sexta-feira, 30 de novembro de 2007

O IMAGINÁRIO CONTEMPORÂNEO E O REAL COMO DESAFIO

O roteiro teórico que define o imaginário contemporâneo é, em certa medida, o da peregrinação pelos subsolos de um querer absoluto e sem objetos que nos encanta a percepção na ausência de um quadro completo ou inteligível da realidade. A confusão daquilo que nos faz pensar, o imbróglio do acontecer de tudo, já não nos permite grandes sínteses conceituais.
Uma consciência unitária, uma totalidade sistêmica ou um mundo meramente ordenado e explicável, tornou-se hoje em dia, mais do que nunca, um mero vislumbre delirante de um estado de coisas utopicamente ingênuo frente a complexidade vertiginosa de um real que se esfumaça e se faz cada vez mais construção e fantasia coletiva.

cultura pós moderna e contemporaneidade


Publicado originalmente na Inglaterra em 1989, CULTURA POS MODERNA: INTRODUÇÃO AS TEORIAS DO CONTEMPORÂNEO de Steven Connor, permanece ainda hoje como uma referência significativa para os debates em torno do tempo presente inaugurados pelas formulações e polêmicas envolvendo a pauta de discussões aglutinadas em torno da Pós Modernidade.
O autor realiza um exaustivo balanço da condição pós moderna em variados campos: filosofia, literatura, cinema, TV, política cultural, cultura popular, vida acadêmica, etc. em um esforço para a compreensão dos desafios e possibilidades representados pela cultura contemporânea. Realiza ainda um balanço critico dos principais autores que entre os anos 70 e 90 envolveram-se no debate sobre a Pos Modernidade.
Cannor nos convida a uma avaliação crítica da cultura pós moderna em seu conjunto, de suas diversas linguagens, vislumbrando a possibilidade de uma ética político cultural que, indo além do pós moderno, seja capaz de dar conta da pluralidade global que cada vez mais define o tempo presente. Para o autor o que está em jogo é a necessidade, diante do abandono das meta narrativas universalistas e totalitárias, de estabelecer um quadro comum de concordâncias. Pessoalmente não sei até que ponto este consenso mínimo seria possível em um mundo cada vez mais definido pela afirmação ilimitada da diversidade, pela fragmentação cultural, mesmo que como seu contra ponto ganhem força os fundamentalismos e particularimos identidários.
Mas deixando o autor falar:

“ O esvaziamento do horizonte do valor universal leva no final quer a um acolhimento irracionalista da agnóstica da oposição- em termos mais simples, à adoção por falta de alternativas do princípio universal de que a força é o direito-; quer à complacência ingênua do pragmatismo, em que se supõe que jamais podemos fundamentar as nossas atividades em princípios éticos que tenham mais força do que simplesmente dizer “ este é o tipo de coisas que fazemos, porque é adequado para n´s” ( No final, na verdade, a opção pragmática sempre vai se transformar na agnóstica , por que só vai funcionar satisfatoriamente até que alguém se recuse a concordar com você ou a permitir que você discorde dele.) A análise e a política culturais pós modernas por certo marcam um estágio importante e, com efeito, provavelmente epocal, no desenvolvimento da consciência ética, no reconhecimento da irredutível diversidade de vozes e interesses. No entanto, como esse estudo tem tentado mostrar, essa análise cultural sempre corre o risco de se tornar cúmplice das formas cada vez mais globalizadas que buscam submeter, explorar e administrar- e, portanto, restringir violentamente- essa diversidade. A tarefa de uma pós modernidade teórica do futuro tem de ser ( sem dissipar suas energias em fantasias de marginalidade potentemente derrotada, nem estreitar-se num profissionalismo autopromotor e nem agir como legitimação cultural dos efeitos alienantes da “sociedade da informação” do capitalismo avançado) forjar formas novas e mais inclusivas de coletividade ética. Haverá quem veja isso como apenas mais uma recaída desfibrada no universalismo, mas não se trata disso: trata-se de um chamado para a criação de um quadro comum de concordância, único fator capaz de garantir a continuidade de uma diversidade global de vozes.”

