ou You Go To My Head.
Segundo Charles Higman, autor de uma biografia sobre Marlene, citando seu regente dos anos 50, William Blezard, ela desenvolveu e popularizou o sprechstimme, a arte de falar como se estivesse cantando na inventividade única de seu canto.
As Performances de Dietrich são como um seqüestro de vida de alguma elegante plenitude de mundo que nos revela o máximo limite e apoteose da experiência humana.

LIVROS, LEITURAS E FRAGMENTO


Não conheço maneira mais apropriada para se ler um livro do que cortar-lhe a abstrata carne rasgando-lhe em fragmentos que, de algum modo subjetivo, nos revelam o cerne de seu corpo, de sua aparentemente homogênea narrativa.
Não se pode negar que a experiência da leitura faz-se normalmente pelo impacto de alguns parágrafos ou frases que nos seduzem, dar-se através de retalhos, de retratos em closes, ou ainda, através da surpresa reveladora de determinadas passagens onde nos reconhecemos provisoriamente.
Por tudo isso, escolher citações em um livro é um modo de dizer o que realmente nos interessa singularmente neles, aquilo de que nos apropriamos na aventura da leitura.

ILUSSIONS



Preciso vestir-me de luto
Para cantar e beber a alegria
De viver desfeito e mendigo
Em meus cinco sentidos.
O corpo faz dançar pensamentos,
Vontades explodem
Em mil direções e delírios.
Tudo existe
Em alucinante ritmo
De sentir em cores
Todo abismo que me faz
De algum modo emoção selvagem.
Mas me esqueço,
Apesar de tudo,
Na paisagem da mesa feita e previsível
De um jantar em família.
Leões e tigres
Esperam, porem, no quintal noturno
A soturna hora de um sonho
Que nunca chega a provar
O gosto de realidades.

segunda-feira, 21 de julho de 2008

ENTRE OS DEUSES E OS HOMENS:O SIGNIFICADO DOS DAIMONS SEGUNDO MARIE LOUISE VON FRANZ



Uma das mais pertinentes reminiscências pagãs presentes no imaginário estabelecido pela mitologia cristã é a imagem do gênio pessoal, de um campo intermediário entre a realidade dos deuses e dos homens. Para a maioria das pessoas sua familialidade enquanto experiência psicológica, dar-se através da ingênua fantasia do anjo da guarda.
Buscando pensar o sentido mais profundo desta imagem arquetipica valho-me aqui de um fragmento de Marie Louise von Franz extraído de uma das palestras que compõem o livro Reflexões da alma: Projeção e Recolhimento Interior na Psicologia de C.G. Jung. Remeto-me assim ao arcaico conceito de daiomai e daimon onde encontramos uma simetria significativa com o conceito de complexos autônomos formulado por Jung e de vital importância para a compreensão de suas formulações. Interessante observar que a obra aqui em questão de Marie Louise von Franz é, antes de tudo, um estudo sobre o fenômeno da transferência e sua retirada, fenômeno que parece caracterizar o desenvolvimento da consciência humana através de mitos e símbolos ao longo de séculos.


