quarta-feira, 31 de outubro de 2007

O SONHO DO HUMANO

Surpreendi-me ontem
conversando com o ar
em algum intervalo de ceu
aberto em meu pensamento.
Bebi as horas
e devorei a noite
até perceber
o quanto não passo
de um sonho estranho
da mãe natureza.

O AMANHÃ

Não sou destes
que vivem
em função dos dias futuros.
Sei que eles não existem,
que jamais existirão,
e o passado
me observa distraido
em algum ponto estático
do meu futuro.

O TEMPO QUE PASSA

O fluir do momento
me inquieta
no incerto rumo
de mim mesmo
no passar das coisas.

Nada é definido,
Tudo é a ventura.

Em cada segundo
uma esfinge me ensina
que no fundo de cada fato
há um segredo de obscuro acaso.

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

O SIGNIFICADO DO HELOWEEN


As origens do hoje chamado “Dia das Bruxas” remetem as tradições estabelecidas e difundidas entre as diversas tribos celtas que em torno de 600 a.C. e 800 d.C. habitaram a Gália e as Ilhas Britânicas.
Na tradição celta, entre o por do sol do dia 31 de outubro e o dia 1º de novembro, ocorria a noite sagrada ( Hallow evening) que simbolizava o fim do verão e o inicio do novo ano. Comemorava-se neste contexto, por volta de 1º de novembro, o festival do Samhain, cujo o nome significa literalmente “fim do verão”.
Neste período, os celtas acreditavam que ocorria um enfraquecimento das fronteiras entre os mundos dos mortos ( ancestrais) , dos deuses e dos homens.
O Helloween moderno, celebrado hoje em dia em paises como os Estados Unidos, Irlanda Inglaterra e até mesmo Brasil ( no hemisfério sul a data seria 30 de abril), possui basicamente duas linhas distintas de vivência simbolica: a carnavalesca, associada ao folclore do “dia das bruxas” ou do trick or treat , e a neo pagã, mais diretamente inspirada na tradição celta. Neste segundo caso, é comum acender-se velas em uma das janelas de casa em homenagem aos mortos ou reunir-se em torno de fogueiras para comer, beber e apresentar oferendas aos deuses e aos ancestrais.

LITERATURA INGLESA XII


Frankenstein ou O Prometeu acorrentado de Mary Shelley ( 1797-1851) é um livro que dispensa apresentações dado que por muitos caminhos, principalmente o cinematográfico, penetrou em nossas imaginações ao ponto de converter-se em um mito contemporâneo. Escrita no séc XIX a obra dialoga de certa maneira com o sec. XVIII, seja pela forma epistolar ou pela associação equivocada ao romance gótico tão popular na Inglaterra setecentista.
Em linhas gerais podemos interpretá-la, como convencionalmente se faz, como uma crítica ao cienficismo, mas pessoalmente a considero uma crítica a própria natureza humana, aos seus sonhos de grandeza e otimistas ilusões de progresso. Afinal, é a bizarra criatura do Dr. Frankenstein que personifica em seu infortúnio, destino e vingança o mais autentico e humano sentimento do mundo.
A referência ao mito de Prometeu no subtítulo deste fascinante escrito sugere uma saborosa ambigüidade: Afinal, a quem ele se refere? Ao cientista que desafia e domina a natureza ou a sua criatura que se volta contra o seu próprio criador?
Um detalhe importante é que a autora deste magnífico texto foi uma menina de 19 anos...


“....A medida em que ia lendo, porém, aplicava muita coisa a meus próprios sentimentos e condição. Achava-me parecido, e ao mesmo tempo estranhamente diferente dos seres sobre os quais lia e cuja conversa escutava. Solidarizava-me com eles, compreendia-os parcialmente, mas não tinha sua formação mental. Eu não dependia de ninguém nem era aparentado com quem quer que fosse. Também para mim era:


Vario o caminho, mas para a alegria e a tristeza
Sempre franco.