(Steven Connor. Cultura Pós Moderna: Introdução as Teorias do Contemporâneo/ Tradução: Adali Ubirajara Sobral e Maria Stela Gonçalves. SP: Edições Loyola, 4º ed., 2000; p. 198)

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

INTERPRETAÇÃO POETICA ONIRICA

Sonho a paisagem
De um quadro
Onde em um plano
Sobre outro
As cores devoram formas
Desafiando estéticas
No império das sensações
Que explodem
No mágico desregramento
Da percepção.
O que de fato sei nisso?
Abstração lírica
Ou delírio?

terça-feira, 27 de novembro de 2007

ARTE E CONHECIMENTO

O imaginário estabelecido pelos mitos religiosos e seculares que definem o imaginário ocidental nos proporcionam a cândida ilusão de que há sentido em tudo, de que tudo é passível de interpretação e significado, quando na verdade o mundo é apenas a consciência que temos dele.
Nosso tempo presente define-se sob o signo do não sentido, por uma incômoda imagem de um mundo que se torna cada vez menor, menos cogniscível, pela aventura da palavra e a magia de qualquer definição de verdade.O negativo, o virtual e o silêncio formam a trindade paradigmática de uma nova modalidade irracional de percepção do real onde aprendemos ou re aprendemos o conhecimento como o mais desafiador exercício artístico.

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

CRÔNICA RELÂMPAGO XIV

Raramente nos damos conta do passar dos anos em nossas vidas, refletimos sobre as transformações e marcos biográficos que nos organizam as fases e ritmos da existência. Viver é um espontâneo e aleatório movimento de coisas, um fluir de mim mesmo no tempo e no espaço que molda o corpo e a alma no acumulo de pessoas e fatos...
Confesso que às vezes minha própria existência afigura-se como um gigantesco acontecimento sobre o qual não possuo qualquer domínio e impera o caprichoso acaso como arquiteto dos meus incertos caminhos. Reconheço-me mais nas pessoas que freqüentaram-me ao longo dos anos do que propriamente em meu próprio rosto.

LITERATURA INGLESA XIV


Sir Arthur Conam Doyle ( 1859-1930 ), nasceu na Irlanda em uma família modesta. Apesar disso, formou-se em medicina e conquistou fama e prestígio ao escrever As aventuras de Sherlock Holmes, personagem que se converteria em um dos maiores mitos da era vitoriana.
Escreveu ainda romances históricos centrados na carismática personagem do brigadeiro Gerard, herói das guerras napoliônicas. Cabe ainda citar o “Mundo Perdido”, curiosa novela sobre uma expedição científica liderada pelo paleontologista George Challenger, a lugares remotos da selva amazônica com o intuito de provar a existência contemporânea dos dinossauros. Esta última obra originou uma adaptação para o cinema em 1925 pela First National Picture que alcançou significativo êxito devido aos seus efeitos especiais considerados inovadores na época. O que não impediu sua obscuridade com o surgimento do cinema falado nos anos seguintes.
Não é nada fácil comentar em poucas palavras a prodigiosa imaginação literária de Conam Doyle onde a ciência, de braços dados com a aventura, afirma-se como expressão viva da singularidade humana. Tanto no caso de Holmes quanto no de Challenger nos deparamos, de formas diversas, com homens obcecados pelo conhecimento e comprometidos com uma racionalidade heterodoxa, desafiadora do cânone do saber científico.
No caso especialmente de Holmes é clássica a passagem do “Símbolo dos Quatro” em que assim justifica o uso de cocaína:


“Minha mente rebela-se contra a estagnação. Dê-me problemas, dê-me trabalho, dê-me o mais abstruso criptograma ou a mais intrincada análise, e estou no meu elemento. Posso então dispensar estimulantes artificiais. Mas detesto a rotina monótona da existência."

domingo, 25 de novembro de 2007

FAREWELL

A sonolenta luz
De um sol triste
Espalha silêncios
Sobre as coisas.
A vida veste-se de calma
Escrevendo no corpo
A paz das despedidas.
Despido de tudo
Recebo a noite
Como uma promessa
No esvaziar-se sereno
De mais um dia
Dentro de mim
Surpreendo o acordar
De mudos acasos
Que me dizem nas núvens
Em crepúsculo
O segredo máximo da natureza:
Farewell...