“No contexto estrito da alma humana, muitos demônios cananeus e judaicos antigos tornaram-se “espíritos sopro”, que penetrando nos homens podiam produzir sensações, impulsos misteriosos, reações repentinas, etc., mas também uma postura ou uma orientação moral; no Velho Testamento fala-se de um espírito dos desejos ou do ciúme, mas também de um espírito da compreensão e do entendimento. Mesmo funções, como o olfato, a linguagem, o sono, a sexualidade, tem o seu “espírito”.
Na Grécia pré-helenica, os demônios formavam também um coletivo anônimo. A palavra daimon vem de daiomai, que significa algo como “repartir” e designava originalmente uma intervenção divina perceptível por momentos e da qual se ignorava o Deus que a teria praticado, por exemplo, afugentar os cavalos, falhar no trabalho, doenças, loucura, pavor de certos lugares na natureza virgem. Mesmo certas atividades enquanto tais são algo parecido a um daimon. Por volta de 700 a.C., na época de Hesíodo, surge pela primeira vez a concepção, bastante difundida no século III, de um daimon escoltando constantemente o indivíduo. No século IV; ele causa a infelicidade ou no infortúnio do indivíduo. No século IV começou-se a fazer oferendas a um daimon bom (aghathos) enquanto espírito domestico.
Platão utiliza a palavra de maneira ambígua, quase sempre como sinônimo de theos( Deus), agregando-lhe as vezes a nuance de um ser bem “próximo ao homem”. Assim, Diotima, como sabemos, afirma em O Banquete, que Eros era um grande daimon, “pois tudo o que é demoníaco- (pan to daimonion) está entre Deus e o mortal”, e à pergunta de Sócrates a respeito de qual era sua função, ela responde: “ a de interpretar e transmitir aos deuses o que é dos homens, e aos homens o que vem dos deuses: àqueles, orações e oferendas e a estes, ordens e recompensas pelas oferendas. No meio, portanto, está a conexão,de modo que o todo (topan) esta ligado em si mesmo. E também todas as profecias e esconjuros e toda a adivinhação e magia perpassam o demônio, pois Deus não se dirige aos homens, visto que todo o contato ou relação entre deuses e homens se dá através dele, tanto na vigília, quanto no sono... Existem muitos destes demônios e espíritos das mais variadas espécies, e Eros também é um deles.
No Estoicismo e no Platonismo, a sutil distinção entre deuses e homens tornou-se mais nítida: os deuses são poderes universais imensos, superiores, distantes dos homens e consideravelmente longe dos sofrimentos e das paixões humanas.Os daimons, ao contrário, povoam o reino intermediário entre o Olimpo e os homens, sobretudo a esfera do ar e o mundo sublunar, e reúnem-se ali com os espíritos da natureza,das fontes, plantas e animais. Esta concepção do final do Platonismo foi formulada por Apuleio de Madaura da seguinte maneira: os poetas teriam erroniamente atribuído aos deuses o que valia para os demônios: “Eles elevam e favorecem os homens, outros eles oprimem e humilham. Eles sentem portanto compaixão, indignação, felicidade e medo e todos os sentimentos da natureza humana...todas as tempestades distantes da tranqüilidade dos deuses do Céu. É que todos os deuses permanecem sempre no mesmo estado espiritual... pois nada é mais perfeito do que um Deus... Mas todas estas disposições, ao contrário, ajustam-se à natureza inferior dos demônios que tem em comum com os de cima a imortalidade e com os de baixo, as paixões... por isso denominei-os “passivos” por estarem submetidos às mesmas desordens anímicas que nós”. Num certo sentido, o espírito do homem, o seu “genius” e o seu “espírito bom” ( como o Daimonion de Sócatres) são também “daimons”, assim como os outros espíritos habitantes do ar. Depois da morte, eles se tornam Lêmures ou Lares ( deuses domésticos)ou, se eram maus, larvas (Spuks ruins).
(...)
No final da Antiguidade, a distinção entre deuses, longe dos sofrimentos terrenos, e demônios, sujeitos a todas as paixões humanas, me parece muito importante: os daimons estão mais próximos do homem do ponto de vista subjetivo-psicológico, do que os deuses. Cícero designava-os até como “mentes” ou “animi”, isto é, “almas”. Outros autores denominam-nos “potestates”, isto é, poderes. Encontramos esta designação de “alma” em muitos autores, mesmo os antigos, especialmente no Estoicismo, em Poseidônios, Fílon, Plutarco, Clemente de Alexandria e outros. A luz da psicologia junguiana, a antiga distinção entre deuses e homens significa o seguinte: os deuses representam antes as estruturas básicas arquetípicas da psique afastadas da consciência, e os demônios, ao contrário, configuram os mesmos arquétipos, só que de uma forma mais próxima da cosnciência e da vivência subjetivo-interior do homem. É como se um aspecto parcial dos arquétipos começasse a se aproximar do indivíduo, a se afeiçoar a ele, tornando-se uma “alma agregada”.”
(Marie Louise von Franz. Reflexões da Alma. Projeção e recolhimento Interior na Psicologia de C G Jung./ tradução de Erlon Jose Paschoal. SP: Cultrix/Pensamento, s/d, p.122-124)

THE MYSTERY OF UNIVERSE

O mundo convida-me
Ao espanto...

Talvez tudo que existe
não passe do sonho
de um pensamento
dentro de mim diurno;

Os pés provam
Um abismo aberto
Em explosão de fatos
E estilhaços de significados.


How Strange...
The mystery of universe.

Sou tudo o que posso
Em finitude e mundo
no pueril de cada certeza
espalhada pelo caminho.

CRONICA RELÂMPAGO XXXI


Uma das coisas que mais me chamam atenção na condição humana é a capacidade de cada individuo para justificar seus atos mais tresloucados. Geralmente temos respostas e justificativas para os nossos maiores erros.
Não creio que interiorizamos a sociedade dentro de nós como uma instância impessoal de repressão em constante conflito com nossas mais profundas vocações pessoais. Creio, ao contrario, que em nossa cristalina, porem finita e limitada, consciência das coisas raramente nos abrimos para experiência da duvida radical, para descentralização “positiva” de nosso próprio rosto nessa infinidade de coisas concretas e abstratas estabelecida pela pluralidade viva que é o mundo.
Em cada cotidiana e extraordinária situação que a existência nos impõe, somos desafiados a fazer escolhas, a lidar com o absoluto outro de nós mesmos no interagir com o mundo ou a convencional realidade coletiva.
Na ausência de qualquer segurança, nos apegamos instintivamente aquilo que no plano do imediato melhor nos define, nossa própria consciência das coisas. Não consideramos, entretanto, suas imprecisões ou seu caráter fluido e instável. Afinal, o que nos parece certo hoje pode não nos parecer daqui a um ano e podemos perder boas experiências potenciais por não enxergarmos a complexidade de um determinado momento avaliando optando pelo mínimo que percebemos.
Voltando ao inicio desta divagação, é realmente curiosa nossa infantil necessidade de viver significados, inventar significantes, em um delirante jogo de verdades que, hipoteticamente, realiza apenas a miopia de nossas certezas de momento. Sejam elas admitidas ou não como tais...

META ALMA GEMEA



Pelo segredo do teu rosto
Deixaria escapar a alma
Em coloridas imagens
De espelhos e pensamentos.

Afogar-me-ia em teu corpo
Até esquecer meus lamentos
E metas

Buscaria algum outro de mim
Em teu retrato
Recriando o tempo
No gentil da primavera.