E não havia ninguém para lembrar-me. Minha figura era hedionda e minha estatura formidável. Que significava isto? De onde viera eu? Qual o meu destino? Tais perguntas ocorriam-me com freqüência e permaneciam como um enigma indecifrável.”
(
Mary Shelley. Frankenstein. Tradução de Evertin Ralph. RJ: Ed. Tecnoprint AS, s.d., p.69)
DUVIDAS

Vivo inúmeras questões.
Algumas nunca terão respostas.
São como portas fechadas
ou muros
a protegerem os domínios da desrazão.
Diante deles descubro
a magia de ocasionalmente
não pensar,
de viver as surpresas do acaso
neste pequeno sonho
que chamamos vida.


PERSPECTIVA

Guardo esperanças
no fundo do bolso esquerdo
para as noites de duvidar,
de querer respostas urgentes
e exigir destinos,
inventar caminhos
na alma rasgada
em fome de mundo e de céu aberto.

Guardo esperanças no bolso
para os dias de ir
alem de mim
em um grito de infinito,
de saber todas as coisas
mais que mim mesmo.

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

INQUIETAÇÃO

As vezes
As palavras corrompem
O silêncio
tentando dizer
o impossível
de um sentimento
vago e impreciso.
Alguma coisa inerte
de vermelho d'alma
e azul de corpo
que nos inquieta
em vontades de querer
ser um outro de nós mesmos.
Momento em que a vida
parece explodir
dentro da gente,
em que tudo se faz um grito
do próprio silêncio
no intuir profundo
de uma máxima existência
na banalidade de respirar.

CRÔNICA RELÂMPAGO XII

Estamos acostumados a associar erro a engano. Nada mais humano que enganar-se... Mas, por outro lado, também associamos erro a limitação, a um não saber ou opção equivoca. Desta forma todo erro nos surge vinculado ao conceito de verdade e esclarecimento. Como se conhecimento não fosse também uma forma de limitada e provisória opção de qualquer coisa, uma construção e uma escolha, em lugar de inequívoco acerto ou apropriação mais profunda de um suposto real. Talvez, o maior de todos os erros seja justamente nosso sentimento de certezas na infinita e caótica pluralidade de possibilidades que define a vida no além do bem e do mal ....

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

LA MORT LE ROI ARTU


Nada fácil falar brevemente sobre La mort le roi Artu, romance anônimo da primeira metade do séc XIII escrito em francês arcaico, obra profundamente dramática, recheada de ricas imagens e que narra o crepúsculo da Távola Redonda.
Heitor Magale, na introdução que faz para sua primorosa tradução em português, assim a apresenta a obra, situando-a dentro do ciclo arthuriano:

“A morte do rei Artur é um romance do seculo XIII atribuído, em seu próprio manuscrito, a Gautier Map e constitui-se no último livro da primeira prosificação ou Vulgata do conhecido Ciclo Arturiano. Antes dessa prosificação, a matéria havia sido tratada em romances em verso e em textos latinos em prosa. No século XII, quando Chrétien de Troyes estava compondo seus romances em verso, a prosa era praticamente reservada para traduções do latim, comentários ou paráfrases de textos sagrados, particularmente sermões. No século XIII, a prosa tornou-se veículo das crônicas em vernáculo. Quando aconteceu de autores principiarem a transformar em prosa os romances arturianos em verso, por volta de 1210, os textos acabaram por revelar-se mais históricos e religiosos. O foco mudou da cavalaria cortês para a busca do Graal e a matéria organizou-se num ciclo de obras que passou a ter como objetivo recontar toda a estória do Graal, desde as origens na paixão de Cristo até a completa realização da busca do Santo Vaso pelo cavaleiro eleito. “
( Heitor Magale; Introdução in A Morte do Rei Artur/ Anônimo; tradução Heitor Magale/ SP: Martins Fontes: 1992 ( coleção Gandhãra); p. 10.