CONTRAMÃO

Espero passivo
Um dia
De não pensamento,
De silencio de idéias
Na bucólica paisagem
De um sítio de sonho.
Enquanto meu tempo
Corre
Na contramão
Dos fatos.

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

ODES DE ANACREONTE


As chamadas Odes Anacreônicas foram originalmente difundidas na Grécia hlênica. Ou seja, naquele momento em que a civilização grega, após as conquistas e morte de Alexandre, se universalizava e transformava a partir dos intercâmbios culturais com o Oriente Trata-se, na verdade, de um período de transição entre o classicismo grego e a majestosa Roma imperial. A autoria destas Odes é controversa e o exato período de sua composição imprecisa.
Mas o que, entretanto, aqui realmente importa, é a sintonia possível entre o leitor contemporâneo e esses versos antigos que consagram, a partir das referências de sua própria época, o sensualismo, o prazer, a vida e o desregramento; onde indiretamente nos falam o velho deus Dionísio, Afrodite e Eros.
Seguem alguns pequenos exemplos:

CANTO BÁQUICO


Sempre que bebo o alegre vinho,
Logo, de coração contente,
Eu vou as Musas celebrar.

Sempre que bebo o alegre vinho,
Lanço os cuidados e o prudente
Conselho inquieto, dos que o entoam,
Ao léu dos ventos que ressoam
Como os barulhos lá do mar...

Sempre que bebo o alegre vinho,
Baco ( do mal quem livra a vida),
Em vernal brisa reflorida,
Como me eleva e agita no ar...

Sempre que bebo o alegre vinho,
Flórea coroa- que se teça
Aos deuses- ponho na cabeça
E canto a vida sã, feliz!

Sempre que bebo o alegre vinho,
E aromas suaves em mim chovem,
Celebro a Cípria- que assim quis...

Sempre que bebo o alegre vinho,
Bem a meu gosto, em taça grande,
Simples, minha alma, enfim se expande
Nos coros jovens, com prazer.

Sempre que bebo o alegre vinho,
Tenho o meu ganho na partida:
Tudo o que levo desta vida
-Pois todos temos de morrer!

PRAZERES VENAIS

Que belo diverti-me à toa
Onde estão prados luxuriantes,
Quando agradável, tênue, voa
A aura dos Zéfiros errantes!
De Baco os cachos, novos ainda,
Ver sob as folhas e poder
Nos braços tenra jovem, linda,
Que exala a própria Cípria, erguer!

ODES de Anacreonte/ tradução de Almeida Cousin. RJ: Editora tecnoprint ( coleção Sabedoria e Pensamento, s/d.)

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

ICARO


O Sol brilha
No espaço impossível
Indiferente a terra
Aberta em cores,
Formas e odores.

Ventos consagram vertigens
No acontecer urbano
Onde o sonho dos pássaros
E a ambição de palavras
Escrevem a humanidade
Em nostalgia de luas.

Talvez o futuro
Escrava-se no rosto
Como um céu azul
Quase impossível.

TEMPO PESSOAL

Meu tempo corre
Na contramão dos fatos.
É quase uma ilusão verdadeira,
Onde espero passivo
Um dia
De não pensamento,
De silêncio de idéias
Em bucólicas paisagens
De sítios de sonhos.

Meu tempo é a espera
Do primeiro dia
Do resto de toda a vida
Possível.

domingo, 18 de novembro de 2007

GEORGE STEINER E A PÒS CULTURA


Em fins dos anos 60, quando eram esboçadas as primeiras tentativas de conceituação de uma ficção pós moderna, o crítico literário George Steiner, inspirado pelas “Notas para Redefinição de Cultura” de Eliot ( 1948), formulava o conceito de Pós cultura, buscando dar conta de um conjunto de fenômenos que apontavam para uma profunda transformação no imaginário ocidental.
Parafraseando o autor, o constructo clássico do discurso e a centralidade da palavra, inspiradores de um sistema hierárquico de valores que definiam a própria essência da sociedade ocidental, viu-se abalado ao longo do séc. XX, não apenas pelas vanguardas dos anos 20, mas também pela “contra-cultura” dos beatnik, Graffiti, Stoned ( chapados), etc. que delimitavam uma nova linguagem e padrão de experiência que não mais tinham como centro a palavra.
Como esclarece o próprio autor:

“Essas mudanças, de uma cultura dominante a uma pós ou subcultura, expressa-se em um “afastamento da palavra” generalizado. Vista a partir de alguma futura perspectiva histórica, a civilização ocidental, desde suas origens greco-hebraicas até mais ou menos o presente, pode assemelhar-se a uma fase de “verbalismo” concentrado. O que nos parecem ser distinções relevantes podem dar a impressão de ter sido parte de uma era geral em que o discurso falado, evocado e escrito era a coluna vertebral da consciência. Um lugar-comum da atual sociologia e do “estudo da mídia” diz que essa primazia da “lógica”- daquilo que organiza as articulações de tempo e de significado em torno ao logos- está chegando ao final. Cada vez mais a palavra é uma legenda para a imagem. Crescentes áreas da realidade e da sensibilidade , de modo especial nas ciências exatas e nas artes não- figurativas, estão fora do alcance do relato verbal e da paráfrase. As notações da lógica simbólica, a linguagem da matemática e da computação deixaram de ser metadialetos, submetidos e reduzíveis à percepção verbal. Elas são modos comunicacionais autônomos, que reivindicam e expressam por si mesmos crescente área de buscas ativas e contemplativas. As palavras estão corroídas pelas falsas esperanças e pelas mentiras que elas, as palavras, veiculam. O alfabeto eletrônico da comunicação e da “proximidade” [ “togetherness”] imediatas e globais não é o antigo e cismático legado de Babel, mas a imagem em ação.”

( Georg Steiner. No Castelo do Barba Azul: Algumas notas para a redefinição da cultura./ Tradução : Tomas Rosa Bueno; SP: Companhia das Letras, 1991, p. 122 )

DELIRIO CRONOLÓGICO

O futuro do meu presente
É o passado imperfeito
De um sonho ingênuo.
Pois escrevo-me no tempo
nas sombras dos fatos
que me arrastam
as margens das horas e rumos
de onde contemplo
as infinitas águas
do finito da vida
entre o agora e o outrora
que me observam distantes
pela porta
da alma dos fundos.

PERDIDO PENSAMENTO

Entre as vielas e vozes
Da tarde aberta
Caiu um pensamento
Que sustentava
Um céu quase certo.
Perdeu-se ali com ele
Alguma descartável
Certeza de vida,
Alguma presunçosa verdade
Que de tão profunda
Abandonou-se ao vento
E abraçou
O gratuito esquecimento
Em um segundo
De intensa e irrefletida vida.

terça-feira, 13 de novembro de 2007

SENTIR-SE

Indiferentes
Ao assédio do sol
Meus eus dispersos
Em vastos desertos internos
Encontram o sono da vida
E o sonho de espelho
Na face da lua,
Vislumbram
A irrealidade do mundo
Diante do sentimento
De mim mesmo
Perdido em palavras
E deitado no vento
De vontades urgentes

SHAKESPEARE E O RENASCIMENTO INGLÊS


O renascimento inglês, se comparado ao caso italiano, pode ser considerado um fenômeno tardio. Os dois condicionantes, por assim dizer, de sua ocorrência seriam a ascensão ao poder da Dinastia Tudor, com Henrique VII em 1485, e a difusão do calvinismo ou as conseqüentes tensões e disputas religiosas que marcariam especialmente o séc.XVI. Cabe ainda ressaltar que no caso inglês a “cultura renascentista” circunscreveu-se a expressão musical e literária, atingindo sua mais representativa realidade através do chamado Teatro Elisabetano. Assim sendo, não deve causar estranheza a afirmação de que Shakespeare ( 1564-1618) foi definitivamente um dos mais significativos e expressivos artistas renascentistas de toda a Europa. Talvez aquele que, mais do que qualquer outro, ao dizer os dilemas, angustias e imaginações do seu tempo, foi capaz de dizer, para alem de sua própria época, os labirintos da condição humana.
Através de seus sonetos, comédias e tragédias, Shakespeare construiu uma obra ambivalente e paradoxal; a um só tempo popular e erudita, medieval e moderna, mas acima de tudo vertiginosamente humana...
Evidentemente esta é apenas a primeira referência ao velho bardo neste blog, algo abaixo de uma introdução e um pouco acima de um comentário.