Pelo segredo do teu rosto
Talvez eu me perdesse
Entre enganos e sentimentos
das mais sagradas falhas certezas.

quinta-feira, 17 de julho de 2008

MONARQIA BRITÂNICA E MULTICULTURALISMO



Uma das grandes peculiaridades da Grã Bretanha nesse inicio de século em um mundo cada vez mais globalizado, é a presença expressiva de várias comunidades imigrantes, seja de origem africana, caribenha ou asiática, a ponto de torná-la, muito provavelmente, o maior centro multicultural da Europa.
Mesmo após os atentados de julho de 2005 em Londres, a tolerância britânica com as diversas culturas que hoje transformam suas paisagens vividas, permanece muito maior do que a observada em outros centros culturais europeus como Paris e Berlim.
Pessoalmente acredito que tal integração de outras culturas a sua identidade territorial sem significativa resistência xenofóbica explica-se pela segurança identidária e cultural proporcionada pela instituição da monarquia enquanto símbolo e sustentáculo da soberania.
Embora assentada sobre valores em alguma medida arcaicos, como a teoria do direito divino, não há como negar certa contemporaneidade da Realeza enquanto personificação do self e da totalidade na cultura britânica.
Apesar das restrições da família real, é inegável o fato que a conversão de Lady Di em uma espécie de santa laica venerada por milhões de súditos provou a vitalidade da monarquia de um modo novo e contemporâneo. O fato é que em uma sociedade cada vez mais complexa e plural a monarquia tende a tornar-se um símbolo de integridade e alteridade.

LITERATURA INGLESA XXXIII



Edgar Alan Poe (1809-1849) é considerado até os dias de hoje um dos maiores escritores dos Estados Unidos e um grande nome das letras inglesas. Embora tenha escrito inúmeros poemas e novelas, Poe é mais intensamente lembrado pelos seus contos góticos e policiais. Influenciou significativamente autores como Baudelaire e Maupassant mesmo não gozando em sua época de merecida reputação dado o escândalo provocado pela recepção de sua obra entre seus contemporâneos.
Não é absolutamente meu objetivo aqui rabiscar qualquer resenha do tipo vida e obra do autor, mas sim definir seu lugar em minha imagem pessoal da rica e fecunda paisagem da literatura inglesa.
Neste sentido, gostaria de chamar atenção para a magistral habilidade de Poe para proporcionar uma profundidade psicológica extrema a seus personagens em excitantes situações de mistério articuladas por um abstrato e mágico principal personagem: O Medo... Poe é por excelência um escritor do medo, de sua psicologia. Basta passear os olhos sobre contos como a Carta Roubada, O gato preto, Coração denunciador, A queda da casa de Usher, O poço e o pêndulo ou Berenice para se saber o quanto. Também figuram ao lado desta eterna temática do medo, a solidão e a morte.
Se o século XIX é o momento de consolidação de um dado modelo de racionalidade e modernidade de inspiração iluminista cristalizado pela sociedade industrial, Poe nos oferece de certa maneira, um vislumbre de sua sombra, as permanências dos aspectos irracionais e mais obscuros da condição humana, contrariando assim os otimismos e certezas de sua época.
Para ilustrar sua obra, ou enfeitar essa postagem, selecionei aqui apenas um fragmento daquele que é certamente seu poema mais conhecido: O Corvo, originalmente publicado em 1845, ocasião em que despertou grandes oposições no meio literário americano.


“Once upon a midnight dreary, while I pondered, weak and weary, Over many a quaint and curious volume of forgotten lore, While I nodded, nearly napping, suddenly there came a tapping, As of some one gently rapping, rapping at my chamber door. "'Tis some visitor," I muttered, "tapping at my chamber door- Only this, and nothing more."


Ah, distinctly I remember it was in the bleak December, And each separate dying ember wrought its ghost upon the floor. Eagerly I wished the morrow;- vainly I had sought to borrow From my books surcease of sorrow- sorrow for the lost Lenore- For the rare and radiant maiden whom the angels name Lenore-

Nameless here for evermore.”



“Numa sombria madrugada, enquanto eu meditava, fraco e cansado, sobre um estranho e curioso volume de folclore esquecido; enquanto cochilava, já quase dormindo, de repente ouvi um ruído. O som de alguém levemente batendo, batendo na porta do meu quarto. "Uma visita," disse a mim mesmo, "está batendo na porta do meu quarto -

É só isto e nada mais."


Ah, que eu bem disso me lembro, foi no triste mês de dezembro, e que cada distinta brasa ao morrer, lançava sua alma sobre o chão. Eu ansiava pela manhã. Buscava encontrar nos livros, em vão, o fim da minha dor - dor pela ausente Leonor - pela donzela radiante e rara que chamam os anjos de Leonor - cujo nome aqui não se ouvirá nunca mais.”

NEMETON: Um ano depois...



Na presente data o Nemeton completa um ano de existência. Tempo suficiente para um balanço provisório da experiência do seu fazer-se em palavra enquanto blog.
Creio que a melhor forma de defini-lo é como um eterno esboço de reflexão, um entrelaçar-se infinito de fragmentos cuja soma não se reduz a qualquer sentido ou significado. O Nemeton é apenas a construção abstrata de um não lugar de mim mesmo e, nesse sentido, é uma imagem virtual e desarticulada das minhas auto representações e invenções de mundo. Sinceramente, nunca pensei que tal exercício perpetuar-se-ia por um ano...

ONLY THIS...



Desvelar infinitos
No gratuito
De uma mesa de bar
É um exercício de esquecimento,
Um aprendizado
Do perene valor
De cada momento.


A vida não vai além
Do pouco acontecer
De todos os dias;

Não transcende a física
Dos nossos pequenos atos cotidianos.


Mas dentro de cada segundo,
Quantos infinitos?!
Há mais mundos fechados
No intervalo de uma garrafa
Entre amigos
Do que palavras trocadas
Entre deuses e homens.

MIDNIGHT



Reinvento no fechar dos olhos
A criança que fui um dia
Apagando em mim
Todo o peso futuro,
Toda duvida presente
E cicatrizes passada.