Um resumo satisfatório de tão rico texto seria inútil, o que me faz apenas destacar alguns pontos e questões que nem de longe o esgotam mas que particularmente me interessam. Assim sendo, cabe dizer que, embora produto de uma cristianização mais sistemática da matéria da Bretanha, ainda é possível perceber nesta narrativa alguma tensão entre o imaginário pagão e cristão. Basta invocar por exemplo o confuso destino do Rei Arthur. Em seus últimos momentos Artur aparece em companhia do cavaleiro Gilfrede que, a seu pedido, devolve, mesmo que relutante, Excalibur a Dama do lago. No momento seguinte o mesmo cavaleiro, vale ressaltar, após a “maravilha” de uma forte e repentina chuva, testemunha o rei ser levado pelas fadas lideradas por Morgana em uma nau. Em um segundo momento, entretanto, o mesmo Gilfrete localiza uma capela negra onde encontra surpreendentemente o túmulo do rei. Justapõem-se, assim dois destinos na narrativa oriundos certamente de diferentes fontes e versões utilizadas na composição do texto. O fato é que tal contradição ganha uma dimensão significativa na medida em que um desfecho “pagão” aparece contraposto a intencionalidade “cristianizadora” representada pelo enterro cristão do rei.
Entretanto, a mais rica e significativa referência pagã na obra é certamente a aparição da deusa Fortuna as vésperas da trágica batalha:

“ ...O rei deitou-se em sua tenda acompanhado apenas de seus camareiros. Depois que dormiu, pareceu-lhe que uma dama vinha à sua presença, a mais bela, como nunca tinha visto no mundo, que o levantou da terra e o levou a mais alta montanha que nunca vistes, lá assentou-o sobre uma roda. Naquela roda havia assentos, dos quais uns subiam e outros desciam, o rei observava em que lugar da roda estava sentado e via que seu assento era o mais alto. A dama lhe perguntava:
-Artur, onde estás?
-Senhora, disse ele, estou numa roda alta, mas não sei qual é.
-è , disse ela, a roda da Fortuna.
Então perguntou-lhe:
-Artur, o que vês?
-Senhora, parece-me que vejo todo o mundo.
-É verdade, disse ela, tu o vês; não há muita coisa de que não tenhas sido senhor agora; e de todo circulo que vês foste o mais poderoso rei que já existiu. Mas tal é o orgulho terreno, que não há ninguém, por mais alto que esteja, a quem não convenha cair do poder do mundo.
Então o pegava e o estrebuchava a terra tão vilmente, que ao cair, parecia ao rei Artur que estava todo quebrado e que perdia toda a força do corpo e dos membros.”

(A Morte do Rei Artur/ Anônimo; tradução Heitor Magale/ SP: Martins Fontes: 1992 ( coleção Gandhãra); p. 204 et seq.)

PUER AETERNUS/PERSPECTIVA


PUER AETERNUS

Todo o meu presente
é o passar do momento
em vazio devir de acasos.
Onde sonho a própria realidade
construindo verdades
com a mágica argila de fantasias.

Sei carrancudas infâncias
no saber do dia
buscando uma fatia de luz
em cada oco acontecimento
de vida
até o ofuscar dos fatos
no revelar-se dos atos.

PERSPECTIVA

Um enervado amanhã
faz-se leve e superficial
banalidade
no fato do dia seguinte.

Um amanhã novamente adiado
a deixar o vagar da vida
em ritmo de espera e espectativa.

Tudo é o presente
de uma rotina
que me faz ser
no inexistir do meu rosto.

Nega-me a face o destino
em labirinto de signos urbanos
enquanto uma frase decora
o céu azul de um sonho:
Tomorrow is the first day
of the rest of your life.

Walt Whitman :A POETICA DA LIBERDADE


Ao lado de Emily Dickinson, Walt Whitman (1819-1892) é um dos  fundadores da poesia norte americana. Protagonista e autor privilegiado da invenção da America e do radical ideal de liberdade personificado pela utopia do novo mundo. Inegavelmente, sua poesia é um verdadeiro canto de liberdade, seja por meio das imagens, que tão bem traduzem seu individualismo radical, sua paixão pelas coisas, as pessoas, a vida e o mundo, seja através do apoteótico exercício do verso livre na absoluta ruptura com a tradição ocidental.