terça-feira, 6 de novembro de 2007

NOTURNO

Lembro-me
Do novo de coisas antigas
Que provei em
Noites distantes.
Momento em que
Um vento se fazia
Vivência de algo ausente,
Um vazio a povoar
E percorrer memórias,
A decorar a casa e o corpo
Na embriagues do infinito
Em movimento.

BEATLES E A MAGIA DE Sgt. PEPPER'S


Ruber Soul e Revolver demarcam um momento de transição na musicalidade dos Beatles. Se até então eles poderiam ser considerados um fenômeno musical adolescente, dentre outros, encontravam-se então, convertidos em banda de estúdio, prestes a transmutarem-se no fabulous four que mudariam para sempre o cenário musical do rock mundial.
Cabe observar que músicais como Taxman, Tomorrow never Knows e Yellow Submarine, já introduziam, mesmo que ainda discretamente, uma nova poética e musicalidade que seria levada as últimas conseqüências em 1967 com o lançamento do explosivo Sgt. Pepper’s Lonery Hearts Club Band.
Difícil para mim aqui enumerar todas as inovações então apresentadas pelos Beatles nesse ousado trabalho. Sgt. Pepper’s é na verdade um grande teatro alegórico onde o virtual espetáculo de uma banda imaginária dá o tom de uma viagem musical psicodélica em treze faixas quase encadeadas em um só fôlego, dada a ausência de intervalo entre elas, que reúnem uma diversidade sem paralelos de estilos, desde música indiana, erudita, folk, vaudeville, efeitos especiais, etc.
A própria capa do álbum já é suficiente para causar perplexidade com os Beatles fantasiados com uniformes coloridos, cercados de personalidades famosas e enigmáticas, além das referências cifradas a morte de Paul McCartney.
O mais curioso é que a audição de faixas como Lucy in the sky with diamonds ou With a little help from my friends nos dias de hoje não provoca o estranhamento de estarmos diante de um monumento sonoro do passado, mas a surpresa de uma música, ainda nos dias de hoje, contemporânea, capaz de criar uma espécie de “não lugar”, ou comunicar com toda força a metalinguagem musical que define as mais universais criações artísticas de todos os tempos.

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

ROCK E CULTURA MUSICAL

Pode-se-ia escrever a História do Séc. XX exclusivamente através de sua música. Para muitos foi um século inconvenientemente barulhento, onde a urbanização crescente somada ao avanço tecnológico povoou o cotidiano humano de uma ilimitada e caótica quantidade de sons e ruídos a ponto de transformar ou “transtornar” a sensibilidade coletiva de modo realmente sem procedentes.
Abordando um ponto especifico da cacofonia moderna, diria que a reprodutividade técnica ilimitada de execuções musicais desmistificou e desritualizou a experiência musical ao tornar possível, em qualquer lugar e hora do dia, preencher nossas vidas e momentos com música. Sem isso seria impossível pensá-la como como um elemento produtor de sociabilidade, de exercício de vida interior em êxtase participatório ou comunitário que em alguma medida realiza o não verbal da vida e de nossa condição humana.
Foi através da difusão do radio e depois do long play que a sonoridade converteu-se em suporte de uma cultura, em um habito social identificado principalmente com os jovens e seus acervos musicais cultivados com tanto gosto e carinho como antes se mantinha uma biblioteca. Mas foi nos Estados Unidos e na Europa do pós guerra que essa nova cultura consolidou-se definitivamente com o advento do Rock in Roll iniciando um dos fenômenos mais curiosos do século.