Escapo ao espaço
E ao tempo...
Em algum lugar distante,
Destes que apenas sabemos
Em sombras de imaginações,
Aguarda-me um desejo,
Uma ilimitada vontade
De cruzar espaços,
Revolver a vida
Até respirar
Todo perfume azul do céu,

todo vento enterrado

No fundo d’ alma.

domingo, 13 de julho de 2008

MORTE BARDICA

Quando eu morrer
Quero minhas cinzas
Guardadas
Por um antigo carvalho
Em alguma floresta bretã,
Quero esquecer-me
Em meio ao verde
E ao sabor do vento
Em um ultimo jesto
De acaso e silêncio.

13 DE JULHO: DIA MUNDIAL DO ROCK


O rock and roll é veneno posto no som”

Pablo Casais, violoncelista

“O melhor rock and roll armazena uma alta doze de energia-uma certa raiva-tanto no estúdio quanto ao vivo. É isso, o rock and roll só é rock and roll se não for seguro.”

Mick Jagger, citado na Rolling Stone, 1988

Hoje é dia mundial do Rock... Dia de lembrar que, mais do que um estilo musical, o rock and roll tornou-se ao longo de sua evolução e história uma matriz cultural, um fenômeno sócio-comportamental sem precedentes. Definitivamente podemos defini-lo como uma das mais radicais expressões da liberdade, da individualidade e espontaneidade humana contra o convencional de todos os dias.
Rock and roll é, em poucas palavras, mais do que musica, é um ritmo de existência em cores vivas e psicodélicas.

sábado, 12 de julho de 2008

MONTY PHYTON: THE MEANING OF LIVE



A linguagem que define o humor do sexteto britânico Monty Phyton é construída por um amalgama de humor negro, sátira social, besteirol, niilismo e colagens surrealistas ou psicodélicas que resultam em seu singular e corrosivo no sense.
Tendo a considerar seu trabalho uma das mais significativas e relevantes amostras da sem sensibilidade cultural de fins dos anos 60 e inicio dos anos 70 do ultimo século.
Mas falando especificamente sobre um de seus longas para o cinema, ou mais especificamente, sobre The Meaning of Live ( O sentido da Vida), cabe dizer, antes de mais nada, que o considero um dos mais cínicos e sarcásticos registros sobre as dinâmicas da existência humana.
Mediante uma surreal coletânea de enquetes sobre temas como nascimento, trabalho, casamento, envelhecimento morte e religião, somos levados pela fragmentária narrativa cinematográfica a conclusão obvia do quanto é ridículo buscar na vida algum sentido e que, no final das contas, a grande piada é a necessidade humana de atribuir significados a coisas que absolutamente não possuem em si mesmas significado algum.
The Meaning of Life nos oferece um riso muito especial, o riso da caveira contra todas as nossas pueris certezas e crenças sobre a vida.

GIVE ME THE MOON AT MYFEET


O que chamam felicidade
Não é mais que vertigem,
Embriaguez e grito,
Um doce delírio
Ou saber o mundo
Dentro de si
Como um sol.


O que chamam de felicidade
É o acontecer mágico
Da natureza
Sem regras ou limites.


É um jeito estranho
De enlouquecer
E explodir de prazer
Em todas as cores da imaginação
E odores do pensamento.


É algo que raramente não existe...

INDIVIDUO

No reflexo de um rosto
Vejo apenas
Caos e luz
Em perturbadora simetria.

Entre os homens
Afinal
Não há sociedade
Nem utopias,
Apenas um jogo
De palavras ocas
E dissimulados delírios.

Serei eu
O único da minha espécie?

quinta-feira, 10 de julho de 2008

A MERE OBSTACLE


Nubla-se o mundo
Em um gole de pensamento.
Embriago-me...
Brincando de sol
Nos abismos da noite,
Buscando quietudes
Em jardins de espinhos.
On he Góes...
A mere obstacle.
Carrego-me nas costas
Em busca
De mim mesmo.
Now it is autumm...

LIFE

Vivo das migalhas
Do meu poderia ser,
Dos fantasmas
Do meu querer.
Vivo da morte
De antigos sonhos
E desafios de um tempo presente
Que nunca busquei.
Vivo da minha sorte
E do absoluto
De mil desejos
Em ilusões de sortes,
Magias, mancias e vaidades.

LITERATURA INGLESA XXXII



A Bussola de Ouro (1995), primeiro livro da triologia Fronteiras do Universo, escrita pelo britânico Phillip Pullman ( 1946-...), embora voltada para um publico infanto juvenil, nos surpreende com um narrativa rica e complexa.
Em linhas gerais podemos tomar a obra como um questionamento ou desconstrução do cristianismo enquanto religião institucionalizada e totalitária e, ao mesmo tempo, um refinado exercício imaginativo.
Naturalmente, o livro é mais interessante que sua recente adaptação cinematográfica e, em uma leitura mais profunda, é possível intuir algo menos imediato do que a critica ao cristianismo. Talvez o grande tema do livro seja na verdade uma critica ao fundamentalismo religioso de um modo geral, questão que nos assombra nesse inicio de milênio.
A leitura da Bússola de Ouro é insuficiente para avaliar o trabalho deste singular escritor que é Pillip Pullman, que já publicou, além da citada triologia , diversos contos e peças teatrais, tendo recebido por sua obra infanto juvenil o prémio Whitbread de livro do ano, o mais prestigioso da Inglaterra, assim como o prêmio Astrid Lindren Memorial Award de Literatura Infantil. O fato é que a repercussão de sua obra me chamou atenção para as novas formas assumidas pela narrativa literária destinada ao público infanto juvenil, sua aproximação cada vez maior da formula clássica do romance e o conseqüente alargamento do leque de seus leitores. Poderíamos ainda acrescentar como exemplo desta tendência o ciclo Harry Potter ou o Aragon de Cristopher Paolini.