A singular vitalidade, simplicidade da poética de Wihtman, o conduziu a um lugar único na poesia de língua inglesa e também do novo continente, convertendo-o em uma espécie de profeta ou peregrino da liberdad por vir.. Sobre isso, é pertinente certa consideração de Paulo Leminski:

“Ouve-se , por trás das tempestades verbais de Whitman, alguns raios e relâmpagos dos sermões de igreja, vociferados por furibundos pastores apocalípticos de pequenas comunidades religiosas dos Estados Unidos, todas heréticas em relação a algum credo tradicional ( presbiterianismo, calvinismo, puritanismo, luterarismo), tudo dentro da melhor tradição do fragmentarismo localista das igrejas protestantes. A mãe de Whitman era “quaker”. E transmitiu-lhe a fé, tipicamente “quaker”, na luz interior.
Sem entender a fé “quaker”, não se entende Walt Whitman.
A seita fundada pelo inglês George Fox ( 1624-1691) caracterizou-se pela recusa radical a toda liturgia religiosa e sacerdócio, confiando apenas na presença do Espirito Santo na consciência individual. Na inspiração. Além ou contra as autoridades.”
(Paulo Leminski. Introdução in Walt Whitman. Folhas das Folhas de relva ( Leaves of Grass). Seleção e tradução de Geir Campos. SP: Brasiliense, 2º ed, s/d; p.8 et seq.)


Seguem alguns versos de Whitman como um revigorante drinque de liberdade para aqueles que celebram e vivem intensamente todas as possibilidades do porvir.


A SOMBRA IMAGEM MINHA


A sombra imagem minha

que para cá e para lá
vai procurando um jeito de viver
através da conversa, da barganha
-quantas vezes eu dou por mim parado
a ver por onde ela passa,
quantas vezes indago e ponho em dúvida
que aquilo seja realmente eu;
mas entre os meus amantes
e no cantarolar destas canções,
ah, eu não duvido jamais
que aquilo seja realmente eu.

VIDA

Sempre a indesencorajada alma do homem
resoluta indo a luta.
( Os contingentes anteriores falharam?
Pois mandaremos novos contingentes
e outros mais novos.)
Sempre o cerrado mistério
de todas as idades deste mundo
antigas e recentes;
sempre os ávidos olhos, hurras, palmas
de boas vindas, o ruidoso aplauso;
sempre a alma insatisfeita,
curiosa e por fim não convencida,
lutando hoje e sempre,
batalhando como sempre.

(Walt Whitman. Folhas das Folhas de relva ( Leaves of Grass). Seleção e tradução de Geir Campos. SP: Brasiliense, 2º ed, s/d)

MERLIM

Uma das mais fecundas reinterpretações contemporâneas da matéria da bretanha que conheço é a peça teatral Merlim oder Das Wüste Land (Merlim ou a Terra Deserta) de Tankred Dorst elaborada em colaboração com Ursula Ehler. Este contemporâneo “Merlim” , de modo sarcástico procura dizer nosso próprio tempo, ou mais precisamente, o fracasso de suas utopias polÍticas e os limites dos ideais de boa sociedade. Talvez, justamente por isso, ele nos remeta também as íntimas florestas, aos nossos sonhos mais inocentes e gratuitos de mera e serena existência em um mundo de incertezas... “Quero ser como o Mago Merlim passear no bosque e escutar as cantigas do vento, voar como as aves ser o lobo que espreita a caça oculto nas pedras na noite calada quero falar com o espirito das fontes ver tombarem as árvores antigas ser jovem e ter toda a idade que passa e ser rei da floresta encantada” ( Merlim ou a Terra Deserta/ Tankred Dorst com a colaboração de Ursula Ehler; tradução de Lya Luft. RJ: Paz e Terra, 1984