CRÔNICA RELÂMPAGO XIII

Tudo na vida depende de tempo. Algumas coisas exigem mais tempo do que gostaríamos para desembocarem em realidades vividas e, não raramente, o fazem de modo diverso daquele que imaginávamos ou pretendíamos. A vida é como um jogo de xadrez onde nunca conseguimos antecipar satisfatoriamente os movimentos do adversário que é o nosso próprio destino, algo que surpreendentemente encontra-se dentro de nós mesmos e não na infinidade de questões e situações que nos povoam no palco do tempo humano.
Tudo na vida depende de tempo... porque só sabemos de nossas ansiedades e imediatas necessidades anímicas no cultivo de idealizados rostos e auto imaginações refletidas na face dos dias. Ignoramos imprudentemente as astúcias e segredos saturnais....

LITERATURA INGLESA XIII


“ A gente sabe que acertou quando aquilo que se escreve possui uma verdade e uma realidade dez vezes mais poderosa que a realidade original”
Hemingway

A literatura de Ernest Hemingway ( 1899-1961) é como um delicado artesanato cuja matéria é a própria vida imediata. Amante do Box, guerras, caçadas e touradas, este romancista e ensaísta norte americano dedicou-se como ninguém a voluptuosa e sensual experiência de viver, convertendo-a no próprio sentido da arte de escrever. De certa forma, pode-se dizer que tamanho mergulho na matéria da vida justifica seu suicídio como única opção trágica frente a franca decadência física e mental impostas pela doença.
Dentre seus contos conheço apenas “O Lutador”. Limitei-me até o presente ao sabor de dois de seus romances mais conhecidos: “O velho e o Mar” e “O sol também se levanta”. O suficiente para ter uma nítida idéia do homem por traz da cuidadosa prosa.
Hemingway foi antes de tudo um aventureiro, um homem profundamente mergulhado em seu tempo. Como jornalista, participou da cobertura das duas grandes guerras mundiais e freqüentou ao longo de sua vida lugares como África, Espanha, Itália e Cuba. Jamais foi, entretanto, um escritor engajado como muitos de sua época, apesar de declarar-se partidário da Revolução Cubana. Na verdade Hemingway foi um grande solitário profundamente mergulhado no imediato de sua própria vida...

AS DEUSAS E A MULHER: NOVA PSICOLOGIA DAS MULHERES


Nas últimas décadas assistimos ao desenvolvimento, principalmente nos Estados Unidos, de uma ampla releitura da mulher e do feminino enquanto realidade e imagem psíquica ou simbólica. A hoje chamada “nova psicologia das mulheres”, inspirada pela psicologia analítica inaugurada por C G Jung, é um dos mais fecundos produtos deste revisionismo cultural.
Um interessante exemplo é o trabalho da psiquiatra norte americana Jean Shinodra Bolen: As Deusas e a Mulher: Nova Psicologia das Mulheres. Neste, a partir da imagem de sete deusas gregas: Demeter, Perséfone, Hera, Hestia, Atena, Ártemis e Afrodite, a autora procura apreender através de padrões comportamentais e traços de personalidade elementares os múltiplos imperativos psíquicos que definem o movimento diverso de coisas que é cada mulher.
Como ressalta a autora, a condição feminina é condicionada não apenas a estereótipos culturais em seu relacionamento com o mundo, mas também a grandezas arquetipícas peculiares em sua relação consigo mesma.
A compreensão destas grandezas psíquicas interessa tanto as próprias mulheres quanto aos homens, pois nos conduz a uma consciência e a uma experiência mais complexa da própria condição humana. O mito da Grande Deusa e das deusas enquanto imagem da psique coletiva mostra-se pertinente em tal empreendimento na medida em que:

“Quando um mito é interpretado intelectual ou intuitivamente, isso pode resultar em alcance novo de compreensão. Um mito é como um sonho do qual nos lembramos, até mesmo quando não é compreendido, porque ele é simbolicamente importante. De acordo com o mitologista Joseph Campbell, ‘ Sonho é mito personalizado; mito é sonho despersonalizado’. Não é de admirar que os mitos invariavelmente pareçam algo algo vagamente familiar”
( Jean Schinoda Bolen. As Deusas e a Mulher: Nova Psicologia das Mulheres/ tradução de Maria Lydia Remédio; revisão de Ivo Storniolo. SP: Paulus,1990 ( Coleção Amor e Psique), p. 2)