DAY...


Durante anos
Aguardei o momento
De um dia novo,
Único e singular
Que revelasse a essência
Do meu amanhã.
Como se a vida
Pudesse ser compreendida
Em função de metas
E destinos
E tudo não fosse
Um nada
Dentro do tempo
E do vento.

terça-feira, 8 de julho de 2008

THE BEATLES: THE BIOGRAPBY BY BOB SPITZ


The Beatles: The Biograpby de Bob Spitz, até onde sei, é atualmente a mais importante referência biografia para uma compreensão sóbria da vida e obra da maior banda de rock de todos os tempos. Não seria descabido afirmar tratar-se de sua biografia definitiva dado o raro e singular rigor empregado pelo autor em sua pesquisa. Afinal, os Beatles não são um universo fácil de reflexão quando consideramos o terreno mofetiço e ilusório representado pelo abundante conjunto de fontes disponíveis sobre sua carreira e biografias.
Escrever sobre os Beatles pode ser, não duvide, uma boa experiência para historiadores profissionais... Um exercício de desconstrução, desmistificações e incertezas sem paralelos...
Em suas NOTAS SOBRE AS FONTES, o autor nos ajuda a entender melhor o porque:

“Um dos empecilhos para a preparação de uma biografia definitiva dos Beatles é a impressionante falta de material de pesquisa confiável. A maior parte dos quinhentos volumes que formam o seu cânone carece de citações corretas, e, mesmo naqueles casos extraordinários em que as fontes são identificadas, a exatidão permanece duvidosa. Ou as lembranças eram vagas, as narrativas recicladas e os fatos não verificados ou as circunstâncias eram fabricadas ou obscuras- algumas vezes por testemunhas preconceituosas, outras vezes para proteger inocentes. Para o bem e para o mal, informações falsas sempre foram um elemento chave da lenda dos Beatles.
O âmbito dessas informações falsas deve bastante à frase de Napoleão que afirmava que “ a história é um conjunto de mentiras com as quais todos concordam.” Isso se tornou bem claro para mim logo no inicio das pesquisas para este livro. Durante uma entrevista com Paul McCartney, ele explicou como, à quase quarenta anos, os Beatles concordaram em ter uma “versão dos fatos” que lhes serviria de história, e eles se mantiveram fies a ela- além de enchê-la de detalhes- desde então. Paul me contou que “cerca de 65 por cento” da biografia oficial do grupo, intitulada The Beatles- escrita em 1967 pelo jornalista Hunter Davies-, é correta. ( referindo-se ao livro durante uma grande entrevista em 1970 com Jann Wenner, John Lennon disse: Era tudo conversa mole[...] minha tia [ Mimi] eliminou todos os detalhes verdadeiros da minha infância e sobre minha mãe. [...] Eu queria que o livro publicado fosse verdadeiro, mas todos nos tínhamos esposas e não queríamos magoar os sentimentos delas”.) Além do mais, todas essas histórias foram contadas e recontadas tantas vezes que nem mesmo Paul McCartney tem certeza de onde começa e onde termina a verdade- um dos motivos, sem dúvida, para que se refiram ao belo Antologia como “Mitologia”. Em todo caso, a “biografia oficial dos Beatles” não só esta lotada por testemunhos criados e adoráveis contos de fadas, mas também de incorreções: nomes escritos de forma errada, datas incertas, locais confusos- e grande vácuos.
Mesmo assim, confiei no livro de Davies como subsídio a minha própria pesquisa. As histórias verbalizadas nele pelos quatro Beatles-seus comentários informais, assim como suas versões imprevisíveis de eventos a tempos esquecidos- são, entretanto, intensas e fornecem os últimos relatos vividos ( e fascinantes) de certas travessuras. Apesar de eu ter incorporado algumas citações daquele livro nesta biografia, estejam certos de que elas foram analisadas detalhadamente para que houvesse certeza de estarem corretas, ou então escolhidas por conterem reflexões pessoais que são incontestáveis pela honestidade. Por último, seja dito que, quando tratamos de muitos dos participantes deste livro- os pais de George Harrison; a tia de John, Mimi, e seu pai Freddie; a mãe de Ringo; Millie Best; e outros personagens secundários-, o livro de Davies permanece como o único testemunho válido dessas pessoas nessa história marcante.”
( Bob Spitz. The Beatles: a biografia./ Vários tradutores. SP: Larousse do Brasil, 2007, p. 853-854.)

PREGUIÇA

Toco com os olhos
O mundo
No aprendizado
Do ilegível
Mastigando o imediato
Da vida.

Tento inutilmente
Saber o sabor
Da sombra da realidade.

Mas inerte sobre as horas
Aguardo o fim do dia
Na preguiça de existir
Com os sentidos entorpecidos
De tanto mundo...