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

LITERATURA INGLESA XI


.K. Chesterton ( 1874-1936) foi um ensaísta e romancista inglês da primeira metade do sec.XX do qual me confesso de muitas formas distante. De sua obra, é verdade, conheço apenas O Homem que Era Quinta Feira ( 1904), ignorando involuntariamente outras escritos mais expressivas como A Esfera e A Cruz, O Clube de Ofícios Estranhos e ainda seus ensaios sobre literatura e trabalhos jornalísticos. Impossível, portanto, fazer a partir de uma única obra uma avaliação conclusiva deste autor. Mas tenho razões para crer que essa leitura de uma única obra pode revelar algumas impressões em certa medida pertinentes para apresentar o literato em questão.
O Homem que era Quinta Feira constrói-se a partir do confronto/diálogo entre dois poetas: Gregory, o anarquista de cabelos ruivos, e Syme, menos idealista e, além de poeta, policial. Ambos acabam se envolvendo em uma curiosa organização anarquista encabeçada por um conselho central composto por sete membros. Cada um deles tem por codinome um dos dias da semana. Na ocasião do envolvimento dos dois poetas, a citada organização encontrava-se na iminência de eleger um novo quinta feira, dado o falecimento do ocupante do cargo em um recente atentado. Embora Gregory se candidate para o cargo é inesperadamente Syme quem vence a exótica eleição... Trata-se de uma história insólita sobre policiais e anarquistas, recheada de humor, reflexões religiosas e pacifistas.
Para um leitor de inicio do sec. XXI, este interessante livro possui um sabor de cândida ingenuidade, um certo otimismo humanitário que o faz mais próximo das ilusões do seculo XIX do que propriamente das contradições, conflitos, dramas e incertezas do séc. XX, para não falar do tempo presente. Não por acaso, em 1922 seu autor seria um dos co-fundadores de um movimento intelectual de inspiração humanitária e cristã cognominado Distributismo revelando-se assim, ao lado de sua vertente humorística uma inconveniente tendência utópica.


"... Querem que lhes diga o segredo de todo o mundo? É que somente conhecemos as costas do mundo. Vemos tudo por trás, e tudo nos parece brutal. Não é uma árvore, mas o posterior de uma árvore. Não é uma nuvem, mas o posterior de uma nuvem. Não vêem que tudo está se curvando e escondendo a face? Se eu pudesse rodeá-lo e passar para a frente..."


(G.K. Chesterton. O Homem que era Quinta Feira. RJ: Editora Tecnoprint, 1987, s/d, p.152)

DELÍRIO


Sei que meu lugar
é o mero finito,
sem Deuses
e além de todo sagrado
no acaso de provisória lucides
Mas flores existem e dançam
Em vendavais de desejos.
Um futuro brilha cego e tranqüilo
No céu que cai
Além e sobre mim.
O sol e o sal da terra
esclarecem a noite
Que em segredo corre
na novidade da manhã.
Enquanto isso,
Nas águas que comem os tempos,
sombras sussurram
a imensidão.
Pois bem,
Me desfaço no infinito
apenas porque me sinto
no acontecer disso tudo.

.

CRÔNICA RELÂMPAGO XI

Uma perfeita alegoria para a vida cotidiana é o ato imaginário e vivo de contemplar horizontes. Viver seria alegoricamente, nesse caso, vivenciar a imagem de um "horizonte aparente" em permanente transição para um "horizonte profundo".
Seriamos assim precários e temporários hóspedes de alguma definição de horizonte em constante movimento ou mutação. Indo um pouco mais longe, o horizonte seria a única realidade que realmente existe na medida em que por definição é inatingível, como o próprio sumo da vida...

ROTINA E DEVANEIO

A rotina
é um deserto de insignificâncias,
um sonho em busca de realidade
ou da liberdade de freeways
rasgadas na alma.
Toda rotina
é um lugar de passagem,
de evasão e sombra,
para nossas imagens
de felicidade e lúdico.
Um quase acontecer
de nós mesmos...