RASCUNHO DE LEITURA: LED ZEPPELIN E OS ANOS 70


Paul Friedlander, em ROCH AND ROLL: UMA HISTÓRIA SOCIAL, obra já citada nesse blog, nos oferece inúmeros momentos de inspiradores insight sobre o significado simbólico/concreto da experiência deste tão singular e explosivo estilo musical que foi capaz de fomentar uma “cultura e identidade de juventude atemporal” e sustentar a maior e mais profunda “revolução” comportamental já ocorrida em toda a história da humanidade; processo que, diga-se de passagem, permanece ainda em curso e carente de uma reflexão sobre suas mais profundas implicações em nossos corações e mentes.
Neste momento parece-me interessante focar o pensar em sua leitura da transição do rock dos anos 60 para os anos 70 através de um de seus maiores emblemas: a banda Led Zeppelin:

“ O inicio da década de 1970 tornou-se uma época de contradições. Por um lado, houve a institucionalização da moda da contracultura, da aparência, da experiência com drogas e da linguagem. Por outro, havia esforços do governo e do showbusiness para reverter a recente abertura e expressividade política e cultural da época. Em meio a essa confusão, o bombástico hard rock explodiu na esteira da música popular. O Led Zeppelin estava na frente, seguido por uma legião de discípulos fieis. Juntos, eles formavam a terceira explosão do rock, que chamou a atenção dos adolescentes daquele tempo- solidificando uma vertente iniciada pelo por Who, Cream e Hendrix. “Sexo, drogas e rock’ n’ roll!”. Tornou-se o lema e a busca pelo prazer e dinheiro, o objetivo final. Neste momento o art- rock ( rock com pretensões artísticas) e vocalistas-letristas de pop-rock que se juntaram ao heavy metal ( como o rock mais pesado passou a ser chamado) e aos dinossauros do rock, em quanto os anos 70m seguiam em frente.”

(Paul Friedlander. Rock and Roll: Uma História Social. Tradução de A. Costa. 4º ed, RJ: Record, 2006, p.330)

segunda-feira, 7 de julho de 2008

DIA A DIA

Tudo o que busco
É o acontecer intenso
Do mero exercício da vida,
O espreguiçar sereno do dia
No banal e estranho movimento
De ser perene e incerto
Como o vento.
Pois meu tempo não cabe
Na ordem do calendário,
É como um mágico vento
A habitar mil caminhos.

Sou no brilho vivo
Das múltiplas liberdades
Que definem o gosto
de estar
No aqui e agora
Da existência
Sem grandes questões
E mistérios,
Como um esboço
Do meu próprio rosto.

A BUSSOLA DOURADA E O IMAGINARIO CONTEMPORÂNEO


O cinema, enquanto personificação do imaginário coletivo é uma rica fonte de reflexão em torno das inconscientes tendências das imaginações e realidades construídas em nosso cotidiano fazer do ordinário dos fatos e ritmos da vida.
Assim sendo, considero instigante e provocador aqui tecer um breve e superficial comentário sobre dois filmes, aparentemente ingênuos e simplistas.
Refiro-me as Crônicas de Narnya e a Bússola de Ouro que, de modos distintos, parecem atualizar a velha linguagem dos contos de fada em um simbolismo contemporâneo e surpreendentemente imaginativo.
Em ambos os casos, crianças são as protagonistas centrais da narrativa, cujo principal argumento é seu envolvimento com “outros mundos”, com um universo mágico pouco acessível à realidade dos adultos e definida por uma natureza encantada.
Se no imaginário ocidental, na construção de uma vivência e imagem da criança/infância, de muitos modos predominou a imagem da criança divina aprisionada pela mitologia cristã, atualmente vemos emergir representações variantes da infância associadas a um resgate e valorização do universo do fantástico e do “desconhecido” como componentes da própria maturidade psiquica.
Desta forma, as criticas e sanções da igreja de Roma contra o filme A Bússola Dourada lançado no ultimo natal, são compreensíveis, embora não justificáveis dentro da dinâmica de um mundo cada vez mais plural e interrogativo quanto à afirmação universal de qualquer verdade religiosa ou laica.
A bússola de Ouro, é um exercício único de imaginação... Afinal, a partir da realidade de um mundo imaginário onde qualquer versão xamânica de natureza humana nunca se perdeu e as almas humanas são personificadas por “daimons”, por formas animais que nos acompanham, dialogam e protegem, o desconhecido de uma pluralidade de outros mundos e realidades possíveis surge como um desafio aos conservadores guardiões da ordem estabelecida e suas verdades.
Tal fantasia, essencialmente inspirada em uma imagem pagã de natureza, conduz a muitas interrogações... Mas prefiro esperar a previsível continuação desta fascinante aventura cinematográfica para aprofundar minha leitura.

domingo, 6 de julho de 2008

LITERATURA INGLESA XXXI



"Vivemos em um mundo louco onde os contrários se convertem continuamente entre si, os pacifistas se descobrem adorando Hitler, os socialistas tornam-se nacionalistas, os patriotas colaboracionistas, os budistas oram pela vitória do exército japonês, e a Bolsa sobe se os russos preparam a ofensiva".

G. ORWELL, Horizonte, set.1943

Dentre os intelectuais de esquerda do séc XX, George Orwell, pseudônimo de Eric Arthur Blair, (1903-1950) encontra-se entre aqueles que pertencem ao seleto e singular grupo capaz de paradoxalmente despertar sinceras simpatias tanto em partidários da extrema esquerda quanto da extrema direita.
Isso acontece em função da plural repercussão de suas obras mais conhecidas: A Revolução dos Bichos, publicada muito significativamente em 1945 e Nineteen-Eighty-Four (1984), publicado em 1949.
Critico do socialismo real da antiga URSS, tanto quanto do capitalismo e, particularmente, do império britânico, Orwell foi, em radical sentido, um dissidente, um herege político, ou simplesmente, um critico das utopias nos obscuros e maniqueístas anos de laica religiosidade política da guerra fria.
Pessoalmente, creio que uma lúcida avaliação de sua obra transcende em muito a leitura dos dois livros aqui citados, pressupondo pelo menos algum conhecimento de textos como Dias Na Birmânia e A Flor Da Inglaterra...
Nada disso muda o fato de que sua obra, permanecerá em grande parte fatalmente associada a idéia de “distopia”, ou seja, a recusa das utópicas representações perfeitas de mundo inspiradas em algum ideal totalitário de perfeição ou satisfatória funcionalidade da sociedade.
Orwell foi antes de tudo um escritor outsiders em obscuros tempos de ideologias e medos... Um individuo, acima de todo caos da existência e hostilidades da vida em sociedade...

CONTEMPORÂNEIDADE E INDIVIDUALIDADE


A contemporaneidade confunde-se em parte com um trabalho de desconstrução de todas as certezas que nos foram legadas pela tradição ocidental. Religiosidade, verdade, sociedade, ciência ou moral são palavras, por exemplo, que já não guardam significados claros e muito menos confiáveis no exercício do pensamento e construção do mundo através da linguagem e dos atos.
Em outros termos, as formas de coletivização e subjetivização dos indivíduos pressupõe cada vez menos o ajustamento a uma “ordem social” totalizante. De muitas maneiras, os desvios tornaram-se a regra e o mundo já não passa de um lugar incerto e potencialmente perigoso onde a única possibilidade de vida autêntica encontra-se no individuo solitário fechado no esforço, na arte, de construção do seu próprio mundo pessoal e animico.

SENHA


Não sei
o ponto certo
De interseção
Entre o eu e o mundo,
Desconheço a senha
Das minhas realidades
Guardadas
Na fantasia de todo pensamento.

Existo em acaso
Tempo e espaço,
Fluido como a água
Em psicodélicos insights
E vislumbres de céus abertos.

No lento dissolver
De mim mesmo
No acontecer frenético
Do mundo
Tento apenas
Desvelar minha senha.

sexta-feira, 4 de julho de 2008

ENCONTRO URBANO


Guardei seu rosto
No anonimato
Daquele momento
Em que em silêncio
Nos desencontramos
Na via pública.

Nunca saberei seu nome,
Nunca a verei novamente,
Nada tenho a lhe dizer.

Apenas guardei seu rosto
Quase como um testemunho
De tudo aquilo que jamais vivi
Ou perfeita ilusão de sonhos
Jamais sonhados por mim.

FREE AS A BIRD


Liberdade é para mim
O perene exercício
De me desconstruir no mundo
No vago intuir
De tudo aquilo que sou.

Pois nada me prende a nada,
Tudo é fronteira,
Passagem,
No aventurar-me no tempo
Entre as ambigüidades do acaso
E as frágeis realidades
De cada mínimo dia.

Fly as a bird,
Across the time…

Tudo passa na mimese do vento
Que aleatoriamente me sopra
Vida a fora,
Noite a dentro.

terça-feira, 1 de julho de 2008

DIVERSIDADE CULTURAL, HISTORIOGRAFIA E CONTEMPORÂNEIDADE


A coletânea de ensaios do historiador britânico Peter Burke, VARIANTES DE HISTÓRIA CULTURAL, originalmente publicada no Reino Unido e nos Estados Unidos em 1997, é uma referência indispensável não somente para historiadores, mas também para todos aqueles que, de algum modo, refletem sobre as transformações contemporâneas dos usos e significados da cultura.
Especial atenção merece o ensaio Unidade e variedade na História Cultural que, mais do que realizar um balanço historiográfico, analisa as tendências e perspectivas atuais do fenômeno cultural.
A pluralidade, sincretismos e hibridismos culturais atualmente em pauta diante das múltiplas dinâmicas introduzidas pelo fenômeno das globalizações contemporâneas de modo geral lançaram novas luzes sobre a construção da modernidade e sua correspondente e complexa “economia mundo”. Afinal, a experiência da modernidade foi, entre outras coisas, uma experiência de fronteiras, tensões e trocas culturais sem procedentes no mundo ocidental.
Deixando falar o autor:


“... Para retornar a linguagem “tradicional”, os indivíduos talvez tenham acesso a mais de uma tradição e optem por uma em vez de outra segundo a situação, ou se apropriem de elementos de duas para fazer alguma coisa por conta própria. Do ponto de vista “êmico”, o que o historiador precisa examinar é a lógica subjacente a essas apropriações e combinações, os motivos locais dessas opções. Por isso alguns historiadores tem estudado as respostas de indivíduos aos encontros entre culturas, em especial aqueles que mudaram de comportamento- quer os chamados “convertidos”, da perspectiva de sua nova cultura, ou “renegados”, do ponto de vista da antiga. A questão é estudar esses indivíduos- cristãos que viraram mulçumanos no Império Otomano, ou ingleses que viraram índios na América do Norte- como casos extremos e especialmente visíveis de resposta a situação do encontro e concentrar-se nas maneiras como eles reconstituíram suas identidades. As complexidades da situação são bem exemplificadas pelo estudo de um grupo de negros brasileiros, descendentes de escravos, que retornaram a África Ocidental porque a consideravam sua pátria, e descobriram que os habitantes locais os consideravam americanos.”