CG JUNG: PSIQUE, HISTÓRIA E FANTASIA CRIATIVA


"De onde procedem então essas fantasias mitológicas, se não têm qualquer origem no Inconsciente pessoal e por conseguinte nas experiências da vida pessoal? Sem dúvida provêm do cérebro- precisamente do cérebro e não de vestígios de recordações pessoais, mas da estrutura hereditária do cérebro. Tais fantasias sempre têm um caráter original, "criativo" : assemelham-se a novas criações. Evidentemente derivam de uma atividade criativa do cérebro e não simplesmente de uma atividade reprodutiva. Sabe-se que juntamente com o nosso corpo recebemos um cérebro altamente desenvolvido que traz consigo toda a sua história e que, ao atuar criativamente, vai haurir a inspiração fora de sua própria história. Fora da história da humanidade. É bem verdade que por " história" entendemos a história que nos fazemos e que chamamos "história objetiva". A fantasia criativa nada tem a ver com esta história, mas somente com aquela história remotíssima e natural que vem sendo transmitida de modo vivo desde tempos imemoriais, isto é, a história da estrutura do cérebro. E esta estrutura conta sua história que é a história da humanidade: o mito indeterminável da morte e do renascimento e da multiplicidade de figuras que estão envolvidas neste mistério."
( JUNG, CARL GUSTAV, "Sobre o Inconsciente", in Civilização em Transição, Obras Completas , Vol.X/3, p.15)

ANIVERSÁRIO


Aniversário
é um dia qualquer,
igual a todos os outros,
mas que dentro de mim
acorda
um sentimento impreciso
de alma no tempo.
Sofro a adivinhação dos destinos
que se perderam no passar de tudo,
o sentimento confuso
da soma de rostos e roupas
que me vestiram
na imprecisão de tantas fases, faces
e momentos,
até não saber, afinal,
entre todas as coisas acumuladas
da vida
o que definitivamente me define
em meio ao caos dos anos.

O que sei
É o quanto é impossível ter o conforto
de sinopses de existência,
vestir o passado
com fantasias de dever cumprido
e metas atingidas
ou, simplesmente,
idealizar futuros no delírio
de abstratos e pretendidos destinos.
Somos o que somos
no estar das coisas,
somos um não ser permanente,
esquecimento e descoberta
do acaso da própria individualidade
na mágica aventura da vida
que nos conduz relutantes
a um mágico e hipotético
infinito.

CRÔNICA RELÂMPAGO X


Ao contemplarmos a fotografia de uma paisagem que experimentamos cotidianamente, não raramente temos uma impressão diferente dela. Talvez porque sua representação em duas dimensões estabeleça obrigatoriamente um distanciamento, uma objetivação unilateral do observado, que nos induz a um ocupar-se mais cuidadoso, embora indireto, de suas peculiaridades. Muito diferente acontece quando temos a paisagem como pano de fundo para o teatro de nossas ações.
Cotidianamente as paisagens mundanas nos escapam no exercício automático de nossos atos, no acontecer irrefletido do imediato de nossas vidas. Só lhe damos alguma atenção quando a confrontamos em um quadro ou em uma fotografia. Perdemos constantemente a pequena magia do gosto e alma dos lugares onde constantemente e sem perceber esquecemos qualquer coisa de nós mesmos...

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

LITERATURA INGLESA X


Impossível falar sobre a literatura de lingua inglesa sem celebrar a poesia de Robert Burns ( 1759-1796), o poeta nacional da Escócia e pelo qual nutro um profundo carinho. Burns foi autor das letras de canções populares até hoje cantadas em todo o mundo. Um bom exemplo é sua Auld Lang Syne ( Aos velhos tempos passados) que, em português ficou conhecida, sabe-se lá porque, como “Adeus amor, eu vou partir”. A letra original é, ao meu ver mais cativante e expressiva do que a pobre versão em português nada digna da original do autor.
Creio que basta um passeio pelos versos desta cândida melodia para provar a lírica bárdica e cômica que caracteriza esse belo poeta. Ainda hoje, os escorceses se reunem no dia 25 de janeiro, data de seu nascimento, para celebra-lo nos alegres e divertidos Burns Suppers ( Jantares de Burns).

AOS VELHOS TEMPOS PASSADOS
Coro
Pelos velhos tempos passados, meu amigo,
Pelos bons tempos passados,
Beberemos mais um copo em lembrança
Pelos velhos tempos passados.
I
Deveríamos esquecer os velhos amigos,
E nunca mais os relembrar?
Deveríamos esquecer os velhos amigos
De muitos tempos passados!
II
Certamente pagarás tua rodada de cerveja
E eu pagarei a minha,
E ainda beberemos à saúde dos amigos
Pelos velhos tempos passados!
III
Nós dois correremos pelos morros
E colheremos belas margaridas ,
Mas depois andaremos muitas milhas
Desde os velhos tempos passados.
IV
Nos dois atravessaremos riachos
De manhã cedo até a noitinha,
Mas entre nós se ergueram mares bravios
Desde os velhos tempos passados.
V
E aqui está minha mão, fiel amigo,
E da-me também a tua,
E tomaremos um belo trago
Pelos velhos tempos passados.
Coro
Pelos velhos tempos passados, meu amigo
Pelos bons tempos passados,
Beberemos mais um copo em lembrança
Pelos velhos tempos passados.

(Robert Burns. 50 Poemas.Tradução, introdução e notas de Luiza Lobo, colaboração e seleção de Ross Roy. RJ: Relume Dumará, 1994, p. 120 et seq.)

TRANSFIGURAÇÃO

Um pequeno torpor
de leve tédio
por um instante
me faz livre
de mim mesmo.
Por um segundo
de incômodo silêncio
sinto-me no vento
correndo o dia
em liberdade.
Sobre as ruínas
dos passados dias em branco
quase me sinto tudo que sou,
vazio de mim
e pleno de vida.

ESCRITA ENIGMA
O signo vivo
em labirinto de cifras
e significados
não é palavra.
É o escrever-se
de um eu fugidio
em querer ouvir-se falar.
Arquiforma
de evadidas consciências
em um rasgo de noites
no piscar de olhos
de um sonolento instante.

SOBRE O TEMPO


Segundo MARIE LOUISE VON FRANZ em ADIVINHAÇÃO E SINCRONICIDADE, no “espirito do tempo” estão consteladas certas interrogações e problemas psicológicos. Em outras palavras, cada época possui tendências e possibilidades específicas desenhando um perfil, um padrão particular de sensibilidades e pré-disposições coletivas. Podemos facilmente identifica-los através do mais banal dos modismos, padrões iconográficos, musicais, ou ainda, de um conjunto de temas que norteiam toda vida científica, religiosa e cultural em um determinado período. O encadeamento aparentemente imprevisível e espontâneo de fatos, muitas vezes obedece a orientação natural do estado psicológico ou arquétipo constelado na vida social. Uma observação da citada autora sobre a noção de historicidade inerente a mentalidade que caracteriza a tradição cultural chinesa é particularmente interessante:

“...Os chineses têm uma percepção intuitiva disso e, portanto, pensam que a melhor maneira de escrever a História consiste em obter o quadro real de um momento do tempo no passado, coletando todos esses eventos coicidentes, os quais, em conjunto, fornecem um quadro legível da situação arquetípica existente naquele tempo, e isso propicia novamente a idéia de um campo. Poderíamos dizer que os eventos se mostram num campo ordenado de tempo e que esse é o modo como os chineses usam o número. O número fornece informação sobre um conjunto de eventos ligados pelo tempo. A cada momento existe um outro conjunto, e o número informa sobre a estrutura qualitativa dos feixes de eventos temporalmente reunidos.” (FRANZ, Marie Louise von Adivinhação e Sincronicidade: A Psicologia da Probabilidade Significativa. SP: Cultrix,1987; p. 85)

Alguns podem ver nesta exposição da representação chinesa do tempo algum parentesco com a história positivista e sua obsessão doentia pelos acontecimentos. Mas estamos diante de coisa bem diferente, como sabe qualquer um que esteja mais ou menos familiarizado com a filosofia do I CHING: O LIVRO DAS MUTAÇÕES. Na mentalidade tradicional chinesa, os fatos encadeiam-se em função de um padrão que lhes transcende. Parafraseando RICHARD WILHELM, pouco considerados em si mesmos, todo acontecimento no mundo visível é o efeito de uma “imagem”, isto é de uma “idéia” que apenas tem plena realidade em um mundo invisível. Em poucas palavras, ele é a conseqüência no tempo concreto e abstrato de um evento supra-sensível ou simbólico. Poder-se-ia dizer, em linguagem mais secular, que os acontecimentos são construções mentais, que o próprio mundo é um teatro da mente...

sábado, 6 de outubro de 2007


PASSEIO DE PENSAMENTOS

Pensamentos passeiam
sem brilho
pela tarde
na opaca vida
das calçadas.
Passeiam alheios
as vitrines abertas
e a confusão de passos
que gritam o dia.
Pois são apenas pensamentos,
apenas vagos passageiros
de mim mesmo
a inventar dúvidas de realidade
e certezas de espanto
nos incertos passos
dos meus sentimentos.