(Peter Burke. Unidade e Variedade na História Cultural. in Variedades de história cultural./ Tradução de Aldo Porto. RJ, Civilização Brasileira, 2000, p. 264)


No que diz respeito a nossa contemporaneidade cultural Burke acrescenta:

“ .... Retomemos a situação de hoje. Alguns observadores ficam impressionados com a homogeneização da cultura mundial, o “efeito coca-cola”, embora muitas vezes não levem em conta a criatividade da recepção e transposição dos sentidos discutidas antes neste capitulo. Outros vêem mixagem ou ouvem pidgin em toda parte. Alguns acreditam poder discernir uma nova ordem, a “creolização do mundo”. Um dos grandes estudantes da cultura em nosso século Michail Bakhtin, costumava enfatizar o que chamava de “heteroglossario”, em outras palavras, a variedade e conflito de línguas e pontos de vista dos quais, segundo sugeriu, se desenvolveram nossas formas de linguagem e novas formas de literatura ( em particular o Romance).
Retornamos ao problema fundamental de unidade e variedade, não apenas na história cultural, mas na própria cultura. É necessário evitar duas supersimplificações opostas: a visão de cultura homogênea, cega às diferenças e conflitos, e a visão de cultura essencialmente fragmentada, o que deixa de levar em conta os meios pelos quais todos criamos nossas misturas, sincretismos e sínteses individuais ou de grupo. A interação de subculturas as vezes produz uma unidade de opostos aparentes. Feche os olhos e ouça por um momento um sul-africano falando. Não é fácil dizer se o locutor é negro ou branco. Não vale a pena perguntar se as culturas negra e branca na África do Sul compartilham outras características, apesar de seus contrastes, conflitos, graças a séculos de interação?
Para alguém de fora, historiador ou antropólogo, a resposta é sem a menor duvida “sim”. As semelhanças parecem exceder em peso as diferenças. Para os de dentro, contudo, as diferenças talvez sejam mais importantes que as semelhanças. É provável que essa questão sobre diferenças em perspectiva seja válida para muitos encontros culturais . Portanto, deduz-se que uma história cultural centrada em encontros não deve ser escrita segundo um ponto de vista apenas. Nas palavras de Mikhail Bakhtin, essa história tem de ser “polifônica”. Em outras palavras, tem que conter em si mesma várias línguas e pontos de vista, incluindo os vitoriosos e os vencidos, homens e mulheres, os de dentro e os de fora, de contemporâneos e historiadores.”

( Idem, p.266-267)

THE TYGER BY WILLIAM BLAKE




O Tigre é certamente o mais conhecido dentre os poemas de Songs of Experience (1794) de William Blake.
Reproduzo aqui duas diferentes versões dos seus versos para o português a titulo de gratuito prazer... Afinal, certos poemas parecem nos atingir como um raio vestindo elegantemente o pensamento como um sofisticado traje de alma... considero este, definitivamente, um bom exemplo disso...

THE TYGER

Tiger, tiger, burning bright,
In the forest of the night,
What immortal hand or eye
Could frame thy fearful symmetry?



In what distant deeps or skies


Burnt the fire of thine eyes?
On what wings dare he aspire?


What the hand dare seize the fire?



And what shoulder, and what art,
Could twist the sinews of thy heart?
When thy heart began to beat,
What dread hand forged thy dread feet?



What the hammer? What the chain?
In what furnace was thy brain?
What the anvil?
What dread grasp
Dared its deadly terrors clasp?



When the stars threw down their spears
And watered heaven with their tears,
Did He smile his work to see?
Did He who made the lamb make thee?



Tiger, tiger, burning bright,
In the forest of the night,
What immortal hand or eye
Dare frame thy fearful symmetry?


William Blake

Tradução de Vasco Graça Moura, publicada em Laooconte, rimas várias, andamentos graves (Lisboa: Quetzal Editores, 2005).

O TIGRE


tigre, tigre, chama pura
nas brenhas da noite escura,
que olho ou mão imortal cria
tua terrível simetria?

de que abismo ou céu distante
vem tal fogo coruscante?
que asas ousa nesse jogo?
e que mão se atreve ao fogo?

que ombro & arte te armarão
fibra a fibra o coração?
e ao bater ele no que és,
que mão terrível? que pés?

e que martelo? que torno?
e o teu cérebro em que forno?
que bigorna?
que tenaz
pro terror mortal que traz?

quando os astros lançam dardos
e seu choro os céus põem pardos,
vendo a obra ele sorri?
fez o anho e fez-te a ti?

tigre, tigre, chama pura
nas brenhas da noite escura,
que olho ou mão imortal cria
tua terrível simetria?

O TIGRE

Tradução: José Paulo Paes

Tygre, Tygre, viva chama
Que as florestas de noite inflama,
Que olho ou mão imortal podia
Traçar-te a horrível simetria?

Em que abismo ou céu longe ardeu
O fogo dos olhos teus?
Com que asas atreveu ao vôo?
Que mão ousou pegar o fogo?

Que arte & braço pôde então
Torcer-te as fibras do coração?
Quando ele já estava batendo,
Que mão & que pés horrendos?

Que cadeia? que martelo,
Que fornalha teve o teu cérebro?
Que bigorna? que tenaz
Pegou-te os horrores mortais?

Quando os astros alancearam
O céu e em pranto o banharam,
Sorriu ele ao ver seu feito?
Fez-te quem fez o Cordeiro?

Tygre, Tygre, viva chama
Que as florestas da noite inflama,
Que olho ou mão imortal ousaria
Traçar-te a horrível simetria?

ROTINA


Não sei se queria da vida
Uma outra face de existência
Ou apenas descobrir em meu rosto
As possibilidades perdidas
De algum eu esquecido.
Melhor ocupar-me somente
Do previsível,
Do labor de semana
Que se impõe como fatalidade
No acontecer de um quase destino.
Pois minhas noites estão guardadas
Em algum canto sujo de tempo
Aguardando um dia perdido
Do calendário.

SEGUNDA FEIRA

Provo o sereno afago
De um sol morno e radiante
A banhar as pequenas rotinas
E cansaços de uma comum
Segunda feira.
Nada me diz meus futuros adiados
Ou passados perdidos
No desencontro dos atos vazios
De mero cotidiano.
Mas há preguiças em meus pensamentos
E uma vontade discreta
De saber urgentemente
Sobre qualquer outro dia...