O OURO DA MADRUGADA
A noite aberta
ensina-me segredos
no devaneio de um sonho ausente.
Não me engana
a quietude da madrugada.
Sei a intensidade das horas
perdidas em insônias,
os rabiscos de sentidos
no avesso do dia
na aventura da fala
do próprio silêncio.
Não me engana
essa busca insana
de paz e silêncio
que me rouba a alma.

BRITISH ROCK



Foi através da difusão de pequenas e informais bandas com guitarras e instrumentos improvisados, que faziam música inspiradas em canções folclóricas norte americanas em voga nos anos 20 e 30, os skiffle groups, que os jovens ingleses do pós guerra começaram, a partir de meados dos anos cinquenta, a construir uma identidade própria e inovadora em termos de sensibilidade e identidade musical. Tal empreendimento lúdico teve caráter espontâneo e suas as origens permanecem um tanto quanto obscuras ou controvertidas. O fato é que este modismo de época, sob o impacto da influência do rock and roll também vindo dos Estados Unidos originaria, em fins dos anos 50, um fenômeno musical sem precedentes: o British Rock.
De fato, em janeiro de 1964, com o sucesso dos Beatles nos Estados Unidos, teria inicio em solo americano uma verdadeira invasão britânica que definiria a atmosfera de toda uma época, configurando significativamente o imaginário juvenil nas décadas seguintes. O sucesso dos Beatles abriu as portas do novo mundo a artistas como Billy J. Kramer e The Dakotas, Gerry e The Pacemakes, The Searches, etc. Havia ainda uma segunda vertente inspirada mais diretamente pelo blues e a música negra americana, sendo representada por bandas como o Rolling Stones, The Animais, The Yardbirds, etc.
Por volta de 1967, surgiria ainda uma terceira vertente através de bandas como o The Who, Spencer Davis Group, Pink Froyd e Cream. Nos anos 70 a criatividade e originalidade do British Rock sustentar-se-ia com a originalidade impactante de bandas como Led Zepellin, Black Sabbath, Iron Maidem, etc. Para não falar do surpreendente e explosivo niilismo agressivo do Punk que redefiniria para sempre a linguagem do rock através da simplicidade selvagem da musica de três acordes e seu anti esteticismo.
O que me faz lembrar aqui muito sucintamente esta fascinante aventura musical é uma interrogação elementar: O que define a moderna musicalidade britânica e seu inquestionável poder de encantamento e criatividade? O que perpassa todas as bandas aqui citadas a ponto de enlaça-las sob um mesmo rótulo? Absolutamente nada a não ser sua origem comum... Mas cada uma delas é por demais singular em suas apropriações e reinvenções deste estranho estilo chamado rock and roll. Muitas, como os Beatles, Rollling Stones, Black Sabbath e Led Zeppelin, converteram-se em símbolos vivos de novas formas de sentir e perceber o mundo despertadas pelo encantamento da música, personificaram a vitalidade e primitivismo dourado do prazer da vida em seus gostos, cores e energias mais radicais. Coisa que tornou-se possível, diga-se de passagem, justamente pela singularidade e originalidade da identidade musical de cada uma delas, tanto quanto pelas personalidades marcantes de alguns de seus integrantes facilmente mitificados pelo público que os consagra.
Seja por que razão, foi justamente o British Rock a mais perfeita definição desta evasão, desta busca de Ícaro que por muitos caminhos perpetua-se e renova-se até os dias de hoje no peculiar sincretismo e pluralidade de estilos, ritmos e experimentações que definem a musicalidade britânica e o prazer descontraído de inabalável vocação libertária que caracteriza esse exótico e tão peculiar estilo musical originário do novo mundo...